A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

27 de novembro de 2013

poema quebrado

entre
ter
o dia
e
não ter
amor

a
dor
me
ce
sede
de
não
ter
amor

a
mor
te
te
ce
a
se
de
de
não
ser

a
dor
me
cesse

se
não
for
dor
mente

Raimundo Beato

26 de novembro de 2013

intolerância

com o passar dos anos a infância foi ficando tola
quando na realidade deveria ser momento de sabedoria

a intolerância dos mais velhos vem da amargura de não terem sido crianças quando foi seu tempo
a sabedoria vem de poder voltar a ser criança quando se chega na fase derradeira

sou todos os momentos que me trouxeram até aqui
os certos e os errados

neste sentido não há certo ou errado
apenas totalidade

tudo que sou é a soma de tudo que fiz e do que não fiz
tudo que me cabe são minhas faltas
(meus infinitos)

meu silêncio me revela

Salvador Passos

25 de novembro de 2013

Rota ABC



Rota ABC Assista ao filme, leia o roteiro, comente 3, publique, Documentário, de Francisco Cesar Filho, Duração: 11 min,
Gênero: Documentário
Diretor: Francisco Cesar Filho
Duração: 11 min Ano: 1991 Formato: 35mm
País: Brasil Local de Produção: RJ
Cor: Colorido
Sinopse: Ensaio documental sobre os anseios e perspectivas da juventude moradora no subúrbio industrial do ABC paulista, ao som da banda punk Garotos Podres.

UMA ORAÇÃO AMERICANA (AN AMERICAN PRAYER)

UMA ORAÇÃO AMERICANA
Jim Morrison
Tradução de Fabiano Calixto
I
Vocês sabem do progresso infernal
sob as estrelas?
Sabem que nós existimos?
Teriam esquecido as chaves
do Reino?
Nasceram?
Estão vivos?
Reinventemos os deuses
& os mitos dos tempos
Celebremos os símbolos
das profundas florestas ancestrais
(Esqueceram as lições
da velha guerra?)
Precisamos de GRANDES TREPADAS douradas
Os pais gargalham nas árvores do bosque
& nossa mãe está morta no mar
Sacam que somos levados
a massacres por plácidos almirantes
& flácidos generais lerdos têm
o obsceno vício por sangue jovem?
Sacam que somos controlados pela TV?
A lua é um animal de sangue seco
Guerrilheiros lançam os dados
na vizinhança de verdes vinhas
preparando-se para a batalha contra
inocentes pastores em frangalhos
Ó Grande Criador da existência
nos conceda um momento mais para
mostrarmos nossa arte
& aperfeiçoarmos a vida
As traças & os ateus são duplamente divinos
& moribundos
Vivemos, morremos
& a morte não acaba
com isso
Viajamos mais e mais para dentro
do pesadelo
Agarre-se à vida
Essa nossa flor apaixonada
Agarre-se às bucetas & caralhos
do desespero
Nossa última visão nos deu
a gonorréia
Os ovos de Colombo
incharam de morte verde
(Apalpei-lhe a bunda
& a morte sorriu)
Nós no centro deste teatro
senil e insano
A propagar nosso tesão pela vida
& fugir da sabedoria fervilhante
das ruas
Os celeiros foram destruídos
As janelas preservadas
& somente um entre tantos
Pra dançar & nos salvar
C/ o divino deboche das
palavras
& música inflamando o espírito
(Quando os assassinos do verdadeiro Rei
possuem a liberdade
1000 mágicos surgem
na terra)
Onde as farras
que nos prometeram?
Onde o vinho?
– O Vinho Novo –
(está morrendo na uva)
O deboche residente
Cede uma hora à magia
& nós da rubra luva
& nós do vôo maligno
& da hora de veludo
Nós saídos dos deleites árabes
Da cúpula do sol & das 1001 noites
Dê-nos algo
em que crer
Noite de LUXÚRIA
Dê-nos a bênção
de sua Noite
Dê-nos da cor
cem matizes
uma rica mandala
para mim & para você
& para a sua casa
forrada de seda
uma cabeça, sabedoria
& uma cama
Decrépito decreto,
o deboche decerto
clama seu crédito
Costumávamos crer
nos velhos tempos
E hoje apenas nos sobram
um sorriso engarrafado
As Coisas Delicadas
& a face terna
esquecem & consentem
Sabem que a liberdade só existe
nos livros escolares?
Sabem que os loucos
enchem as cadeias?
C/ uma cela, c/ uma gaiola,
C/ num Maelstrom ianque
Como pêndulos de cabeça para baixo
à beira do tédio
Buscamos a morte
na treva de uma vela
Procuramos algo
que já nos encontrou
Podemos criar nossos Reinos
grandes tronos rubros, sofás de luxúria,
& devemos nos amar numa cama de armar
Portas de aço asfixiam os gritos
da prisão
& música elétrica liga os sonhos
Não temos o ímpeto negro
da libertação
& os anjos loucos separam o joio do trigo
Uma colagem de revistas velhas
Postadas nos muros da fé
Esta é a justa prisão daqueles que devem
levantar cedo & suar, por repugnantes
inúteis valores
enquanto virgens em pranto
exibem miséria
& beicinhos diante da insana
sociedade
Porra, estou cheio das dúvidas!
Quero viver ao sol de um certo
Norte
Cruéis ligações
Os servos têm o poder
cabeças-de-porco & suas reles mulheres
cobrindo com míseros mantos
nossos marujos
(& onde você estava nessa hora difícil?)
Ordenhando seu bigode?
ou esmagando uma flor?
Estou cheio dessas caras feias
Que me olham da torre de
TV – Eu quero rosas no
rosto do meu jardim,
sacou?
Bebês reis, rubis
irão tomar o lugar de
estranhos abortados na lama
Esses mutantes, adubo sangüíneo
para o cultivo da planta
Estão à espreita para nos levar aos
jardins segregados
Sabem da palidez & da lascívia aguda
da morte quando, às horas insólitas,
sem aviso, sem escolta,
como um tenebroso conhecido,
nos leva pra cama?
A morte faz de todos nós anjos
& nos põe asas
onde antes havia ombros
macios como as garras
dos corvos
Chega de grana! Chega de luxo!
Este outro Reino parece ser de longe o melhor
até que outra mandíbula revele incesto
& perca o respeito à lei vegetal
Não
Eu não vou
Prefiro a farra de amigos
à família Gigante
II
Grande Cristo que grita
Margarida excitada
Maria-sem-vergonha, você se erguerá
numa manhã de domingo?
“O filme começa em 5 minutos”
uma voz idiota anunciou
“Todos os de pé esperarão
pela próxima sessão”
Lentamente entramos
na sala. O auditório era
vasto & silencioso.
Estávamos sentados & escurecia
A voz prosseguia:
“A programação desta noite
não é novidade. Vocês
já viram esse filme.
Viram seu nascimento,
vida & morte; devem se lembrar
do resto – (você encontrou
um mundo bom quando
morreu?) – passaria
um filme?”
Uma gargalhada de ferro arrebentou nossa mente
como uma porrada.
Vou sair daqui
Onde você vai?
Pro outro lado da manhã
Por favor, não persiga as nuvens,
os ritos, os templos
A xota dela prendeu-o
como uma morna e amigável
mão.
“Tudo bem.
Todos os seus amigos estão aqui.”
Quando vou vê-los?
“Depois de ter comido”
Estou sem fome
“Quer dizer, depois de ser espancado”
Riacho de prata, grito prateado,
impossível concentração
Aí vêm os comediantes
Veja como eles riem
Como eles dançam
uma dança estranha
Olhe seus gestos
Quanto aprumo
Ao público!
Palavras veladas
Palavras rápidas
Palavras-bengalas
Plante-as
Elas crescerão
Observe como tremem
Prefiro ser um
homem-palavra
a um homem-pássaro
Cobrarei
Ninguém se manda
s/ morrer com uma grana
Vou ter que repetir?
Vou ter que gritar? Você se ligou?
S/ grana: nada de comida!
Serei o irlandês baderneiro
metendo, na boa, meu bico
no pico dos poderes
Oh, garota, desmanche
esse penteado cafona!
Ah, mas que mente careta!
Pecados nas moitas
Vistos pelas persianas
Ela fareja o prejuízo
no meu colarinho novo
Prosa arrogante
Amarrada numa rede de busca rápida
Daí a obsessão
Rápido se admite
o ritmo roubado
a mulher perdida
Mulheres do mundo, uni-vos!
Fazei do mundo um helldorado
Para a vasta vida libertina
Ha! Ha!! Ha!!!
Corte sua garganta
A vida é uma pândega
Sua esposa num canal!
A mesma nau!!
Aí vem o cabrual!!!
Sangue Sangue Sangue Sangue
Estão fazendo piada
do nosso universo
III
Caixa de fósforos
Você é mais real que eu
Vou te queimar & te libertar
Lágrimas amargas derramadas
Grande e inesquecível
lisonja
IV
A lava doente e quente fluiu
Enferrujando & borbulhando
A cara de papel.
Máscara-espelho, amo seu reflexo
Sofreu lavagem cerebral durante 4 horas
O Tenente se confundiu de novo
“Pronto pra falar?”
“Não senhor” – foi tudo que disse
Volte à ginástica
Pacífica
Meditação
Na base aérea do deserto
olhando pelas venezianas
um avião
uma flor do deserto
um gibi bacana
O resto do Mundo
é imprudente & perigoso
Veja os
bordéis
Filmes de foda
Classe Z
V
Um navio deixa o porto
cavalo selvagem de outra floresta
osso do desejo
avilta a raposa de metal
***
Abaixo, uma leitura do próprio Morrison e, mais abaixo, o poema original. Abrax!
AN AMERICAN PRAYER Do you know the warm progress/ under the stars?/ Do you know we exist?/ Have you forgotten the keys/ to the Kingdom/ Have you been borne yet/ & are you alive?// Let’s reinvent the gods, all the myths/ of the ages/ Celebrate symbols from deep elder forests/ (Have you forgotten the lessons/ of the ancient war)// We need great golden copulations // The fathers are cackling in trees of the forest/ Our mother is dead in the sea// Do you know we are being led to/ slaughters by placid admirals/ & that fat slow generals are getting/ obscene on young blood// Do you know we are ruled by T.V./ The moon is dry blood beast/ Guerrilla bands are rolling numbers/ in the next block of green vine/ amassing for warfare on innocent herdsmen / who are just dying// O great creator of being/ grant us one more hour to/ perform our art/& perfect our lives// The moths & atheists are doubly divine/ & dying/ We live, we die/ & death not ends it/ Journey we more into the/ Nightmare/ Cling to life/ our passion’d flower/ Cling to Cunts & cocks/ of despair/ We got our final vision/ by clap/ Columbus groin got/ filled w/green death// (I touched her thigh/ & death smiled)// We have assembled inside this ancient/ & insane theatre/ To propagate our lust for life/ & flee the swarming wisdom/ of the streets/ The barns are stormed/ The windows kept/ & only one of all the rest/ To dance & save us/ W/the divine mockery/ of words/ Music inflames temperament// (When the true King’s murderers/ are allowed to roam free/ a 1000 Magicians arise /in the land)// Where are the feasts/ we were promised/ Where is the wine/The New Wine/ (dying on the vine)// resident mockery/ give us an hour for magic/ We of the purple glove/ We of the starling flight/ & velvet hour/ We of arabic pleasure’s breed/ We of sundome & the night// Give us a creed/ To believe/ A night of Lust/ Give us trust in The Night// Give of color/ hundred hues/ a rich mandala/ for me & you// & for your silky/ pillowed house/ a head, wisdom/ & a bed// Troubled decree/ Resident mockery/ has claimed thee// We used to believe/ in the good old days/ We still receive/ In little ways// The Things of Kindness/ & unsporting brow/ Forget & allow/ Did you know freedom exists/ in school book/ Did you know madmen are/ running our prisons/ w/in a jail, w/in a gaol/ w/in a white free protestant/ Maelstrom// We’re perched headlong/ on the edge of boredom/ We’re reaching for death/ on the end of a candle/ We’re trying for something/ That’s already, found us// We can invent Kingdoms of our own/ grand purple thrones, those chairs of lust/ & love we must, in beds of rust// Steel doors lock in prisoner’s screams/ & muzak, AM, rocks their dreams/ No black men’s pride to hoist the beams/ while mocking angels sift what seems// To be a collage of magazine dust/ Scratched on foreheads of walls of trust/ This is just jail for those who must/ get up in the morning & fight for such// unusable standards/ while weeping maidens/ show-off penury & pout ravings for a mad/ staff// Wow, I’m sick of doubt/ Live in the light of certain/ South// Cruel bindings/ The servants have the power/ dog-men & their mean women/ pulling poor blankets over/ our sailors/ (& where were you in our/ lean hour)/ Milking your mustache?/ or grinding a flower?/ I’m sick of dour faces/ Staring at me from the T.V./ Tower. I want roses in/ my garden bower; dig?/ Royal babies, rubies/ must now replace aborted/ Strangers in the mud/ These mutants, blood-meal/ for the plant that’s plowed// They are waiting to take us into/ the severed garden/ Do you know how pale & wanton thrillful/ comes death on a stranger hour/ unannounced, unplanned for/ like a scaring over-friendly guest you’ve/ brought to bed/ Death makes angels of us all/ & gives us wings/ where we had shoulders/ smooth as raven’s/ claws// No more money, no more fancy dress/ This other kingdom seems by far the best/ until its other jaw reveals incest// & loose obedience to a vegetable law/ I will not go / Prefer a feast of friends/ To the Giant family// II // Great screaming Christ/ Upsy-daisy/ Lazy Mary will you get up/ upon a Sunday morning// “The movie will begin in 5 moments”/ The mindless Voice announced/ “All those unseated, will await/ The next show”// We filed slowly, languidly/ into the hall. The auditorium/ was vast, & silent./ As we seated & were darkened/ The Voice continued:// “The program for this evening/ is not new. You have seen/ This entertainment thru & thru./ You’ve seen your birth, your/ life & death; you might recall/ all of the rest – (did you/ have a good world when you/ died?) – enough to base/ a movie on?”// An iron chuckle rapped our/ minds like a fist.// I’m getting out of there/ Where’re you going?/ To the other side of morning/ Please don’t chase the clouds/ pagodas, temples// Her cunt gripped him/ like a warm friendly/ hand.// “It’s all right./ All your friends are here.”// When can I meet then?/ “After you’ve eaten”/ I’m not hungry “O, we meant beaten”/ Silver stream, silvery scream,/ impossible concentration// Here come the comedians/ look at them smile/ Watch them dance/ an indian mile// Look at them gesture/ How aplomb/ So to gesture everyone// Words dissemble/ Words be quick/ Words resemble walking sticks// Plant them/ They will grow/ Watch them waver so// I’ll always be/ a word-man/ Better than a birdman// But I’ll charge/ Won’t get away/ w/ out lodging a dollar// Shall I say it again/ aloud, you get the point/ No food w/ out fuel’s gain// I’ll be, the irish loud/ unleashed my beak/ at peak of powers// O girl, unleash/ your worried comb// O worried mind// Sin in the fallen/ Backwoods by the blind// She smells debt/ on my new collar// Arrogant prose/ Tied in a network/ of fast quest/ Hence the obsession// Its quick to admit/ Fast borrowed rhythm/ Woman came/ between them// Women of the world unite/ Make the world safe/ For a scandalous life// Hee Heee/ Cut your throat/ Life is a joke// Your wife’s in a moat/ The same boat/ Here comes the goat// Blood Blood Blood Blood/ They’re making a joke/ of our universe// III / Matchbox/ Are you more real than me/ I’ll burn you, & set you free/ Wept bitter tears/ Excessive courtesy/ I won’t forget// IV / A hot sick lava flowed up,/ Rustling & bubbling./ The paper face./ Mirror-mask, I love your mirror.// He had been brainwashed for 4 hrs./ The LT. puzzled in again/ “ready to talk”/ “No sir” – was all he’d say./ Go back to the gym./ Very peaceful/ Meditation// Air base in the desert/ looking out venetian blinds/ a plane/ a desert flower/ cool cartoon// The rest of the World / is reckless & dangerous/ Look at the/ brothels/ Stag films/ Exploration// V / A ship leaves port/ mean horse of another thicket/ wishbone of desire /decry the metal fox
Do livro An American Night: The Writings of Jim Morrison. Volume 2. Vintage Books: New York, 1991

Um tratado para estabelecer o governo das multinacionais


Lori Wallach*


As discussões sobre um acordo de livre-comércio entre o Canadá e a União Europeia foram concluídas em 18 de outubro. Um bom presságio para o governo dos EUA, que espera firmar uma parceria desse tipo com a Europa. Negociado em segredo, permitiria às multinacionais processar qualquer Estado que não siga as normas do liberalismo

É possível imaginar as multinacionais levando aos tribunais os governos cuja orientação política tivesse por efeito diminuir seus lucros? É concebível pensar que elas podem exigir – e conseguir! – uma compensação generosa pela perda de rendimentos causada por um direito do trabalho muito restritivo ou por uma legislação ambiental muito espoliadora? Por mais improvável que possa parecer, esse cenário não é novo. Ele já aparecia com todas as letras no projeto do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), secretamente negociado entre 1995 e 1997 pelos 29 países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) [1]. Divulgada in extremis, a cópia despertou em vários países uma onda de protestos sem precedentes, forçando seus promotores a mandá-la para a gaveta. Quinze anos depois, ei-la de volta em grande estilo, com uma nova roupagem.

O acordo para criar uma Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica (TTIP, na sigla em inglês), negociado desde julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é uma versão modificada do AMI. Ele prevê que as legislações em vigor em ambos os lados do Atlântico estejam em conformidade com as normas de livre-comércio estabelecidas pelas – e para as – principais empresas europeias e norte-americanas, sob pena de sanções comerciais ao país transgressor ou de uma reparação de vários milhões de euros em favor dos queixosos.

De acordo com o calendário oficial, as negociações só devem chegar a um resultado após um prazo de dois anos. O acordo combina, aprofundando-os, os elementos mais nefastos das parcerias efetivadas no passado. Se tivesse entrado em vigor, os privilégios das multinacionais assumiriam força de lei e amarrariam as mãos dos governantes. Impermeável às alternâncias políticas e às mobilizações populares, ele se aplicaria pelo bem ou pela força, já que suas disposições só poderiam ser alteradas com o consentimento unânime dos países signatários. Ele replicaria na Europa o espírito e as modalidades do modelo asiático, o acordo de Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership, TPP), que está sendo adotado em doze países depois de ter sido ardorosamente promovido pela comunidade empresarial norte-americana. Juntas, a TTIP e a TPP formariam um império econômico capaz de ditar suas condições para além de suas fronteiras: qualquer país que buscasse estabelecer relações comerciais com os Estados Unidos ou a União Europeia seria forçado a adotar tais e quais as regras que prevalecem no mercado comum deles.

Tribunais especiais

Como almejam liquidar porções inteiras do setor não comercial, as negociações sobre a TTIP e a TPP são realizadas a portas fechadas. As delegações norte-americanas têm mais de seiscentos consultores comissionados pelas multinacionais, que dispõem de acesso ilimitado aos documentos preparatórios e aos representantes do governo. Nada deve ser filtrado. Foi dada a instrução de deixar jornalistas e cidadãos fora das discussões: eles serão informados em tempo hábil, na assinatura do tratado, quando será tarde demais para reagir.

Em uma explosão de sinceridade, Ron Kirk, ex-secretário do Comércio dos Estados Unidos, defendeu as vantagens de “preservar certo grau de discrição e confidencialidade” [2]. Na última vez que foi publicada uma versão de um acordo que estava sendo negociado, apontou Kirk, as negociações fracassaram – uma alusão à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um modelo expandido do Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta); o projeto, ferozmente defendido por George W. Bush, foi revelado no site do governo em 2001. Porém, a senadora Elizabeth Warren retruca que um acordo negociado sem nenhum exame democrático nunca deveria ser assinado [3].

O imperioso desejo de ocultar a preparação do tratado EUA-UE da atenção do público é facilmente compreensível. É melhor usar o tempo para anunciar ao país os efeitos que ele vai produzir em todos os níveis: desde o topo do governo federal até os conselhos municipais, passando pelos governos e pelas assembleias locais, as autoridades eleitas devem redefinir de alto a baixo suas políticas públicas de maneira a satisfazer os apetites do setor privado, nas áreas que ainda lhe escapam. Segurança alimentar, normas de toxicidade, seguros-saúde, preço dos medicamentos, liberdade na internet, proteção de privacidade, energia, cultura, direitos autorais, recursos naturais, formação profissional, equipamentos públicos, imigração: não há um campo de interesse geral que não passe pelo jugo do livre-comércio institucionalizado. A ação política dos eleitos se limitará a negociar com as empresas ou seus mandatários locais as migalhas de soberania que eles quiserem lhes permitir.

Está desde já estipulado que os países signatários vão assegurar a “colocação em conformidade de suas leis, de seus regulamentos e de seus procedimentos” com as disposições do tratado. Ninguém duvida que eles vão se esforçar para honrar esse compromisso. Caso contrário, poderiam ser objeto de processos diante de um dos tribunais criados para arbitrar disputas entre os investidores e os países, e com o poder de impor sanções comerciais contra estes últimos.

A ideia pode parecer improvável; contudo, ela se inscreve na filosofia dos acordos comerciais já em vigor. No ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou os Estados Unidos por latas de atum rotuladas como “sem perigo para os golfinhos”, pela indicação do país de origem em carnes importadas e pela proibição de tabaco com cheiro de bombom, sendo tais medidas de proteção consideradas entraves ao livre-comércio. Ela também infligiu à União Europeia sanções de centenas de milhões de euros por sua recusa em importar transgênicos. A novidade introduzida pela TTIP e pela TTP é que elas permitiriam às multinacionais processar em seu nome um país signatário cuja política tivesse um efeito restritivo sobre sua exploração comercial.

Sob tal regime, as empresas seriam capazes de contrariar as políticas de saúde, de proteção ambiental ou de regulação das finanças em vigor nesse ou naquele país, exigindo uma indenização em tribunais extrajudiciais. Compostas por três advogados da área empresarial, essas cortes especiais que atendem às leis do Banco Mundial e da ONU estariam habilitadas a condenar o contribuinte a pesadas reparações quando sua legislação reduzisse os “lucros futuros esperados” de uma corporação.

Esse sistema “investidor versus Estado”, que parecia varrido do mapa após o abandono da AMI em 1998, foi restaurado em segredo ao longo dos anos. Em virtude de vários acordos comerciais assinados por Washington, US$ 400 milhões passaram do bolso do contribuinte para o das multinacionais, graças à proibição de produtos tóxicos, ao controle da exploração da água, do solo ou da madeira etc. [4]. Sob a égide desses mesmos tratados, os procedimentos atualmente em curso – em assuntos de interesse geral, tais como as patentes médicas, a luta antipoluição ou as leis sobre o clima e os combustíveis fósseis – estão elevando os pedidos de indenização a US$ 14 bilhões.

A Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica também tornaria mais pesada a fatura dessa extorsão legalizada, dada a importância dos interesses em jogo no comércio entre as regiões. Nos Estados Unidos, com 24 mil filiais, existem 3,3 mil empresas europeias, e cada uma delas poderia se considerar apta a buscar reparação por uma perda comercial. Tal efeito ultrapassaria em muito os custos ocasionados pelos tratados anteriores. Por sua vez, os países-membros da União Europeia se veriam expostos a um risco financeiro ainda maior, sabendo que 14,4 mil empresas norte-americanas têm na Europa uma rede de 50,8 mil filiais. No total, são 75 mil empresas que poderiam se lançar na caça aos tesouros públicos.

Oficialmente, esse sistema deveria de início servir para consolidar a posição dos investidores em países em desenvolvimento desprovidos de um sistema legal confiável; ele lhes permitiria fazer valer seus direitos em caso de desapropriação. Mas a União Europeia e os Estados Unidos não constituem exatamente zonas de ausência de direitos; eles dispõem, ao contrário, de uma justiça funcional e plenamente respeitadora do direito à propriedade. Ao colocá-los sob a tutela de tribunais especiais, a TTIP demonstra que seu objetivo não é proteger os investidores, mas aumentar o poder das multinacionais.

Processo por aumentar o salário mínimo

Os advogados que compõem esses tribunais não têm contas a prestar a nenhum eleitorado. Invertendo alegremente os papéis, eles podem tanto servir como juízes quanto defender a causa de seus poderosos clientes [5]. É um mundo bem pequeno esse dos juristas do investimento internacional: eles são apenas quinze a compartilhar entre si 55% dos casos tratados até hoje. Obviamente, suas decisões são finais.

Os “direitos” que eles têm por missão proteger são formulados de maneira deliberadamente vaga, e sua interpretação poucas vezes serve aos interesses da grande maioria. É o caso do direito concedido ao investidor de se beneficiar de um marco regulatório coerente com suas “previsões” – pelo que convém entender que o governo vai proibir a si mesmo de modificar sua política depois que o investimento tiver sido feito. Já o direito de obter uma compensação em caso de “desapropriação indireta” significa que os poderes públicos deverão colocar as mãos no bolso se sua legislação tiver por efeito reduzir o valor de um investimento, inclusive quando essa mesma lei também se aplica a empresas locais. Os tribunais reconhecem igualmente o direito do capital de adquirir cada vez mais terras, recursos naturais, equipamentos, fábricas etc. Nenhuma contrapartida por parte das multinacionais: elas não têm obrigação alguma para com os países e podem disparar processos quando e onde lhes convier.

Alguns investidores têm uma concepção muito ampla de seus direitos inalienáveis. Vimos recentemente empresas europeias moverem processos contra o aumento do salário mínimo no Egito ou contra a limitação das emissões tóxicas no Peru [6]. Outro exemplo: a gigante dos cigarros Philip Morris, incomodada pelas legislações antifumo do Uruguai e da Austrália, representou contra esses dois países diante de um tribunal especial. O grupo farmacêutico norte-americano Eli Lilly pretende fazer justiça contra o Canadá, culpado de ter criado um sistema de patentes que torna certos medicamentos mais acessíveis. O fornecedor de eletricidade sueco Vattenfall exige vários bilhões de euros da Alemanha por sua “virada energética”, que enquadra mais severamente as centrais de carvão e promete o abandono da energia nuclear.

Não há limite para as penalidades que um tribunal pode impor a um Estado em benefício de uma multinacional. Há um ano, o Equador se viu condenado a pagar a soma recorde de 2 bilhões de euros para uma companhia petrolífera [7]. Mesmo quando os governos ganham o processo, eles devem pagar as custas judiciais e as comissões diversas, que atingem em média US$ 8 milhões, de forma que os poderes públicos muitas vezes preferem negociar com o queixoso que defender sua causa no tribunal. Assim, o governo canadense evitou uma convocação para os tribunais anulando rapidamente a proibição de um aditivo tóxico utilizado pela indústria petrolífera.

No entanto, as reclamações não param de crescer. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o número de casos sujeitos aos tribunais especiais foi multiplicado por dez desde o ano 2000. Desde que foi criado na década de 1950, o sistema de arbitragem comercial nunca prestou tantos serviços aos interesses privados quanto em 2012, ano recorde em termos de abertura de casos. Esse boom criou um florescente viveiro de consultores financeiros e de advogados da área empresarial.

O projeto do grande mercado americano-europeu é apoiado há muitos anos pelo Diálogo Transatlântico de Negócios (TABD, na sigla em inglês), um lobby mais conhecido hoje pelo nome de Transatlantic Business Council (TBC). Criado em 1995 sob o patrocínio da Comissão Europeia e da Secretaria do Comércio norte-americana, esse fórum de empresários ricos faz campanha por um “diálogo” altamente construtivo entre as elites econômicas dos dois continentes, o governo de Washington e os comissários de Bruxelas. O TABD é um fórum permanente que permite às multinacionais coordenar seus ataques contra os políticos que ainda estão de pé em ambos os lados do Atlântico.

Seu objetivo, público, é eliminar o que chama de “discórdias comerciais” (trade irritants), ou seja, operar nos dois continentes sob as mesmas regras e sem interferência dos poderes públicos. “Convergência regulatória” e “reconhecimento mútuo” fazem parte dos painéis semânticos que o TABD exibe para encorajar os governos a permitir produtos e serviços que contrariam as legislações locais.

“Injusta rejeição ao cloridrato de ractopamina”

Mas, em vez de defender uma simples flexibilização das leis existentes, os ativistas do mercado transatlântico se propõem a reescrevê-las eles mesmos. Assim, a Câmara Americana de Comércio e o BusinessEurope, duas das maiores patronais do planeta, pediram aos negociadores da TTIP que reunissem em torno de uma mesa de trabalho um grupo de grandes acionistas e políticos para que “redijam juntos os textos de regulamentação”, que terão em seguida força de lei nos Estados Unidos e na União Europeia. É de perguntar, também, se a presença dos políticos na oficina de escrita comercial é realmente indispensável...

De fato, as multinacionais exibem uma notável franqueza na declaração de suas intenções − por exemplo, na questão dos transgênicos. Enquanto nos Estados Unidos um estado em cada dois planeja tornar obrigatório um rótulo que indique a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs) em um alimento – medida desejada por 80% dos consumidores do país –, os industriais do setor agroalimentar batalham pela proibição da rotulagem. A Associação Nacional dos Confeiteiros não mediu palavras: “A indústria norte-americana gostaria que a TTIP avançasse nessa questão, eliminando a rotulagem OGM e as normas de rastreabilidade”. Por sua vez, a muito influente Associação da Indústria de Biotecnologia (BIO, na sigla em inglês), da qual faz parte a Monsanto, fica indignada pelo fato de produtos contendo transgênicos e vendidos nos Estados Unidos poderem obter uma resposta negativa no mercado europeu. Consequentemente, ela espera que o “fosso que se alarga entre a desregulamentação de novos produtos biotecnológicos nos Estados Unidos e sua acolhida na Europa” seja rapidamente preenchido [8]. A Monsanto e seus amigos não escondem a esperança de que a zona de livre-comércio transatlântica permita enfim impor aos europeus seu “catálogo abundante de produtos OGM que aguardam aprovação” [9].

A ofensiva não é menos vigorosa na área da vida privada. A Coalizão do Comércio Digital (DTC, na sigla em inglês), que agrupa industriais da internet e da alta tecnologia, pressiona os negociadores da TTIP a remover as barreiras que impedem os fluxos de dados pessoais de se espalhar livremente da Europa para os Estados Unidos. “O ponto de vista atual da UE, segundo o qual os Estados Unidos não oferecem uma proteção ‘adequada’ da vida privada, não é razoável”, impacientam-se os lobistas. À luz das revelações de Edward Snowden sobre o sistema de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), essa opinião não deixa de fazer sentido. No entanto, ela não se iguala à declaração do US Council for International Business, um grupo de empresas que alimentaram maciçamente a NSA com dados pessoais: “O acordo deveria procurar circunscrever as exceções, como a segurança e a vida privada, para garantir que elas não sirvam como entraves disfarçados ao comércio”.

As normas de qualidade na alimentação também são tomadas como alvo. A indústria de carnes dos Estados Unidos pretende obter a supressão da regra europeia que proíbe frangos desinfectados com cloro. Na vanguarda dessa luta, o grupo Yum, dono da cadeia de fast-food KFC, pode contar com o poder de fogo das patronais. “A UE autoriza somente o uso da água e do vapor de água nas carcaças”, protesta a Associação Americana da Carne, enquanto outro grupo de pressão, o Instituto Americano da Carne, lamenta a “recusa injustificada [por Bruxelas] das carnes com adição de beta-agonistas como o cloridrato de ractopamina”. A ractopamina é uma droga usada para inflar o teor de carne magra em suínos e bovinos. Por causa dos riscos para a saúde dos animais e dos consumidores, ela é proibida em 160 países, incluindo membros da União Europeia, a Rússia e a China. Para a indústria de carne de porco norte-americana, essa medida de proteção constitui uma distorção da livre concorrência na qual a TTIP deve colocar um fim com urgência.

“Os produtores de carne suína dos EUA não aceitarão nenhum outro resultado que não seja o levantamento do embargo europeu da ractopamina”, ameaça o Conselho Nacional dos Produtores de Porco (NPPC, na sigla em inglês). Durante esse tempo, do outro lado do Atlântico, os industriais do BusinessEurope denunciam as “barreiras que afetam as exportações europeias para os Estados Unidos, como a lei sobre a segurança alimentar”. Desde 2011, esta permite que os serviços de controle retirem do mercado produtos de importação contaminados. Mais uma vez, os negociadores da TTIP são convidados a fazer tábua rasa disso.

O mesmo acontece com as emissões de gases de efeito estufa. A organização Airlines for America (A4A), o braço armado dos transportes aéreos norte-americanos, estabeleceu uma lista de “regulamentações inúteis que trazem prejuízo considerável à indústria” e que a TTIP, é claro, poderia riscar do mapa. No topo dessa lista está o sistema europeu de troca de cotas de emissões, que obriga as companhias aéreas a pagar por sua poluição de carbono. Bruxelas suspendeu temporariamente esse programa; a A4A exige a supressão definitiva em nome do “progresso”.

Mas é no setor financeiro que a cruzada dos mercados é mais virulenta. Cinco anos após a eclosão da crise dos subprimes, os negociadores concordaram que as veleidades de regulação da indústria financeira já tiveram seu tempo. O quadro que eles desejam colocar em prática prevê remover todas as barreiras em matéria de investimentos de risco e impedir os governos de controlar o volume, a natureza e a origem de produtos financeiros colocados no mercado. Em suma, trata-se pura e simplesmente de eliminar do mapa a palavra regulação.

De onde vem esse extravagante retorno aos velhos tempos thatcheristas? Em particular, ele responde aos desejos da Associação de Bancos Alemães, que não deixa de expressar suas “preocupações” com a reforma, ainda que tímida, de Wall Street adotada no rescaldo da crise de 2008. Um de seus membros mais empreendedores sobre essa questão é o Deutsche Bank, que recebeu, em 2009, centenas de bilhões de dólares do Federal Reserve em troca de títulos lastreados em hipotecas [10]. O mastodonte alemão quer acabar com a regulamentação Volcker, a pedra angular da reforma de Wall Street, que exerce, segundo ele, “uma pressão pesada demais sobre os bancos não americanos”. A Insurance Europe, a ponta de lança das empresas de seguros europeias, deseja de seu lado que a TTIP “remova” as garantias colaterais que dissuadem o setor de se aventurar em investimentos de alto risco.

Já o Fórum dos Serviços Europeu, patronal da qual faz parte o Deutsche Bank, trava há anos conversas de bastidores para que as autoridades de controle norte-americanas parem de enfiar o nariz nos assuntos dos grandes bancos estrangeiros que operam em seu território. Do lado dos Estados Unidos, espera-se sobretudo que a TTIP venha a enterrar para sempre o projeto europeu de taxação sobre as transações financeiras. O caso parece estar contornado, posto que a própria Comissão Europeia considerou que a taxa não está de acordo com as regras da OMC [11]. Na medida em que a zona de livre-comércio transatlântica promete um liberalismo ainda mais desenfreado que o da OMC, e como o Fundo Monetário Internacional (FMI) se opõe sistematicamente a qualquer forma de controle sobre os movimentos de capitais, a frágil “taxa Tobin” não preocupa mais muita gente nos Estados Unidos.

Mas o canto de sereia da desregulamentação não se faz ouvir apenas na indústria financeira. A TTIP tenciona abrir para a concorrência todos os setores “invisíveis” ou de interesse geral. Os países signatários se veriam obrigados não só a submeter seus serviços públicos à lógica do mercado, mas também a renunciar a qualquer intervenção sobre os prestadores de serviços estrangeiros que cobiçam seus mercados. As margens de manobra política em matéria de saúde, energia, educação, água ou transporte seriam reduzidas a um fio. A febre comercial também não poupa a imigração, já que os instigadores da TTIP se arrogam a competência de estabelecer uma política comum nas fronteiras – sem dúvida para facilitar a entrada daqueles que têm um bem ou um serviço para vender, em detrimento de outros.

Nos últimos meses, o ritmo das negociações se intensificou. Em Washington, há boas razões para acreditar que os líderes europeus estão dispostos a fazer qualquer coisa para reviver um crescimento econômico moribundo, ainda que à custa de uma negação de seu pacto social. O argumento dos defensores da TTIP, segundo o qual o livre-comércio desregulamentado facilitaria as trocas comerciais e seria, portanto, gerador de empregos, aparentemente pesa mais do que o medo de um terremoto social. As barreiras tarifárias que ainda persistem entre a Europa e os Estados Unidos são, no entanto, “já bastante baixas”, como reconheceu o representante de Comércio dos Estados Unidos [12]. Os próprios artífices da TTIP admitem que seu principal objetivo não é reduzir as restrições alfandegárias, de qualquer maneira insignificantes, mas impor “a eliminação, a redução e a prevenção de políticas nacionais supérfluas”, [13] sendo considerado “supérfluo” tudo que retarda o escoamento de bens, tais como a regulação financeira, a luta contra o aquecimento global e o exercício da democracia.

É verdade que os poucos estudos consagrados às consequências da TTIP quase não se detêm sobre suas consequências sociais e econômicas. Um relatório frequentemente citado, oriundo do Centro Europeu de Economia Política Internacional (Ecipe, na sigla em inglês), afirma, com a autoridade de um Nostradamus de escola de comércio que a TTIP vai fornecer à população do mercado transatlântico um aumento de riqueza de 3 centavos per capita e por dia... a partir de 2029 [14].

Apesar de seu otimismo, o mesmo estudo estima em apenas 0,06% a alta do PIB na Europa e nos Estados Unidos após a entrada em vigor da TTIP. Mesmo tal “impacto” é altamente irreal, já que seus autores postulam que o livre-comércio “dinamiza” o crescimento econômico − uma teoria regularmente refutada pelos fatos. Além disso, uma elevação tão infinitesimal seria imperceptível. Em comparação, o lançamento do iPhone5 da Apple levou os Estados Unidos a um aumento oito vezes mais significativo do PIB.

Quase todos os estudos sobre a TTIP foram financiados por instituições favoráveis ao livre-comércio ou por organizações empresariais, razão pela qual os custos sociais do tratado não aparecem neles, assim como suas vítimas diretas, que, no entanto, se poderiam contar em centenas de milhões. Mas os jogos ainda não foram jogados. Como o mostraram as desventuras da AMI, da Alca e de algumas rodadas de negociações da OMC, o uso do “comércio” como um cavalo de troia para desmantelar as proteções sociais e instaurar a junta dos encarregados de negócios fracassou em várias ocasiões no passado. Nada diz que o mesmo não acontecerá desta vez.

* Lori Wallach é diretora do Public Citizen’s Global Trade Watch.

Ilustração: Daniel Kondo

NOTAS

1. Ler “Le nouveau manifeste du capitalisme mondial” [O novo manifesto do capitalismo global], Le Monde Diplomatique, fev. 1998.

2. “Some secrecy needed in trade talks: Ron Kirk” [Algum sigilo necessário nas negociações comerciais: Ron Kirk], Reuters, 13 maio 2012. 3 “Elizabeth Warren opposing Obama trade Nominee Michael Froman” [Elizabeth Warren se opõe ao representante de Obama para o Comércio Michael Froman], Huffingtonpost.com, 19 jun. 2013.

4. “Table of foreign investor-state cases and claimsunder NAFTA and other US ‘trade’ deals” [Tabela de casos e reclamações investidor-Estado estrangeiros sob o Nafta e outros acordos “comerciais” dos Estados Unidos], Public Citizen, Washington, ago. 2013.

5. “Treaty disputes roiled by bias charges” [As disputas do tratado perturbadas por acusações de viés], Bloomberg, 10 jul. 2013.

6. “Renco uses US-Peru FTA to evade justice for La Oroya pollution” [A Renco usa tratado de livre-comércio entre Estados Unidos e Peru para escapar da justiça pela poluição de La Oroya], Public Citizen, 28 nov. 2012.

7. “Ecuador to fight oil dispute fine” [O Equador vai contestar multa de disputa de petróleo], AFP, 13 out. 2012.

8. Comentários sobre o acordo para a TTIP, documento do BIO, Washington, DC, maio 2013.

9. “EU-US high level working group on jobs and growth. Response to consultation by EuropaBio and BIO” [Grupo de trabalho de alto nível UE-EUA sobre os empregos e o crescimento. Resposta à consulta feita por EuropaBio e BIO]. Disponível em: .

10. “FED opens books, revealing European megabanks were biggest beneficiaries” [FED abre livros, revelando que megabancos europeus foram os maiores beneficiários], HuffingtonPost.com, 10 jan. 2012.

11. “Europe admits speculation taxes a WTO problem” [A Europa admite que os impostos sobre a especulação são um problema para a OMC], Public Citizen, 30 abr. 2010.

12. Carta de Demetrios Marantis, representante de Comércio dos EUA, a John Boehner, porta-voz republicano na Câmara dos Deputados, Washington, 20 mar. 2013.

13. “Final report. High level working group on jobs and growth” [Relatório final. Grupo de trabalho de alto nível sobre os empregos e o crescimento], 11 fev. 2013.

14. “TAFTA’s trade benefit: a candy bar” [Benefício do comércio Tafta: uma barra de chocolate recheado], Public Citizen, 11 jul. 2013.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil - Ano 7 - Número 76 - 01 de novembro de 2013 - Internet: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1522

19 de novembro de 2013

Sobre os presos no Rio: o cansaço não é uma opção!


Sobre os presos no Rio: o cansaço não é uma opção!
NOVEMBRO 18TH, 2013
Não estamos todos aqui, faltam os presos. Essa é a sensação de nós que não esquecemos de Baiano e de Rafael. Eles têm sido uma das formas do Estado se vingar da nossa ousadia. Eles não aceitariam tão facilmente tanto distúrbio e agora querem nos fazer temer para que durmam em paz. Porém não esquecemos dos presos e enquanto estiverem lá, estaremos aqui lutando contra as opressões e pela libertação de todos. Eles apostam no nosso cansaço e no nosso esquecimento, mas todos sabem que quem recebe a tapa nunca esquece. 

Rafael Vieira foi preso no dia 20 de junho por portar produtos de limpeza. Saía da sua casa, uma loja abandonada, no centro do Rio de Janeiro quando se deparou com a maior manifestação política na história recente do país. Agora está encarcerado no complexo presidiário de Japeri. Obviamente o fato de ser negro e morador de rua explicam o motivo de ainda estar encarcerado. Um frasco de desinfetante e outro de água sanitária de plástico não podem ser usados como Coquetel Molotov como é alegado pela justiça. Mas ainda assim não há previsão para o seu julgamento. Mais do que um nome ele é a realidade do que o Estado faz com negros e pobres. 

Já Baiano, Jair Seixas Rodrigues, foi preso no dia 15 de outubro nos protestos no Rio de Janeiro, foi acusado de ser parte do Black Bloc. Esse nome virou uma grande ficção midiática criada para criminalizar qualquer um que estiver nas ruas. Não existem provas que o conectem a nenhum grupo de confronto de rua, mas isso não importa mais no Brasil. Agora ele se encontra no presídio Bangu 9 e está recebendo mais apoio que Rafael por conta da sua militância. O seu julgamento está marcado para terça-feira (19/11) e aguardamos ansiosos para ver o resultado. 

Dois integrantes do movimento “Ocupa Câmera” fazem greve de fome pela libertação dos presos desde o dia 7 de novembro. Afirmam que só pararão no dia que a demanda for acatada. Alguns outros coletivos se mobilizam pelos presos e aqui nos juntamos a esse esforço. Acreditamos ser esse um momento oportuno para pensarmos seriamente por aqui que não existem “presos políticos”, pois todos são presos políticos por ousarem desafiar as leis do capital. Os contatos dos manifestantes que foram encarcerados com os outros presos nos relembraram para o fato de que esses campos de concentração chamados de presídios são lugares onde podem ser construídas cumplicidades contra as opressões do cotidiano. Por isso clamamos pela libertação imediata de todos os presos (sem adjetivos). A liberdade é o crime que contem todos os crimes!

14 de novembro de 2013

How science is telling us all to revolt

retirado de NewStateman

Naomi Klein: How science is telling us all to revolt

Is our relentless quest for economic growth killing the planet? Climate scientists have seen the data – and they are coming to some incendiary conclusions.
By Naomi Klein [1] Published 29 October 2013 10:00

Is our relentless quest for economic growth killing the planet? Climate scientists have seen the data – and they are coming to some incendiary conclusions.

Waste land: large-scale irrigation strips nutrients from the soil, scars the landscape and could alter climatic conditions beyond repair. Image: Edward Burtynsky, courtesy Nicholas Metivier Gallery, Toronto/ Flowers, London, Pivot Irrigation #11 High Plains, Texas Panhandle, USA (2011)

In December 2012, a pink-haired complex systems researcher named Brad Werner made his way through the throng of 24,000 earth and space scientists at the Fall Meeting of the American Geophysical Union, held annually in San Francisco. This year’s conference had some big-name participants, from Ed Stone of Nasa’s Voyager project, explaining a new milestone on the path to interstellar space, to the film-maker James Cameron, discussing his adventures in deep-sea submersibles.

But it was Werner’s own session that was attracting much of the buzz. It was titled “Is Earth F**ked?” (full title: “Is Earth F**ked? Dynamical Futility of Global Environmental Management and Possibilities for Sustainability via Direct Action Activism”).

Standing at the front of the conference room, the geophysicist from the University of California, San Diego walked the crowd through the advanced computer model he was using to answer that question. He talked about system boundaries, perturbations, dissipation, attractors, bifurcations and a whole bunch of other stuff largely incomprehensible to those of us uninitiated in complex systems theory. But the bottom line was clear enough: global capitalism has made the depletion of resources so rapid, convenient and barrier-free that “earth-human systems” are becoming dangerously unstable in response. When pressed by a journalist for a clear answer on the “are we f**ked” question, Werner set the jargon aside and replied, “More or less.”

There was one dynamic in the model, however, that offered some hope. Werner termed it “resistance” – movements of “people or groups of people” who “adopt a certain set of dynamics that does not fit within the capitalist culture”. According to the abstract for his presentation, this includes “environmental direct action, resistance taken from outside the dominant culture, as in protests, blockades and sabotage by indigenous peoples, workers, anarchists and other activist groups”.

Serious scientific gatherings don’t usually feature calls for mass political resistance, much less direct action and sabotage. But then again, Werner wasn’t exactly calling for those things. He was merely observing that mass uprisings of people – along the lines of the abolition movement, the civil rights movement or Occupy Wall Street – represent the likeliest source of “friction” to slow down an economic machine that is careening out of control. We know that past social movements have “had tremendous influence on . . . how the dominant culture evolved”, he pointed out. So it stands to reason that, “if we’re thinking about the future of the earth, and the future of our coupling to the environment, we have to include resistance as part of that dynamics”. And that, Werner argued, is not a matter of opinion, but “really a geophysics problem”.

Plenty of scientists have been moved by their research findings to take action in the streets. Physicists, astronomers, medical doctors and biologists have been at the forefront of movements against nuclear weapons, nuclear power, war, chemical contamination and creationism. And in November 2012, Nature published a commentary by the financier and environmental philanthropist Jeremy Grantham urging scientists to join this tradition and “be arrested if necessary”, because climate change “is not only the crisis of your lives – it is also the crisis of our species’ existence”.

Some scientists need no convincing. The godfather of modern climate science, James Hansen, is a formidable activist, having been arrested some half-dozen times for resisting mountain-top removal coal mining and tar sands pipelines (he even left his job at Nasa this year in part to have more time for campaigning). Two years ago, when I was arrested outside the White House at a mass action against the Keystone XL tar sands pipeline, one of the 166 people in cuffs that day was a glaciologist named Jason Box, a world-renowned expert on Greenland’s melting ice sheet.

“I couldn’t maintain my self-respect if I didn’t go,” Box said at the time, adding that “just voting doesn’t seem to be enough in this case. I need to be a citizen also.”

This is laudable, but what Werner is doing with his modelling is different. He isn’t saying that his research drove him to take action to stop a particular policy; he is saying that his research shows that our entire economic paradigm is a threat to ecological stability. And indeed that challenging this economic paradigm – through mass-movement counter-pressure – is humanity’s best shot at avoiding catastrophe.

That’s heavy stuff. But he’s not alone. Werner is part of a small but increasingly influential group of scientists whose research into the destabilisation of natural systems – particularly the climate system – is leading them to similarly transformative, even revolutionary, conclusions. And for any closet revolutionary who has ever dreamed of overthrowing the present economic order in favour of one a little less likely to cause Italian pensioners to hang themselves in their homes, this work should be of particular interest. Because it makes the ditching of that cruel system in favour of something new (and perhaps, with lots of work, better) no longer a matter of mere ideological preference but rather one of species-wide existential necessity.

Leading the pack of these new scientific revolutionaries is one of Britain’s top climate experts, Kevin Anderson, the deputy director of the Tyndall Centre for Climate Change Research, which has quickly established itself as one of the UK’s premier climate research institutions. Addressing everyone from the Department for International Development to Manchester City Council, Anderson has spent more than a decade patiently translating the implications of the latest climate science to politicians, economists and campaigners. In clear and understandable language, he lays out a rigorous road map for emissions reduction, one that provides a decent shot at keeping global temperature rise below 2° Celsius, a target that most governments have determined would stave off catastrophe.

But in recent years Anderson’s papers and slide shows have become more alarming. Under titles such as “Climate Change: Going Beyond Dangerous . . . Brutal Numbers and Tenuous Hope”, he points out that the chances of staying within anything like safe temperature levels are diminishing fast.

With his colleague Alice Bows, a climate mitigation expert at the Tyndall Centre, Anderson points out that we have lost so much time to political stalling and weak climate policies – all while global consumption (and emissions) ballooned – that we are now facing cuts so drastic that they challenge the fundamental logic of prioritising GDP growth above all else.

Anderson and Bows inform us that the often-cited long-term mitigation target – an 80 per cent emissions cut below 1990 levels by 2050 – has been selected purely for reasons of political expediency and has “no scientific basis”. That’s because climate impacts come not just from what we emit today and tomorrow, but from the cumulative emissions that build up in the atmosphere over time. And they warn that by focusing on targets three and a half decades into the future – rather than on what we can do to cut carbon sharply and immediately – there is a serious risk that we will allow our emissions to continue to soar for years to come, thereby blowing through far too much of our 2° “carbon budget” and putting ourselves in an impossible position later in the century.

Which is why Anderson and Bows argue that, if the governments of developed countries are serious about hitting the agreed upon international target of keeping warming below 2° Celsius, and if reductions are to respect any kind of equity principle (basically that the countries that have been spewing carbon for the better part of two centuries need to cut before the countries where more than a billion people still don’t have electricity), then the reductions need to be a lot deeper, and they need to come a lot sooner.

To have even a 50/50 chance of hitting the 2° target (which, they and many others warn, already involves facing an array of hugely damaging climate impacts), the industrialised countries need to start cutting their greenhouse-gas emissions by something like 10 per cent a year – and they need to start right now. But Anderson and Bows go further, pointing out that this target cannot be met with the array of modest carbon pricing or green-tech solutions usually advocated by big green groups. These measures will certainly help, to be sure, but they are simply not enough: a 10 per cent drop in emissions, year after year, is virtually unprecedented since we started powering our economies with coal. In fact, cuts above 1 per cent per year “have historically been associated only with economic recession or upheaval”, as the economist Nicholas Stern put it in his 2006 report for the British government.

Even after the Soviet Union collapsed, reductions of this duration and depth did not happen (the former Soviet countries experienced average annual reductions of roughly 5 per cent over a period of ten years). They did not happen after Wall Street crashed in 2008 (wealthy countries experienced about a 7 per cent drop between 2008 and 2009, but their CO2 emissions rebounded with gusto in 2010 and emissions in China and India had continued to rise). Only in the immediate aftermath of the great market crash of 1929 did the United States, for instance, see emissions drop for several consecutive years by more than 10 per cent annually, according to historical data from the Carbon Dioxide Information Analysis Centre. But that was the worst economic crisis of modern times.

If we are to avoid that kind of carnage while meeting our science-based emissions targets, carbon reduction must be managed carefully through what Anderson and Bows describe as “radical and immediate de-growth strategies in the US, EU and other wealthy nations”. Which is fine, except that we happen to have an economic system that fetishises GDP growth above all else, regardless of the human or ecological consequences, and in which the neoliberal political class has utterly abdicated its responsibility to manage anything (since the market is the invisible genius to which everything must be entrusted).

So what Anderson and Bows are really saying is that there is still time to avoid catastrophic warming, but not within the rules of capitalism as they are currently constructed. Which may be the best argument we have ever had for changing those rules.

In a 2012 essay that appeared in the influential scientific journal Nature Climate Change, Anderson and Bows laid down something of a gauntlet, accusing many of their fellow scientists of failing to come clean about the kind of changes that climate change demands of humanity. On this it is worth quoting the pair at length:

. . . in developing emission scenarios scientists repeatedly and severely underplay the implications of their analyses. When it comes to avoiding a 2°C rise, “impossible” is translated into “difficult but doable”, whereas “urgent and radical” emerge as “challenging” – all to appease the god of economics (or, more precisely, finance). For example, to avoid exceeding the maximum rate of emission reduction dictated by economists, “impossibly” early peaks in emissions are assumed, together with naive notions about “big” engineering and the deployment rates of low-carbon infrastructure. More disturbingly, as emissions budgets dwindle, so geoengineering is increasingly proposed to ensure that the diktat of economists remains unquestioned.

In other words, in order to appear reasonable within neoliberal economic circles, scientists have been dramatically soft-peddling the implications of their research. By August 2013, Anderson was willing to be even more blunt, writing that the boat had sailed on gradual change. “Perhaps at the time of the 1992 Earth Summit, or even at the turn of the millennium, 2°C levels of mitigation could have been achieved through significant evolutionary changes within the political and economic hegemony. But climate change is a cumulative issue! Now, in 2013, we in high-emitting (post-)industrial nations face a very different prospect. Our ongoing and collective carbon profligacy has squandered any opportunity for the ‘evolutionary change’ afforded by our earlier (and larger) 2°C carbon budget. Today, after two decades of bluff and lies, the remaining 2°C budget demands revolutionary changeto the political and economic hegemony” (his emphasis).

We probably shouldn’t be surprised that some climate scientists are a little spooked by the radical implications of even their own research. Most of them were just quietly doing their work measuring ice cores, running global climate models and studying ocean acidification, only to discover, as the Australian climate expert and author Clive Hamilton puts it, that they “were unwittingly destabilising the political and social order”.

But there are many people who are well aware of the revolutionary nature of climate science. It’s why some of the governments that decided to chuck their climate commitments in favour of digging up more carbon have had to find ever more thuggish ways to silence and intimidate their nations’ scientists. In Britain, this strategy is becoming more overt, with Ian Boyd, the chief scientific adviser at the Department for Environment, Food and Rural Affairs, writing recently that scientists should avoid “suggesting that policies are either right or wrong” and should express their views “by working with embedded advisers (such as myself), and by being the voice of reason, rather than dissent, in the public arena”.

If you want to know where this leads, check out what’s happening in Canada, where I live. The Conservative government of Stephen Harper has done such an effective job of gagging scientists and shutting down critical research projects that, in July 2012, a couple thousand scientists and supporters held a mock-funeral on Parliament Hill in Ottawa, mourning “the death of evidence”. Their placards said, “No Science, No Evidence, No Truth”.

But the truth is getting out anyway. The fact that the business-as-usual pursuit of profits and growth is destabilising life on earth is no longer something we need to read about in scientific journals. The early signs are unfolding before our eyes. And increasing numbers of us are responding accordingly: blockading fracking activity in Balcombe; interfering with Arctic drilling preparations in Russian waters (at tremendous personal cost); taking tar sands operators to court for violating indigenous sovereignty; and countless other acts of resistance large and small. In Brad Werner’s computer model, this is the “friction” needed to slow down the forces of destabilisation; the great climate campaigner Bill McKibben calls it the “antibodies” rising up to fight the planet’s “spiking fever”.

It’s not a revolution, but it’s a start. And it might just buy us enough time to figure out a way to live on this planet that is distinctly less f**ked.

Naomi Klein, the author of “The Shock Doctrine” and “No Logo”, is working on a book and a film about the revolutionary power of climate change. You call follow her on twitter@naomiaklein

Tags: Russell Brand guest edit

12 de novembro de 2013

Classic book: Bolo’Bolo


retirado de: Red Pepper


Gareth Brown looks at Bolo’Bolo, a proposal for collective living
October 2013

Bolo’Bolo, one of the most significant utopian texts of the late 20th century, first appeared in German in 1983 with an English edition the following year. The author (Hans Widmer, under a pseudonym taken from the two most common initials in the Swiss telephone directory) was at the time involved with the Midnight Notes Collective, whose members and collaborators include Peter Linebaugh, Silvia Federici, and George Caffentzis.

The book is by turns a bizarre, satirical and deadly serious proposal for collective living written in some detail. And despite its idiosyncrasies, there have been a number of attempts at putting this plan into practice. The most notable is the author’s own current Restart Switzerland project, which explores many of the ideas elaborated in Bolo’Bolo in the context of Swiss institutions and infrastructure and has fed into the creation of Zurich’s large and ambitious housing co-op Kraftwerk1.

The book’s wider impact can be seen in initiatives ranging from the barrios and spokes-councils of the anti-globalisation movement to the UK’s Radical Routes co-operative movement. Where it diverges from these experiments is in its insistence on being immediately global.

This is no dropout project. Rather, the local communities upon which it is founded are contingent upon global flows of information, labour, and materials. Similarly Bolo’Bolo exhibits an unflinching dedication to the present, to beginning from where we are, that differentiates it from many other utopian works.

Much of P M’s plan, therefore, concerns salvage, reclamation, reinvention, and transformation of this world full of stuff that we made (albeit as fruits of an exploitative relationship). It is an adaptive rather than a palimpsest approach. It is not, though, a project of reform or assimilation. Rather it is a revolutionary work with due attention paid to the means by which capitalism might be abolished.

P M begins by analysing present conditions under capitalism. He understands work as relating to three ‘deals’: the A workers (technical/intellectual) centred non-exclusively on the global North West; the B workers (agro/industrial) on the North East; and the C workers (he uses the term ‘fluctuant’ where we might now use ‘precarious’) in the global South. The emergence of bolo’bolo is dependent upon collaboration between these three categories of worker.

The focus of the book, though, is less on this process of resistance and subversion and more on strategies of social reproduction – the means by which we keep ourselves, our families, our friends, and our neighbours alive, and the means via which society is made and remade. This, for P M as for others in his political milieu, forms the bedrock of class struggle and so cannot be separable from the overthrow of capitalism. It is this focus that makes the text seem remarkably contemporary and relevant in today’s crisis.

To summarise only part of this wide‑ranging project, bolos are communities of between 300 and 500 ibus (people), who, within the bolo, are clustered into smaller communities called kanas. The urban bolos are linked with kodus that constitute the agricultural basis of their self-sufficiency and are arranged according to interest group, life-style, or identity (the long list of potential bolos provided for illustration includes Les-bolo, Play-bolo, Jesu-bolo, and Alco-bolo). Formal communication between these nodes is via assemblies and delegations, travel is borderless, the basis of exchange is the gift, labour is almost entirely voluntary and the only truly private property is limited to what can fit inside a taku, a 50 by 50 by 100cm box kept by each ibu.

The use of invented words is not affectation. In part, there is a clear attempt to shed the baggage of certain ideas through renaming (‘communism’ being a prime example). More importantly, corresponding to the new social relationships described in the text, these words have new meanings that make direct translation impossible. Ibu, for example, can be loosely understood as referring to the individual but the limits, reach and shape of the individual are different here, resulting in an overlap with the social. Similarly, gano refers to what we might call ‘productive space’ but in bolo’bolo, with its radically different approach to work, the meaning of ‘productive’ is transformed.

Humour abounds in the book and its preface is quite open that readers ought to make their own decisions about how much to take seriously. The majority has the character of a practicable plan but there are other parts, such as prognostications about the future that take us right the way to the collapse of the bolos in 2346, that should probably be read differently.

The creatively stimulating provocation that utopian thought has represented in recent history has, of late, given way to absolute urgency. By almost everybody’s account, things simply do not work and cannot remain the same. Taken in the spirit in which it was written (i.e. beginning from where we are, 2013 not 1983), Bolo’Bolo has the potential to provide a fertile contribution to the vital reinvention of our communities.
Classic book: Bolo’Bolo

Ressalva

a praça é do povo
com exceção do palanque
e do microfone

Cairo Trindade

contranarciso



em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

paulo leminski

9 de novembro de 2013

Baderna




A:Como você começou a coleção Baderna?


R:A Conrad tem como principal fonte de renda quadrinhos e mangá. E por causa desse negócio de quadrinhos, acabei precisando viajar muito para as feiras de livros, para contratar novos títulos. E em cada lugar que ia, aproveitava para procurar as editoras alternativas. Ia para Nova York, visitava a Autono Media. Ia para São Francisco, aproveitava para passar na Equipress, que é a principal editora da costa oeste americana para esse tipo de livro. E essa situação dupla, de ser ao mesmo tempo um empresário no mercado editorial e um aficcionado por estes textos, me levou a situações engraçadas. Um dia estou lá na Equipress, saindo de uma feira de livro com terno e gravata, e uma menina falou: “Mas você é de qual coletivo?”, e eu respondi: “Eu sou proprietário de um coletivo”...Em diversos aspectos, a Conrad não é nada de novo. Eu fui formado por aquele período do final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, do Pasquim, do Versus, que, se você pensar, eram publicações que misturavam política, pop e quadrinhos. É esse o fio da Conrad, ela é basicamente herdeira desse universo. E a gente tem o privilégio de poder ser os próprios mecenas. Vendemos Pokemon, e isso possibilita que possamos publicar o Hakim Bey. A coleção Baderna começou em 2001, e já publicamos desde os Situacionistas, Provos, Krisis e Critical Art Essemble até o Paulo Arantes e um livro sobre a resistência anti-globalização brasileira, Estamos vencendo!, de André Ryoki e Pablo Ortellado.


A:E como foi o contato com o Hakim Bey? Vocês assinaram algum contrato?


R:Imagina. A gente o publicou e, a rigor, não tem contrato de direitos autorais. O que fizemos foi um acordo com ele, e ele ajudou na tradução e tudo. Se quiséssemos ter pirateado, não haveria problemas. Ele não estaria nos processando nem nada, não está preocupado com isso. Porque a idéia para ele é o mais importante. Inclusive, se vai sair com o nome dele ou de outra pessoa, é o menos importante. Trabalhando em editora, você vê várias pessoas que são contra a propriedade privada, e a relação que elas têm com essa história de direito autoral é inteiramente maluca. Querem adiantamentos irracionais, ficam cobrando relatórios, achando que estão sendo lesados. É muito estranho. Mas o Hakim Bey não, ele sempre foi coerente e generoso nesse sentido.


A:Um amigo diz que sempre que achou que não havia nada interessante acontecendo no mundo, descobriu que era ele que estava no lugar errado. É o que me parece que ocorre com a coleção Baderna. Há muita coisa acontecendo que certamente é ressonância dos textos publicados na coleção, e que as pessoas acham que são simples fatos isolados.


R:É verdade. Existe um ceticismo confortável que domina boa parte da sociedade hoje. A idéia de que não tem nada acontecendo, que os jovens são despolitizados. A velha conversa mole. E então de repente surge um levante comoo de Seattle, e as pessoas se surpreendem. Se você pensar, por que não estaria acontecendo nada? Por causa da decepção dessas pessoas com as suas próprias escolhas políticas? Existe uma renovação que é perturbadora para elas.


A:Elas preferem nem olhar, para não ver que o que perdeu sentido é a postura delas, e não o mundo...


R:E é o oposto. Se você não é capaz de renunciar às suas conquistas, você não merece suas vitórias. É necessário sempre se colocar em xeque, queimar os navios. É isso que mantém vivo. Meu pensamento sobre a coleção Baderna é o seguinte: se tudo andar bem, vou ficar rico com ela. Agora, se tudo der certo, não vai ser mais necessário dinheiro... É muito gozado, porque as pessoas falam que a Baderna é a novíssima esquerda, e se você olhar com calma, o que estes autores estão fazendo é retomar os temas da esquerda anterior à vitória do stalinismo, do leninismo. As questões presentes no debate na década de 10 do século passado, liberdade sexual, autonomia. Os lemas: “Nem pátria, nem patrão”. Quem mudou não foram os autores da Baderna, foi a esquerda institucionalizada que, hoje em dia, fica lutando para ter empregos, para ter patrão.


A:Mas sempre existiu esse conflito entre uma esquerda mais libertária, os anarquistas, os socialistas utópicos, e uma esquerda mais institucional.


R:Sim. Os marxistas estavam comprometidos com um projeto positivista, com a idéia de progresso, portanto se contrapunham radicalmente aos anarquistas. Este positivismo é uma questão muito complexa dentro do pensamento de esquerda. Você vai achar em quase todos os grandes nomes dela um encantamento com a idéia de progresso. Ao mesmo tempo, existe um olhar engessado em relação a esses nomes, porque se tenta justificar a história pessoal deles a partir do que eram ao morrer. Existe uma tentativa de criar uma coerência em relação à trajetória deles que é muito negativa. As pessoas tentam entender o Lênin de 1921, e negligenciam os fatos que não justificam aquela imagem. Porque eles não estavam assim tão isolados, eram permeáveis à cultura da época, aos bares que freqüentavam, aos interlocutores outros. Não sei se Lênin esteve ou não no Cabaret Voltaire. Mas passou perto. John Reed, por exemplo. Foi um fundador do Partido Comunista, acreditava piamente na revolução, mas era um libertário total. Para os padrões do Partido Comunista de 1960, de Brejnev, ele seria um anarquista. Um comunista, de jeito nenhum. E é essa corrente dissidente que nós tentamos retomar na Baderna. Tanto que o nosso santo padroeiro é o Maurício Tragtenberg. O pensamento aberto de Maurício Tragtenberg.


A:Ao mesmo tempo, a Baderna é uma coleção bastante contemporânea, que está preocupada com os novos textos, e não com os clássicos...


R:A postura é a seguinte: temos que ajudar na circulação e desenvolvimento de novas idéias. As idéias dominantes não ajudaram nem vão ajudar a criar um mundo melhor. Pelo contrário, combatem as possibilidades de o mundo se tornar um lugar mais livre e justo. E não sabemos de que jeito conseguiremos melhorar o mundo, mas de uma forma ou de outra isso vai acontecer. Me interessa muito o que ainda não foi feito. Então, nosso compromisso é com a circulação destas novas idéias, que podem fomentar alternativas. E existe realmente uma resistência a isso. Eu recebi censuras até de anarquistas por ter publicado o Hakim Bey. E recebi também o maior elogio que acredito que uma editora possa receber. Foi de um integralista. Ele entrou numa livraria de anarquistas, aqui em São Paulo. Ele freqüentava lá, ficava enchendo o saco. E um dia falou para o livreiro: “Olha, respeito essas editoras que publicam Bakunin, Proudhon, Malatesta. Porque, afinal de contas, eles eram filósofos. E já são clássicos. Agora, essa Conrad, eu sei o que ela é. Essa Conrad é parte de uma conspiração anarco-GLS que quer destruir a família brasileira com Hakim Bey e Pokemon”.Ele captou bem a idéia... Anarco-GLS. Me gusta.


A:Essa resistência é a mesma que enfrentam as novas mídias?


R:É parecida. As pessoas se assustam com o perigo de extinção de algumas instituições. Da idéia de artista, das gravadoras, das grandes editoras. As pessoas ficam preocupadas se o download vai destruir as grandes gravadoras. Qual o problema? As pessoas vão parar de fazer música? Não. E certamente se criarão novos meios de distribuição, possivelmente melhores. O que pode acabar são os grandes sucessos, de tocar as mesmas dez músicas em todas as rádios ao mesmo tempo. Ainda bem. As pessoas ficam na defesa de algumas coisas que não têm muito porquê.


A:Temem perder o que nunca tiveram...


R:A indústria não tem favorecido o diálogo. Não tem gerado pluralidade. Pelo contrário, ela tem combatido a diversidade cultural. A estrutura toda é excludente, vai botando para fora o que lhe é estranho. Não permite acesso a várias coisas que as pessoas possivelmente gostariam. Não é um placebo, é veneno mesmo. As editoras também. Não precisamos de best-sellers, de livros que vendem milhões de exemplares. Esses livros normalmente não formam leitores, e qual a real contribuição que trazem? Nós precisamos de maior diversidade de títulos, e da formação de um público leitor para essa diversidade. Então, se as grandes gravadoras, as grandes editoras caírem, o que nós realmente perdemos com isso?

Rogério Campos

Feitiçaria



O UNIVERSO QUER BRINCAR. Aqueles que por ganância espiritual se recusam a jogar & escolhem a pura contemplação negligenciam sua humanidade – aqueles que evitam a brincadeira por causa de uma angústia tola, aqueles que hesitam, desperdiçam sua oportunidade de divindade – aqueles que fabricam para si máscaras cegas de Idéias & vagam por aí à procura de uma prova para sua própria solidez acabam vendo o mundo pelos olhos de um morto.

Feitiçaria: o cultivo sistemático de uma consciência aprimorada ou de uma percepção incomum & sua aplicação no mundo das ações & objetos a fim de se conseguir os resultados desejados.

O aumento da amplitude da percepção gradualmente bane os falsos eus, nossos fantasmas cacofônicos – a “magia negra” da inveja & da vingança volta-se contra o autor porque o Desejo não pode ser forçado. Quando o nosso conhecimento do belo harmoniza-se com o ludus naturae, a feitiçaria começa.

Não, não se trata de entortar colheres ou fazer horóscopos, não é a “Aurora Dourada” nem um pseudo-xamanismo, projeção astral ou uma Missa Satânica – se você quer mistificação, procure as coisas reais, bancos, política, ciência social – não esta baboseira barata da Madame Blavatsky.

A feitiçaria funciona criando ao redor de si um espaço físico/psíquico ou aberturas para um espaço de expressão sem barreiras – a metamorfose do lugar cotidiano em esfera angelical. Isso envolve a manipulação de símbolos (que também são coisas) & de pessoas (que também são simbólicas) – os arquétipos fornecem um vocabulário para este processo &, portanto, são tratados ao mesmo tempo como reais & irreais, como as palavras. Ioga da Imagem.

O feiticeiro é um Autentico Realista: o mundo é real – mas a consciência também o deve ser, já que seus efeitos são tangíveis. Um obtuso acha que até mesmo o vinho não tem gosto, mas o feiticeiro pode se embriagar simplesmente olhando para a água. A qualidade da percepção define o mundo do inebriamento – mas, sustentá-lo e expandi-lo, para incluir os outros, exige um certo tipo de atividade – feitiçaria.

A feitiçaria não infringe nenhuma lei da natureza porque não existe nenhuma Lei Natural, apenas a espontaneidade da natura naturans, o Tao. A feitiçaria viola as leis que procuram deter seu fluxo – padres, reis, hierofantes, místicos, cientistas & vendedores consideram a feitiçaria uma inimiga porque ela representa uma ameaça ao poder de suas charadas & à resistência de sua teia ilusória.

Um poema pode agir como um feitiço & vice-versa – mas a feitiçaria recusa-se a ser uma metáfora para uma mera literatura – ela insiste que os símbolos devem provocar incidentes assim como epifanias particulares. Não é uma crítica, mas um refazer. Ela rejeita toda escatologia & metafísica da remoção, tudo que é apenas nostalgia turva & futurismo histérico, em favor de um paroxismo ou captura da presença.

Incenso & cristal, adaga & espada, cetro, túnicas, rum, charutos, velas, ervas como sonhos secos – o garoto virgem com o olhar fixo num pote de tinta – vinho & haxixe, carne, iantras & gestos – rituais de prazer, o jardim de houris & sakis – o feiticeiro sobe por estas serpentes & escadas até o momento totalmente saturado por sua própria cor, em que montanhas são montanhas & árvores são árvores, em que o corpo torna-se eternidade & o amado torna-se vastidão.

As táticas do anarquismo ontológico estão enraizadas nesta Arte secreta – os objetivos do anarquismo ontológico aparecem no seu florescimento. O Caos enfeitiça seus inimigos & recompensa seus devotos... este estranho panfleto amarelado, pseudonímico & manchado de pó revela tudo... passe-o adiante por um segundo de eternidade.

Hakim Bay

8 de novembro de 2013

Justiça Global repudia endurecimento penal para calar protestos


Justiça Global repudia endurecimento penal para calar protestos

- Governo federal cria grupo integrando de serviço de inteligência e de policias para perseguir manifestantes

Foto: Luiz Baltar

No dia 31 de outubro de 2013, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reuniu-se com os Secretários de Segurança Pública do Rio de Janeiro e de São Paulo, para debater a violência em manifestações. A despeito dos diversos relatos e denúncias sobre os abusos e violências das forças de segurança pública em ambos os estados, o governo federal esta propondo um novo endurecimento punitivo no tratamento dos manifestantes. Esta reunião teve como resultado a criação de diversas medidas preocupantes, que apontam um novo recrudescimento da violência policial para conter a ação dos manifestantes, situação que há muito já é vivenciada por comunidades pobres de todo pais. Destacamos que a intervenção do governo federal não teve como nenhum de seus objetivos uma tentativa de diminuição da repressão policial aos manifestantes ou que visasse a proteção do direito à livre manifestação, que vem sendo violentamente desrespeitado.

Dentre as iniciativas, destacamos: (i) aprofundamento e unificação da conduta entre policiais; (ii) protocolo de ajuste entre as polícias; (iii) proposta de modernização e padronização de interpretações de leis; (iv) criação de grupos operacionais com membros do Ministério Público e delegados para diferenciar movimentos sociais e vândalos – que vem se mostrando como distinção que só é utilizada com intuito de impedir a permanência dos manifestantes protestando; (v) cooperação das inteligências das policias civil e militar e da Abin; (vi) Possibilidade da polícia federal passar a investigar; (vii) recrudescimento das leis penais dos tipos que vem sendo utilizados para criminalizar os manifestantes.

Tais medidas apontam para um evidente desrespeito a normas internas e internacionais de direitos humanos. As alterações legislativas que vêm sendo propostas prevem detenções e prisões ilegais por tempo maior, principalmente com a proposta de transformar em agravante condutas contra policiais, equiparando estes à crimes contra vulneráveis como crianças e idosos. Tal intencionalidade fica clara com a fala de José Mariano Beltrame, que afirmou “o policial precisa ter a garantia de que, quando apresenta alguém, aquilo efetivamente terminará em ação penal”, ignorando as diversas detenções ilegais que estes vêm realizando. Ainda deve ser ressaltado a articulação desta reunião com a própria Secretaria Extraordinária para Segurança Pública em Megaeventos, apontando que o intuito de tais medidas é garantir a norma de exceção e silenciamento da população frente as arbitrariedades que vem sendo cometidas na preparação da cidade para os Megaeventos.

O Ministério da Justiça ainda anunciou que criará um grupo integrado para “investigar” as manifestações populares que tomaram o país. Unindo o Governo Federal e os de São Paulo e Rio de Janeiro, o Estado brasileiro mostra estar disposto a rapidamente federalizar investigações quando se trata de criminalizar os movimentos sociais, mas lento quando é para apurar graves violações de direitos humanos. Quando o Estado fala que a tarefa do grupo será investigar abusos nos protestos, não quis dizer abusos da polícia. Estes continuam e, parece, continuarão sem nenhum tipo de resposta efetiva por parte do Estado, já que, segundo Mariano Beltrame, filmagens que mostrem abusos por parte da polícia, como os diversos casos de flagrante forjado, não são suficientes para se tomar nenhuma atitude definitiva. Por outro lado, uma mera postagem nas redes sociais levou à apreensão de computadores e pertences pessoais e à incriminação por apologia ao crime.

O governo federal e os governos estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo têm ignorado solenemente uma das principais bandeiras ecoadas nas ruas desde junho: a desmilitarização da polícia brasileira, considerada uma das mais violentas do mundo. Além de se negarem a ouvir, caminham na direção contrária dos anseios da população, lançando mão de medidas arbitrárias que mais se assemelham aos atos institucionais usados nos períodos de exceção da história do nosso pais.

Black blocs - "eles querem ser escutados"


retirado do Brasil de Fato

Black blocs, o alvo é a Copa


“Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados”, diz Esther Solano, professora da Unifesp, que entrevista os adeptos da tática desde as manifestações de junho

06/11/2013

Paulo Hebmüller
de São Paulo


Jovens na casa dos 20 anos, com emprego e acesso ao ensino superior, embora ambos de qualidade discutível; submetidos à precariedade dos serviços públicos do Estado em áreas como saúde, transporte e educação; defensores de uma visão de mundo na qual atacar símbolos do capitalismo não pode ser considerado um ato violento, pois a verdadeira violência contra a população é praticadapelo sistema político e corporativo – dados como esses compõem o perfil dos black blocs de São Paulo, na visão da pesquisadora Esther Solano Gallego.

“Eles querem ser escutados, mas por alguém que tenha um olhar um pouco mais imparcial e se disponha a realmente entendê- los”, diz a professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esther vai às ruas desde junho – primeiro como manifestante; depois, com o colega Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, passou a conversar com diferentes grupos para procurar entender suas motivações.

A pesquisa acabou centrada na dinâmica entre os policiais, a cargo de Alcadipani, e os adeptos da tática black bloc. É ao lado deles que a professora fica nas manifestações. O objetivo do trabalho, de acordo com Esther, não é emitir julgamentos ou defender qualquer dos lados, mas sim tentar entender um fenômeno social que cabe aos pesquisadores conhecer.

Uma das questões que agora ocupam a pesquisadora tem a ver com a criação de uma força-tarefa, unindo Ministério Público e as polícias Civil e Militar, anunciada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo no início de outubro.O secretário Fernando Grella Vieira defende o indiciamento dos black blocs por associação criminosa.

Na entrevista a seguir, a espanhola Esther Solano – que se doutorou em Ciências Sociais em meio à crise econômica em seu país e veio para o Brasil em 2011, diz que é difícil saber se as medidas levarão os jovens a radicalizar suas ações ou a retroceder por medo da prisão. Certo mesmo é que por enquanto os adeptos da tática permanecem nas ruas, e que seu objetivo é chamar a atenção do mundo – literalmente – na Copa de 2014, cuja abertura coincidirá com o primeiro aniversário das grandes manifestações de junho.

Brasil de Fato – Com quantos jovens que utilizam a tática Black Bloc você já conversou?
Esther Solano Gallego – Mais ou menos 30. Comecei a falar com eles porque me parece muito importante entender o que está acontecendo, e a única forma de entender é sair para a rua e conversar com eles, o que para mim, por paradoxal que pareça, é muito fácil. Esses jovens não consideram os meios de comunicação de massa seus interlocutores. Mas, quando eu me apresentei como professora e pesquisadora, me aceitaram muito bem.

Qual o perfil que você já identificou neles?

É bem heterogêneo. Temos que diferenciar: há aqueles que sabem realmente o que significa a tática black bloc, leem e sabem articular um discurso mais ou menos politizado, e que são a grande maioria dos que entrevistei. Mas claro que há alguns que simplesmente aproveitam o momento de caos para cobrir o rosto. Tenho tentado conversar com eles também, porque acho que estão representando sua própria forma de violência. Mas são a minoria na minha pesquisa, e essas conversas não têm dado muitos frutos.

Em relação ao primeiro grupo, são jovens que têm um projeto político, que quando saem para a rua para quebrar um banco entendem que esse gesto tem um significado. Os mais novos têm 17 anos, mas em geral a idade vai de 20 a 24 anos; a grande maioria trabalha, muitos estudam. Há alguns formados, a maioria em universidade particular, mas há também gente de universidades públicas como a USP. A maioria é de classe média baixa. São usuários do transporte público, do SUS, da escola pública, mas a maioria não vem daquela periferia mais pobre e excluída.

Eles fazem parte do que vários estudiosos têm chamado de um subproletariado que vem crescendo muito nos últimos anos no Brasil?

A maioria, sim. São jovens que trabalham há pouco tempo, mas já conhecem bem a precariedade do Estado. Friso novamente que a maior parte não é daquela periferia que praticamente não tem acesso às manifestações.

Que tipo de leitura e formação política têm esses jovens com quem você conversa?

Tem de tudo. Alguns leram bastante os anarquistas e articulam bem essa linguagem. Outros não leramtanto, mas têm uma visão política bem articulada. São basicamente duas coisas: a grande maioria possui uma visão política mesmo – talvez não a da academia –, e enxerga bem o que quer fazer. Vale a pena reiterar que a maior parte dos jovens que entrevistei tem um pensamento definido como base de suas ações, o que não impede que, em momentos de manifestações maiores, apareçam indivíduos com muito menos articulação ou que simplesmente se aproveitam do momento.

Há alguma conexão com a origem dos black blocs na Alemanha do final da década de 1980 e com os chamados movimentos antiglobalização dos anos de 1990?
A maioria dos que entrevistei não pensava no que era o black bloc antes das manifestações. Muitos falam que começaram a pensar nisso depois daquele protesto do dia 13 de junho (no Centro de São Paulo), quando a Polícia Militar, como eles dizem, “chegou batendo”. Alguns já tinham lido alguma coisa, mas a grande maioria se envolveu pela ação e reação do momento.

Como você analisa a acusação de que eles são fascistas e estão a serviço de outra causa que não é a intenção original das manifestações?

Acho que aí existem duas coisas. Primeiro, que a esquerda mais institucionalizada, mais partidária, talvez se sinta muito afastada do que aconteceu. Minha percepção é de que há um certo ressentimento com isso, porque ninguém contou com os partidos de esquerda, com os sindicatos ou com os movimentos tradicionais para ir à rua. Outro aspecto é que, em todas as conversas que tive com eles, não percebi nenhuma indicação de que sejam manipulados ou de que respondam a outro grupo. Creio que a motivação é a indignação própria, e que eles têm um grau de autonomia suficiente para não ser movidos por outro grupo.

O anticapitalismo é o discurso mais forte?

Uma jovem me deu uma ótima explicação: em São Paulo a ação começou com o discurso black bloc internacional, de anticapitalismo e ataque aos símbolos do capital, mas depois foi se apropriando do discurso das manifestações brasileiras. Ou seja, talvez não tanto contra o capital, mas incorporando as bandeiras e as reivindicações dos protestos: mudanças e melhoria do sistema político de forma geral. O anarquismo é a inspiração, mas, durante as conversas, aparecem muito mais a precariedade do Estado brasileiro e a violência institucional do que as ideias anarquistas como motivações de sua presença nas ruas.

Eles também se colocam como a linha de frente contra a polícia, não é?

Eles dizem que nunca convocam as manifestações, e que vão à rua para proteger os manifestantes. São duas ações: uma que eles chamam de proteção – a linha de frente –, e outra, de ação direta. Essa é a forte agora: chamar a atenção, “dar um grito”, utilizando a violência como forma de expressar a indignação. Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados.

Os black blocs de São Paulo já podem ser considerados um grupo?

Eles sempre falam que o black bloc não é um grupo, mas uma tática. No final das contas, não são muitos os que saem na rua. Acho que no Rio de Janeiro o movimento é maior. Em São Paulo, não são tantos assim, e acabam sendo as mesmas pessoas que a polícia já levou para a delegacia, já identificou etc. Há também outros que vão aparecendo, que simplesmente cobrem o rosto, e aí você perde a noção de quem é quem. As novas medidas da Segurança Pública em São Paulo podem representar um ponto de virada. Quase todos os black blocs, digamos, mais frequentes já foram para a delegacia. Os policiais também muitas vezes são os mesmos. Então já pedem a documentação, revistam as mochilas etc. Imagino que a polícia saiba quem é a maior parte deles.

Eles têm receio de ser presos e processados, agora que o Estado anunciou o endurecimento da reação?

Sem dúvida. Os que já têm uma passagem por delegacia receiam ser presos novamente e considerados reincidentes. Agora podem ser enquadrados até por formação de quadrilha. Processar por associação criminosa me parece excessivo, embora deva dizer que não tenho grande conhecimento do Direito em geral e do brasileiro em particular. Mas a questão é que os delegados passam a ter legitimado pelo Estado o poder de fazer esse enquadramento. O Estado, no seu papel de protetor da propriedade pública e privada, está se valendo de seu aparato policial e jurídico para propor o endurecimento das penas.

Você já teve algum problema nas manifestações?
Nunca. Comigo os jovens são muito respeitosos, e a polícia também. Isso também pode parecer paradoxal em razão das cenas de violência nas manifestações, mas o fato é que minha experiência destes meses nas ruas é esta, tanto com os policiais como com os Black blocs. Mas claro que fico com um pouco de medo quando começam a aparecer pedras e bombas.

O que eles acham de ser chamados de vândalos ou baderneiros?

Eles são absolutamente contra essa dicotomia criada entre o “bom manifestante” e o “ruim”, categorias que a imprensa coloca para tentar defini-los. Eles dizem que o que fazem não é violência, é performance – é um tipo de espetáculo, em que querem atingir símbolos para chamar a atenção. O discurso é de que a verdadeira violência é a de um sistema político que não dá respostas para a população e que mantém, por exemplo, índices altíssimos de homicídios e de mortes no trânsito. Para eles, a violência é a do sistema, e o que fazem é chamar a atenção para essa violência política e corporativa.

Críticos ao redor do mundo dizem que essa tática sequer arranha o capitalismo.

É. Inclusive há todas aquelas incoerêcias do tipo quebrar um banco, mas usar iPhone. Isso é parte do paradoxo humano. Claro que eles sabem que o dono do banco não está nem aí quando depredam uma agência – mas que conseguem chamar a atenção sobre as coisas que para eles estão equivocadas, tanto no governo quanto na ordem econômica, isso conseguem, até porque de fato a espetacularização dos acontecimentos por parte da imprensa é evidente. Agora, a partir da constatação de que as ruas estão ficando esvaziadas, já presenciei diálogos entre eles sobre se a população está entendendo ou não o que eles tentam fazer.

Você esteve na manifestação do dia 25 de outubro (quando o coronel da PM Reynaldo Simões Rossi foi agredido)?

Não, mas depois conversei com algumas pessoas que foram. O fato é que o Movimento Passe Livre (MPL) tem muita capacidade convocatória, então conseguiu juntar bastante gente que utiliza a tática black bloc. Como já disse, é um movimento muito heterogêneo, e entre eles há quem acredite numa violência mais focada e mais simbólica, e outros que acreditam numa violência mais pesada; os que são mais articulados e os menos, como aliás em todo grupo social. Quando você junta tantas pessoas, num estado de emoções à flor de pele – o componente emocional é muito importante –, com grandes tensões com a polícia, era claro que ia acontecer o que aconteceu. À noite é quando a tensão aumenta e todo mundo vai perdendo a paciência. É sempre o pior momento das manifestações.

Você conhece os rapazes que foram presos?

Os que eu conheço não foram presos. Sei que houve prisão de gente do MPL, anarcopunks etc. Ou seja, foi uma manifestação bem heterogênea. Não dá para falar que só havia black blocs.

Você acha que, a partir do episódio do espancamento do coronel, a PM e a Justiça vão endurecer definitivamente as ações contra os black blocs?
Claramente as políticas vão endurecer. O governador Alckmin já falou da necessidade de penas mais rígidas para quem agride policiais. O espancamento do coronel Reynaldo vai esquentar muito os ânimos. Foi uma agressão filmada, transmitida em todos os meios de comunicação, e espetacularizada, de um PM de alta patente. Depois houve a resposta da presidenta Dilma oferecendo ajuda à PM de São Paulo. É claro que isso vai trazer como consequência uma série de respostas institucionais, radicalizando o discurso, tanto em nível policial como jurídico. O problema será entrar numa dinâmica de ação-reação violenta na qual as posturas dos dois lados endureçam.

O black bloc veio para ficar?

Pelo menos por enquanto, sim. Mas, a partir dessas medidas do governo, será que eles vão se radicalizar? Ou vão retroceder com medo de ser presos? Não sei. De qualquer maneira, a Copa está aí e o foco deles é fazer um espetáculo nela para chamar a atenção de todo o mundo – de todo o mundo mesmo! Pode até acontecer de a ação policial ser muito dura e conseguir esvaziar o movimento. Afinal, eles são jovens de vinte e poucos anos, e é possível que fiquem com medo de ser presos. Mas a ideia é estar na Copa.

E logo depois tem a eleição...

A espiral da violência vem aumentando. Estou preocupada com o que possa vir a acontecer no ano que vem.

Foto: Marcelo Camargo/ABr