A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

29 de dezembro de 2010

"Sonho que se sonha só"

Sem Título



Paulo Leminski

Publicado originalmente na revista “invenção” 4 dez 1964,
reproduzida no livro (1980).

Ode à imbecilidade

Se algum dia rolarem 
lágrimas rubras de sangue
da rutila carne de teus olhos

E as pálpebras serrarem
como ameias da muralha
que guarnecem seus desejos vis

Não te percas no labirinto
pois não há escolhas certas

Faça dele uma reta
tão simples quanto certa
e de fronte ao fogo
persiga a miragem
que de ti se esconde

Mas se sem fim pareça
se de volta esteja
ao ponto da incerteza
ponha a máscara
do homem decido

O mundo lhe abraçará

Tomás Mais


Y Vienen los Imbeciles
Acrílico em tela

Proclamation Without Pretension

Estou aqui para complicar, não para esclarecer.


Proclamation Without Pretension

Art is going to sleep for a new world to be born
"ART"-parrot word-replaced by DADA,
PLESIOSAURUS, or handkerchief

The talent THAT CAN BE LEARNED makes the
poet a druggist TODAY the criticism
of balances no longer challenges with resemblances

Hypertrophic painters hyperaes-
theticized and hypnotized by the hyacinths
of the hypocritical-looking muezzins

Estou aqui para complicar, não para esclarecer.


CONSOLIDATE THE HARVEST OF EX-
ACT CALCULATIONS

Hypodrome of immortal guarantees: there is
no such thing as importance there is no transparence
or appearance

MUSICIANS SMASH YOUR INSTRUMENTS
BLIND MEN take the stage

THE SYRINGE is only for my understanding. I write because it is
natural exactly the way I piss the way I'm sick

ART NEEDS AN OPERATION

Art is a PRETENSION warmed by the
TIMIDITY of the urinary basin, the hysteria born
in THE STUDIO

We are in search of
the force that is direct pure sober
UNIQUE we are in search of NOTHING
we affirm the VITALITY of every IN-
STANT

the anti-philosophy of spontaneous acrobatics

At this moment I hate the man who whispers
before the intermission-eau de cologne-
sour theatre. THE JOYOUS WIND

If each man says the opposite it is because he is
right

Get ready for the action of the geyser of our blood
-submarine formation of transchromatic aero-
planes, cellular metals numbered in
the flight of images

above the rules of the
and its control

BEAUTIFUL

It is not for the sawed-off imps
who still worship their navel

Tristan Tzara

A natureza esta certa!

28 de dezembro de 2010

Maggie's Farm

I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more
No, I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more
Well, I wake in the morning
Fold my hands and pray for rain
I got a head full of ideas
That are drivin’ me insane
It’s a shame the way she makes me scrub the floor
I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more

I ain’t gonna work for Maggie’s brother no more
No, I ain’t gonna work for Maggie’s brother no more
Well, he hands you a nickel
He hands you a dime
He asks you with a grin
If you’re havin’ a good time
Then he fines you every time you slam the door
I ain’t gonna work for Maggie’s brother no more

I ain’t gonna work for Maggie’s pa no more
No, I ain’t gonna work for Maggie’s pa no more
Well, he puts his cigar
Out in your face just for kicks
His bedroom window
It is made out of bricks
The National Guard stands around his door
Ah, I ain’t gonna work for Maggie’s pa no more

I ain’t gonna work for Maggie’s ma no more
No, I ain’t gonna work for Maggie’s ma no more
Well, she talks to all the servants
About man and God and law
Everybody says
She’s the brains behind pa
She’s sixty-eight, but she says she’s twenty-four
I ain’t gonna work for Maggie’s ma no more

I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more
No, I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more
Well, I try my best
To be just like I am
But everybody wants you
To be just like them
They sing while you slave and I just get bored
I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more

Bob Dylan

The Return of the Sith



I say again that, because we don't expect to overthrow governments, abolish world capitalism, make civilization vanish, turn everyone in the world into walking buddhas, or cure all social and economic ills, we don't have to wait for anything. If ten people walk beyound civilization and build a new sort of life for themselves, then those ten are already living in the next paradigm, from the first day. They don't need the support of an organization. They don't need to belong to a party or a movement. They don't need new laws to be passed. They don't need permits. They don't need a constitution. They don't need tax-exempt status. For those ten, the revolution will already have succeeded. They probably should be prepared, however, for the outrage of their neighbors.


Daniel Quinn
Beyond Civilization (1999)

Civil Disobedience

How can a man be satisfied to entertain an opinion merely, and enjoy it? Is there any enjoyment in it, if his opinion is that he is aggrieved? If you are cheated out of a single dollar by your neighbor, you do not rest satisfied with knowing that you are cheated, or with saying that you are cheated, or even with petitioning him to pay you your due; but you take effectual steps at once to obtain the full amount, and see that you are never cheated again. Action from principle — the perception and the performance of right — changes things and relations; it is essentially revolutionary, and does not consist wholly with anything which was. It not only divides states and churches, it divides families; ay, it divides the individual, separating the diabolical in him from the divine.



Thoreau's Civil Disobedience, 1849






O Batuque

Vagas constelações de pirilampos
Ponteiam de oiro a densa noite escura.
Há um trágico silêncio na espessura
Dos matagais e na amplidão dos campos.

O batuque dos negros apavora.
Anda o saci nas moitas, vagabundo,
E almas penadas, almas do outro mundo,
Passam gemendo pela noite em fora.

Só, no ranchinho de sapé coberto,
Encosto o ouvido à taipa esburacada,
E ouço um curiango que soluça, perto...

Lambe a fogueira os últimos gravetos,
E pela noite rola, magoada,
A cantiga nostálgica dos pretos.




Joham Baptist Spix e Karl Friedrich Philipp von Martius * O Batuque em São Paulo * 1817

Ideologia e Utopia

[Nosso] estado de espírito é utópico porque, no pensamento e na prática, se orienta para objetos que não existem na situação real. Mas também porque transcende a realidade e, ao informar a conduta humana, tende a destruir, parcial ou totalmente, a ordem das coisas predominante no momento.
Karl Mannheim, 1958
Ideologia e Utopia

27 de dezembro de 2010

A caverna


Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Battre

Inversão de perspectiva

Um dia o senhor Keuner foi perguntado sobre o que ele queria dizer com 'inversão de perspectiva', e ele contou a seguinte história. Dois irmãos muito apegados um ao outro tinham uma mania curiosa. Marcavam com uma pedra os acontecimentos do dia, uma pedra branca para os momentos felizes, uma pedra preta para os instantes de infelicidade e desprazer. À noite, quando comparavam o conteúdo do jarro em que eles colocavam as pedras no final de cada dia, perceberam que um deles só continha pedras brancas, e o outro só continha pedras pretas. Intrigados por essa constância cm que vivam o mesmo destino de modo totalmente diferente, combinaram aconselhar-se com um homem famoso pela sabedora de suas palavras. 'Vocês não fala o bastante um com o outro', disse o sábio. 'Que cada um apresente os motivos da sua escolha e explique-os para o outro'. Assim fizeram desde então. Logo verificavam que o primeiro permanecia fiel às pedras brancas e o segundo às pedras pretas, mas em cada jarro havia diminuído o número de pedras. Em vez de trinta, só havia agora sete ou oito. Pouco tempo tinha se passado quando o sábio recebeu nova visita dos dois irmãos. Traziam no rosto os sinais de uma grande tristeza. 'Não faz muito tempo, disse um deles, o meu jarro ficava cheio de pedras de cor-da-noite, o desespero habitava-me permanentemente, confesso que estava reduzido a viver por inércia. Agora, raramente coloco lá mais que oito pedras, mas aquilo que representam esses oito sinais de miséria é tão intolerável para mim que já não posso viver em semelhante estado'. E o outro: 'Quanto a mim, todos os dias amontoava pedras brancas. Agora só conto sete ou oito , mas essas me fascinam tanto que não posso evocar esses instantes felizes sem que deseje imediatamente revivê-los com mais intensidade e, para dizer a verdade, eternamente. Esse desejo me atormenta'. O sábio sorria ao escutá-los. 'Excelente, excelente. Tudo está correndo bem. Continuem. Só mais uma palavra. Havendo oportunidade, perguntem-se: por que motivo nos apaixona tanto o jogo do jarro e das pedras?' Quando os dois irmãos encontraram de novo o sábio foi para declarar: 'Pensamos no assunto, mas não obtivemos resposta. Então perguntamos à aldeia inteira. E veja o alvoroço que causou. À noite, sentadas do lado de fora das casas, famílias inteiras discutem a respeito das pedras brancas e das pedras pretas. Só os chefes e os poderosos se mantêm afastados. Preta ou branca, uma pedra é uma pedra e todas valem o mesmo, dizem eles troçando'. O velho não escondia o contentamento. 'O caso segue o curso previsto. Não se preocupem. Não tardará que a questão deixe de se pôr. Ela se tornou desprovida de importância e chegará o dia em que duvidareis de que algum dias as tenhais levantado'. Pouco depois, as previsões do velho foram confirmadas do seguinte modo. Uma grande alegria tinha se apoderado das pessoas da aldeia. Na madrugada de uma noite agitada, o sol iluminou, empaladas e separadas do corpo, as cabeças recentemente cortadas dos poderosos e dos chefes.

Raoul Vaneigem,
A arte de viver para as novas gerações.

Manifesto of the Phantom Tree Planters

Planting trees opens our hearts to Nature's wisdom. Nurturing them gives exposure to life's vulnerability and teaches how to build ecological and human community.

We plant trees not for ourselves, but for those who will follow. Life gives unto life, and by dancing to its rhythms we can enjoy with clear conscience what has been handed down from the past.

Many people have never planted a tree because they think they do not own land This is mistaken. We are all children of the Earth. We share equally in the valleys, hills, rivers and seas. Let us no longer be deceived otherwise!

Phantom Treeplanters have no formal organisation, no joining fee, and only the Earth holds its membership list throughout time. To belong, simply plant a tree without expectation of material gain, help care for existing ones, or hold in your heart what they mean.

With due sensitivity, plant trees on any land and in any place where they have a chance of surviving. Do not be put off by feeling you always have to get permission. Nature sows without asking. You are part of nature. Reconstituting the world is a duty and a right which extends beyond legal concepts of land ownership.

You can buy suitable native species from nurseries. But better still, root a length of willow in a bottle or collect and sow seed from original local sources. Is it too long to wait for an acorn to grow? Maybe you do not need to live so fast that only instant results satisfy. Try starting some trees in a deep pot on the window ledge or dig up a stretch of lawn. Never mind if you cannot foresee where to transplant the seedlings. Grow them first. Life will work out the rest. when the time is right.

Do not worry too much about losses. Accept these as part of the process. Take heart that other treeplanters are also at work. What matters is not individual success or failure, but the overall process we share in.

Planting trees is about making love with the Earth. Phantom planting recreates wildness. So let us live and love wildly. Let us not be afraid to grow and change.

Let us celebrate - life itself.

An article from Do or Die Issue 5. In the paper edition, this article appears on page(s) 70.
http://www.eco-action.org/dod/index.html

23 de dezembro de 2010

Macacos e os Paradigmas







Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Carlos Drummond de Andrade

Samba de Classe Média



A cada primeiro sábado do mês, a quadra da escola de samba do morro Santa Marta, em Botafogo, tem sido lotada por um público novo - a maioria de cariocas que nunca estiveram na favela. O motivo é o evento "Morro de Alegria", promovido desde setembro por um bloco de carnaval da Zona Sul, o Spanta Neném.

De acordo com os organizadores, a última edição do evento teve os ingressos esgotados horas antes do início e atraiu cerca de mil pessoas.

Para Diogo Castelão, um dos dez integrantes do Spanta Neném, o sucesso de público na favela não seria possível sem a Unidade de Polícia Pacificadora (UPPs), implantada no morro Santa Marta há dois anos.

21 de dezembro de 2010

Oaxaca



November 10, 2006

The first question I´m usually asked these days is, "What made you decide to move from new Yorki City to Oaxaca, Mexico?"

This brings to mind some dialogue from the movie Casablanca:

Captain Louis Renault (Claude Rains):
- What in heaven´s name brought you to Casablanca?

Rick Blaine (Humphrey Bogart):
- My health. I came to Casablanca for the waters.

Captain:
- The waters? What waters? We´re in the desert!

Rick:
- I was misinformed.

My daughter, Emily, wife, Betty and I didn't move here July 2006, for the waters, but for a year-long sabbatical. What we didn't come for was an exploding political situation, but we got anyway.

Since may, the teachers of Oaxaca have been encamped in the town suqre (Zócalo). this striker has been an anual event for the last twenty-five years and usually lasted a couple weeksor until their demands for pay raises and funs for school were met. For the first time in the strike's history, the new governor, Ulises Ruíz Ortíz (URO), decided not to agree to their demands. Instead, on June 14th at 4:30 a.m, he sent in riot police in an attempt to forcibly expel them.

This attack completely backfired. Not only were the strikers not envicted, their demands and their numbers expanded. They were joined by a larger coalition of unions, the APPO (Asemblea popular de los Pueblos de Oaxaca) who declared the strike would not end unless governor Ulises stepped down.

Since then, tensions rose and fell with periodic police actions against strikers, but they didn't budge.

After more than 5 months of unrest, the xit hit the fan. On Friday October 27th the governor thugs attacked strikers, killing 3 teachers and an American journalist. this pressured Mexico's presidente into ordering federal troops into Oaxaca the next day.

The Policia Federal Preventiva (PFP), as the federal troops are called, attacked the strikers and took over the Zócalo. As of this writing the Zócalo is no longer an encampment of teachers, but has been replaced by an encampmet of military forces. The governor is refusing to leave office, even as pressure mounts from all sides, including from his party.

So our move has been everything we'd hoped for - barricades, mayhem and lots and lots of riot police, all trumped by every-thing else this adventure has to offer. Water or desert, Oaxaca remains a fantastic choice.

Peter Kuper

Primavera Nos Dentes

Quem tem consciência pra ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera

João Ricardo/João Apolinário

20 de dezembro de 2010

Para quando chegar a noite

Para quando chegar a noite

E a tristeza em toda parte

Para quando chegar a hora

E você já sem saber se é agora

Ou se foi apenas alarme falso

Para quando o cego a beira da estrada pedindo auxílio

E o poeta já sem palavras em seu delírio

Apenas cale

Para aqueles dias nublados

Cheios de nuvens e peso

Cheios de nada se arrastando

Para quando faltar o tom

Sobrar apenas som em vão

E você sem ir nem vir

Apenas entre no trem e veja pela janela estações ao acaso

Raimundo Beato

14 de dezembro de 2010

Exhaustion and Senile Utopia of the Coming European Insurrection

"Following the Greek crisis, the monetarist dogma has been strongly reinforced, as if more poison could act as an antidote.

(...)

In Paris, London, Barcelona, Rome, and Athens, massive demonstrations have erupted to protest the restrictive measures, but this movement is not going to stop the catastrophic aggression against social life, because the European Union is not a democracy, but a financial dictatorship whose politics are the result of unquestioned decision-making processes.

Peaceful demonstrations will not suffice to change the course of things and violent explosions will be too easily exploited by racists and criminals. A deep change in social perception and social lifestyle will compel a growing part of society to withdraw from the economic field, from the game of work and consumption. These people will abandon individual consumption to create new, enhanced forms of co-habitation, a village economy within the metropolis."

Franco Berardi Bifo

retirado de http://www.e-flux.com/journal/view/191

Balloon Girl

9 de dezembro de 2010

Metaformose *

Se meta foi
morfoussefoi
em fora foi
meta de dentro
meta de fora
afora fôra
metade onde?

nem dentro era
já não se era
se meta fosse
metamor fôra
amor se era
metamorfosse

se meta amor fosse
então
meter-se fosse
o metro nela
matar se era
morrer se nela
não rege
gera
regenegera
a fôrma forma
metamorforma

amor se fôra
morfosse fossa
na meta fora
me fosse fossa
em fossa sendo

me
ter
se fosse
me ser seria
mas já não era
metamorfoi

me ter amor
armar se fosse
a forma sendo

mestar me morfa
em nela sendo
a forma ao centro
nem dentro era
afora sendo
morfou-se ar
em vento fôra
em se se forma
formar se fora
em mar se firma

morfosear
em meta fora
já fora há
em meta forma?

metamorfoi

Salvador Passos

*título inspirado em Leminski

5 de dezembro de 2010

Descartes e o computador

Você pensa que pensa
ou sou eu quem pensa
que você pensa?

Você pensa o que eu penso
ou eu é que penso
o que você pensa?

Bem vamos deixar a questão em suspenso
enquanto você pensa se já pensa
e eu penso se ainda penso

José Paulo Paes

4 de dezembro de 2010

Ex isto


Ex Isto, mais novo trabalho de Cao Guimarães,o filme explora, de maneira bem livre e experimental o já experimental Catatau de Paulo Leminski.



O catatau de linguagens de Paulo Leminski

http://unisinos.br/blog/ihu/2009/06/26/o-catatau-de-linguagens-de-paulo-leminski/

Por André Dick

O “romance-ideia” Catatau, que ocupou nove anos da vida de Paulo Leminski, de 1966 a 1974, foi lançado primeiramente em 1975. Do trio Noigandres (Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos), lembrado na dedicatória, Leminski não chegou a ver nenhum texto escrito em vida. Incomodado com isso, escreveu ele em suas cartas a Régis Bonvicino em Envie meu dicionário (mantenho o corte poético que Leminski dava às suas frases): “não sei bem dizer se eles gostaram ou não / enfim, o que é gostar? / tenho certeza q para o paladar weberiano-joãogilbertesco / de Augusto / o Catatau deve ter parecido bagunçado demais / irregular demais / entrópico demais / / Augusto nunca foi muito claro comigo acerca do q ele achou do / Catatau produto final / o saque cartésio x trópico a anedota eu sei q ele adora / / décio se refere ao Catatau falando em ‘monolito’, ‘é uma boa’, / coisas assim / / haroldo, de haroldo nunca ouvi nem uma palavra”. Foi justamente Haroldo de Campos quem escreveu sobre Catatau no ano da morte do autor, no texto “Uma leminskíada barrocodélica”. Contudo, Leminski morreu antes de ele ser publicado. Décio, por sua vez, como coordenador da Fundação Cultural de Curitiba, abriu espaço para a pesquisa que terminaria na visão crítica e anotada de Catatau lançada pela Travessa dos Editores em 2004.

paulo-leminski-lotus
A expectativa de Leminski em relação à opinião dos poetas concretos caracterizou boa parte de sua trajetória. Catatau revela um encontro entre as ideias deles (mesmo que não possa ser entendido à luz do plano-piloto) e a Tropicália (Leminski, a princípio, dedicaria o livro a Caetano Veloso e a Gilberto Gil). Ou seja, o cartesianismo é visto como pano-de-fundo para um movimento de contracultura (embora seja difícil negar que haja nesta, como em qualquer transformação cultural, um pensamento pré-programado). Lembremos também que Caetano, em 1981, lançou a música “Outras palavras”, uma composição de influência joyciana e também leminskiana – já que o cantor e o poeta conviviam com frequência naquele período (mesmo que Caetano não o cite em nenhum momento em Verdade tropical). Essas influências mostravam os caminhos de Leminski, dividido entre e o erudito e o popular.
Catatau, ao mesmo tempo, e não há nada de novo nessa consideração, dialoga criticamente com obras experimentais, como Finnegans wake e Ulysses, de Joyce, Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e Galáxias, de Haroldo de Campos. Sem dúvida, as palavras-montagem e o clima onírico na obra de Leminski dialogam com as criações joycianas. Também há traços de Guimarães Rosa. Em comparação à obra máxima do escritor mineiro, no entanto, como respondeu Leminski numa entrevista à revista Quem (1978), Catatau tenta ir além, chegando aos limites da “ininteligibilidade” e avançando nos meandros do Finnegans wake, que, para o teórico francês Michel Butor, poderia ser lido a partir de qualquer página. Considerar a obra uma diluição ou uma glosa da de Haroldo de Campos já não parece tão verdadeiro. Não que Galáxias não tenha servido de forte inspiração para Leminski – serviu. Mas Catatau, embora não pareça, é um livro que apresenta, ao contrário da multiplicidade barroca de Haroldo, uma ideia (fantasiosa) básica: a de René Descartes (latinizado para Renatus Cartesius, como era de praxe na época) ter parado em terras brasileiras, mais exatamente na Recife holandesa de Maurício de Nassau, estando à espera do polaco Articewski, estrategista do exército da Companhia das Índias Ocidentais, para solucionar suas dúvidas, despertadas pela febre diante do universo tropical, de paisagens em forma de pesadelo, línguas e linguagens excessivas para seu racionalismo. À espera dele, Cartesius caminha pelo parque de Vrijburg, construído por Nassau em Recife.
Catatau parece apresentar uma ligação, por vezes alegórica, com passagens significativas da trajetória de Leminski, que era professor de história, com tendência a Borges. Foi numa aula de história que, en passant, Leminski teve a ideia de imaginar que, se Maurício de Nassau veio a Recife, Pernambuco, pode ter vindo junto, em sua comitiva, o filosófo René Descartes, que pertencia ao seu círculo. Isso nunca aconteceu. Ou seja, a história de Leminski é implausível do ponto de vista histórico. A ideia anotada durante a aula acabou virando um conto chamado Descartes com lentes, que Leminski enviou ao 1º Concurso de Contos do Paraná. Por uma confusão na hora de contar os votos, perdeu (mas Fausto Cunha, representante do júri, escreveria a Leminski, em 1987, dizendo que o melhor conto havia sido o dele). Como escreve Leminski, no texto “Descordenadas artesianas”, que encerra Catatau e ajuda a explicá-lo: “Descartes com lentes era um esquema: trazia em si um princípio de crescimento, uma lei e uma necessidade de expansão, como uma alegoria barroca”. Alegoria barroca, como a vida de Leminski, que misturava inúmeras linguagens. Ele lidou com uma quantidade considerável de leituras, de experimentações, de identidades: estudou no Mosteiro de São Bento (onde se aperfeiçoou no latim, que utilizaria em sua tradução, em 1985, de Satyricon); largou duas faculdades, de Letras e de Direito; viajou de carona, como um beatnik, para a Semana de Poesia de Vanguarda, em Minas Gerais, onde conheceu os poetas concretos; trabalhou como professor em cursinhos, para depois viver como um hippie no Rio de Janeiro; e, ao voltar para Curitiba, ingressou na publicidade, foi professor de judô e um representante da contracultura de Curitiba, não se ligando, contudo, às linhas básicas de certa poesia marginal mais conhecida (a de Cacaso). De um autor com essas características e máscaras (personae) não se poderia esperar certamente um romance linear: e dar como subtítulo de Catatau a definição de “romance-ideia” é oferecer um resumo direto ao leitor – mesmo que ele tenha escrito na nota ao livro, “Repugnatio benevolentiae”: “Me nego a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, agora, passou muito bem sem mapas. Virem-se”. O recado parece ser de que o leitor desista de procurar uma narrativa em seu livro, mas que busque “ideias”, “linguagens”, “insights”, misturas de estilos. Catatau é composto por imagens características de “alegoria barroca”, como ele escreve em “Descordenadas artesianas”, dentro de uma “estética do desperdício”, conforme Severo Sarduy, nunca buscando algum centro, deixando o fluxo aberto à experimentação, através de uma sonoridade própria da tradição galego-portuguesa). O fluxo é contínuo ao longo das mais de 200 páginas sem parágrafos, sem personagens bem delineados, tramas internas ou sequências lineares. O mote inicial é apenas um motivo para Leminski anarquizar com a linguagem. Como escrevia Leminski, no seu ensaio “Anti-projeto à poesia no Brasil”, publicado na revista Convivium (1965): “A prosa poética é a corrupção da prosa: mais vale a poesia prosaica. Poesia prosaica, vale dizer, a tudo aberta, compreensiva. Os fazedores de poesia prosaica são os maiores inventores: Dante (…), Tristan Corbière (…), Ezra Pound. A adoção-compreensão da poesia prosaica era um passo à frente”.

catatauoriginal
Em Catatau, em meio a um aglomerado de linguagens configuradas pela “poesia prosaica”, encontra-se a admiração de Leminski pela mitologia grega, que antecede, afinal, o racionalismo cartesiano, onde ainda se separavam os deuses dos comuns mortais. A figura de Narciso, que ganharia relevo em seu livro Metaformose, permeia Catatau (as citações são muitas, mas talvez colaborem na interpretação do livro): “Narciso contempla narciso, no olho mesmo da água. Perdido em si, só para aí se dirige. Reflete e fica a vastidão, vidro de pé, perante vidro, espelho ante espelho, nada a nada, ninguém olhando-se a vácuo”; “Olhos. Espelhos d’alma, Narciso está?”; Amores de Narciso: preciso: sair do espelho. Narciso, o ausente no lugar”; “No espelho triplo, se repete o eco e diz de novo que era assim”; “Alma, entra dentro de ti mesma, o alvo não passa de um espelho”, “Meu narcisismo anarquiza a alta conta, elevada estima e grande monta de consideração: uns catipiripapos, e a criatura fica parecida com a caricatura”. E define: “Anarquizo Narciso”. Parecem trechos saídos diretamente de Metaformose, escrito anos depois e deixado no fundo de uma caixa dada por Leminski à amiga e poeta Josely Vianna Baptista.
Em Catatau também estão o labirinto do Minotauro e Ariadne, sereias, Aquiles e a tartaruga, Zenão, Medusa, centauros, persas, Dédalos, Vênus, Hércules, Atenas, e Tróia; citações a filósofos (Sócrates, Platão, Aristóteles, obviamente Descartes). São traços de um universo filosófico e mitológico que se faria presente também em Agora é que são elas (1984), um novo fracasso do autor, no qual Leminski dizia trabalhar a ideia da impossibilidade de escrever um romance – quando a impossibilidade de escrever um romance linear já estava em Catatau.
A impossibilidade de escrever um romance linear vai certamente contra a figura de Descartes num livro como Discurso do método. Leminski desconstrói o método de Descartes, o mesmo que faria com as funções do conto nas teorias do russo Propp, em seu romance dos anos 80, zombando de sua filosofia (“Sou louco logo sou”), mas, ao mesmo tempo, o utilizando como mote para contestar a linguagem ditatorial de seu tempo. Como Cartesius iria descrever a razão lógica, que é filha da democracia, num país dominado pela ditadura (esquecendo-se aqui que a narrativa se passa na Recife holandesa, e se lembrando que Leminski menciona muitas vezes em Catatau a cidade de Brasília, arquitetada por Niemeyer)?
A falta de lógica se adensa quando surge o monstro Occam, para descontrolar ainda mais a linguagem do confuso Cartesius. Além disso, espalha referências à cultura polonesa pelo texto – afinal trata-se da espera de um matemático como Descartes por um polaco, Artiscewski (grafado de outras formas ao longo do livro). Mas Leminski está mais para as dúvidas de Descartes do que para a embriaguez do polonês em questão. Como Descartes faz em seu Discurso do método, Leminski, no decorrer de Catatau, fala de sua pretensa trajetória intelectual, desde a infância: “Letras me nutriram desde a infância” – como escreve Descartes em seu livro –, de impressões sobre bichos, máquinas e a sobre a função do corpo. Leminski não é Descartes, mas tem muito dele, tanto que se sente à vontade para zombar de seu trabalho, pois zomba de si mesmo. Afinal, se ele foi tão influenciado pela poesia concreta, ele possivelmente tinha uma mente em parte cartesiana. Com isso, se percebe em Catatau, como um contraponto à filosofia de Descartes, que tinha como objetivo discutir as questões metafísicas. Leminski, ex-seminarista do mosteiro de São Bento, se pergunta: “Como pode haver mais de um deus se sou só um eu, um sou?”. Há momentos que parecem recriados (e não transpostos) a partir de sua vivência no mosteiro de São Bento: “O pastor carrega suas ovelhas por dentro, interioriza o rebanho, assimila a páscoa e desaparecem pastor e rebanho”; “Naveguei com sucesso entre a higiene e o batismo, entre o catecismo e o ceticismo, a idolatria e a iconoclastia”; “Mosteiro comigo às costas, o caramujo cara de monge”. E há referência ao fato de a flora e a fauna do Brasil parecerem, ao olhar europeu, uma espécie de paraíso: “Dei dez pontos do pomo de Adão ao umbigo de não sei quem”; “Dor, no éden. Ser, em casa. Voz, debaixo dágua alguma”.

paulo-leminski1

O mais interessante é que, como percebe Flora Süssekind, no ensaio “Hagiografias”, Leminski foi um dos poetas que mais se utilizaram de uma temática religiosa, algo bastante raro na literatura brasileira. Versos como “um deus também é o vento / só se vê nos seus efeitos / árvores em pânico / bandeiras / água trêmula / navios a zarpar”, até pedir: “me ensina / a sofrer sem ser visto” e consagrar: “a este deus / que levanta a poeira dos caminhos / os levando a voar / consagro este suspiro / / nele cresça / até virar vendaval” mostram sua inclinação a uma subjetividade baseada na formação religiosa.
A insegurança humana, misturada à religiosidade de Leminski, o leva a escrever os seguintes versos em La vie en close, desconfiando de si mesmo: “pedirem um milagre / nem pisco / transformo água em água / e risco em risco”; “desmantelar / a máquina do amor / peça por peça / onde luzia flor e flor / não deixar nem promessa / isto sim eu faria / se pudesse / transformar em pedra fria / minha prece”. Ou em “não são / são não / rogai por nós / para que não / sejamos senão”. Temos também, em O ex-estranho, aquela poética religiosa de ex-monge beneditino, que Leminski concentra no fundo de sua obra, percebida, com mais destaque, em “Sacro lavoro”, no qual ele lembra: “as mãos que escrevem isto / um dia iam ser de sacerdote / transformando o pão e o vinho forte / na carne e sangue de Cristo / / hoje transformam palavras / num misto entre o óbvio e o nunca visto”. Num outro poema do livro, “Tamanho momento”, diz: “nossa senhora da luz / ouro do rio de belém / que seja eterno este dia / enquanto a sombra não vem” e “nunca sei ao certo / se sou um menino de dúvidas / ou um homem de fé / / certezas o vento leva / só dúvidas continuam de pé”. No entanto, resta a esperança de “Sintonia para pressa e presságio”, de La vie en close: “Eis a voz, eis o deus, eis fala, / eis que a luz se acendeu na casa / e não cabe mais na sala”. Em “Profissão de febre”: “quando chove, / eu chovo, / faz sol, / eu faço, / de noite, / anoiteço, / tem deus, / eu rezo, / não tem, / esqueço”.
Leminski desconfia de um deus que possa salvá-lo, mas é visível que alguns de seus poemas são teológicos: eles falam de um deus que o poeta quer tornar visível, mesmo impossibilitado, chegando a um bom humor, em Distraídos venceremos: “eu ontem tive a impressão / que deus quis falar comigo / não lhe dei ouvidos / / quem sou eu para falar com deus / ele que cuide dos seus assuntos / eu cuido dos meus”. Os poemas de Leminski são densos e comovem, como a biografia que ele fez de Jesus Cristo, vendo essa figura religiosa antes de tudo como um poeta. Entre o Colégio São Bento e a fuga e a rebeldia, Leminski se situa no paradoxo da própria dúvida. Hegel afirmava que a religião tinha algo sublime: ela consiste em “não permanecer presa a nenhuma intuição ou deleite passageiro, embora anseie por beleza e bem-aventurança eternas”. O que ela procura é, em suma, “o absoluto e o eterno”. Leminski desconfia do absoluto e do eterno – mas sabe que no seu subjetivo a ordem cresce em sua escrita, precária e passageira.
Parece-me inadequado, com tudo isso, as referências mito-filosóficas e religiosas, ver Catatau apenas como um duelo entre o erudito (como as citações em latim, o discurso religioso, o pensamento filosófico matemático) e o popular (as brincadeiras com os provérbios). Isso dá a impressão que o livro é denso por um lado e rasteiro por outro, ou que é uma espécie de briga entre o erudito e o popular, o que não é o caso: Leminski mantém o ritmo e a consciência de linguagem ao longo de toda a obra, não deixando se impregnar demais pelo rebuscamento ou adotando uma espécie de escrita automática, nem caindo em gracejos – a brincadeira com provérbios, por exemplo, não tira a densidade do texto; os provérbios são subvertidos em prol de um experimentalismo da linguagem de Descartes. Se algumas vezes esse programa acaba cansando em alguns momentos, a linguagem consegue ser sempre ousada, com a sintaxe que se destacaria nos autores neobarrocos, com delírio da imaginação. Leminski mantém sua obra aberta. A linguagem de Descartes, atingida por Occam, por filosofias religiosas, por sonoridades plurilíngues, é afastada do racionalismo, da matemática cerebral e se aproxima de uma espécie de “sonho da razão” de Goya.

30 de novembro de 2010

26 de novembro de 2010

Bob Black/A mentira no estado... e em outros lugares

A mentira no estado... e em outros lugares (Bob Black)

Precisamos de uma fenomenologia da mentira. Como essência imanente e onipresente da nossa sociedade, a mentira não merece menos; e já é hora de ela ter o que merece. Vamos ser honestos, sobre a desonestidade. Como eles nos enganam? Deixe-me contar as formas.

Algumas formas de fraude , especialmente aquelas exercidas cara a cara, são altamente refinadas. Uma névoa fina desce sobre pessoas usando qualquer uma de várias expressões idiomáticas compartilhadas, que supõem estar dizendo algo quando estão apenas emitindo sinais , barulhos, que provocam reações similares. Na verdade, não passam de ruído.

A publicidade, o lenga-lenga New Age, a conversinha mole pra pegar mulher em barzinho e os jargões do marxismo são exemplos familiares. Muito mais expressão do que comunicação, na melhor das hipóteses eles dizem menos do que parecem dizer, e a melhor das hipóteses é rara, nesses casos. A maioria das "lacunas" nas fitas de Nixon não esta faltando.

A epítome da enganação consensual é a autocontradição transformada em jargão especializado, por exemplo:
Casamento aberto
Governo revolucionário
Lei e ordem
Direito ao trabalho
Teologia da libertação
Escolas livres
...e assim por diante

No outro extremo (general Jaruzelski¹, por exemplo) da engambelação sofisticada está a prevaricação pura e simples. Como cigarros, mas sem mensagens de advertência, essas mentiras costumam vir em pacotes. Políticos e padres permitem os exemplos mais claros - exemplos aos quais não podemos nos igualar. O mundo dos negócios (existe outro?) também contém ocupações inteiras de profissionais da falsidade, como vendedores e advogadosa. Há ramos, como da energia nuclear e o da "defesa", que pressupõem mais do que confundir de leve o consumidor comum: eles sapecam mentiras gigantescas sobre uma população ludibriada por questão de necessidade profissional. Ainda sim, políticos são os mentirosos ideais. É para mentir ( além de dar ordens) que nós lhes pagamos, ou melhor, que eles se pagam com nossos impostos. A diplomacia, por exemplo, é apenas, o engôdo em traje de gala. Quando dizemos que alguém esta sendo "diplomático", queremos dizer que ele está contando mentiras para aquietar algum conflito. Mas na diplomacia os governos estão lidando com monopólios da violência iguais a eles, portanto, mentem com mais cuidado do que em geral têm com as populações que controlam. Políticos freqüentemente são ambíguos, mas raramente são sutis. Por que não deixar as sutilezas de lado, quando você tem a maioria dos homens armados de um país sob seu comando?

Uma Grande Mentira original e exemplar, por exemplo, está embutida em quase toda referência pública ao "terrorismo". A verdadeira acepção da palavra é o uso de violência contra não-combatentes para fins políticos. Os esquadrões da morte na América Central ou a distribuição de "brinquedos" explosivos feitos por soviéticos a crianças afegãs, para que elas se mutilem, são exemplos. A idéia é impor a própria vontade, não pela coerção direta daqueles a serem controlados, mas infundindo neles o medo, isto é , "terror". Não há mal nenhum em ter uma palavra para denominar uma atividade que, sejam quais forem seus prós e contras, difere em alguns aspectos da guerra, do crime, da desordem civil etc.

São precisamente essas distinções que os políticos e seus seguidores acadêmicos e jornalísticos ocultam usando a palavra. Para eles, toda violência política, vandalismo ou até um mero tumulto é " terrorismo, a menos que os terroristas estejam usando uniforme. Governos , portanto, não praticam o terrorismo, haja o que houver, enquanto a violência contra o Estado e sempre terrorismo, mesmo se consistir em ataques de uma força militar contra outra. Os massacres conduzidos pelos salvadorenhos auxiliares dos EUA; os bombardeios israelenses de campos de refugiados palestinos ou o seqüestro de reféns libaneses; até o holocausto em Camboja e no afeganistão, lamentados de maneira tão hipócrita, ou os assassinatos em prisões sul-africanas, por serem todos chacinas santificadas pelo Estado, não constituem atos terroristas. O terrorismo não é tanto uma questão de destruição e morte quanto de correção indumentária. Soldados são terroristas que tiveram o cuidado de se vestir para o sucesso. Isso basta que os gerentes da opinião pública durmam tranqüilamente, embora não necessariamente tanto quanto o presidente Reagan, quando, apesar do bombardeio de pacientes psiquiátricos em Granada e do fuzilamento de operários cubanos da construção civil, ele relatou que, como de costume, dormira bem.

É notável como esse esquema é eficaz. Os outrora perseguidos sandinistas eram terroristas até o momento mágico em que suplantaram Somoza. O presidente Robert Mugabe era um "terrorista" negro até se transubstanciar em estadista Zimbabwiano. Quando xiitas tomam reféns americanos, eles são terroristas. Quando israelenses tomam reféns xiitas, trata-se de uma violação da lei internacional, talvez, motivo para uma crítica contida mas de modo algum é terrorismo. Apesar de sua crueza hipócrita, a farsa do terrorismo tem sido bem aceita. O bonequinho dos comandos em ação , aposentado por alguns anos depois da Guerra Que Não Ousa Dizer Seu Nome, está de volta. Agora ele combate terroristas.

Que as autoridades, como os autoritários que as invejam, mentem sistematicamente não é nenhuma novidade. Karl Kraus e George Orwell o disseram. Mas elas refinaram, ou ao menos aumentaram, seus embustes. Nossa complexa sociedade, baseada no consentimento por coerção, criou modos de manipulação tão avançados que a falsidade pode ser minimizada, até eliminada sem, que a verdade venha à tona. O sistema simplesmente nos inunda com informações tão triviais que chega a merecer o nome desgastado de "dados", até que os poucos assuntos de importância real sejam expulsos da mente. A escala e a estrutura da sociedade evitam que as pessoas experimentem imediatamente a ela ou umas às outras. O conhecimento é fragmentado em ilhas artificiais e confiado a especialistas endógamos. No mundo acadêmico, essas exclusividades merecem as conotações sadomasoquistas da denominação que recebem, "disciplinas".

A divisão social da mão-de-obra - estilhaçando uma vida que deveria ser experimentada integralmente em "papéis" padronizados a força -, estendida a consciência, se reproduz ao mesmo tempo que oculta sua passagem.

Regras e papéis nos tornam tão intercambiáveis quanto os bens cuja produção é a nossa destruição. Não admira que, como Karl Marx observou uma vez antes de se tornar um político, a única linguagem compreensível que temos é a linguagem das nossas posses conversando entre si. Precisamos de outra. E precisamos de ocasiões sem pressa e sem pressões para um repouso sem palavras. A revolução requer uma expressão idiomática antiidiotia que expresse o até agora indizível. O amor que não ousa dizer seu nome tem vantagens sobre o outro, caluniado por rótulos, cujo nome é tomado em vão e nunca devolvido aos seus donos legítimos.

A corrupção da linguagem promove a corrupção da vida. É na verdade o seu pré-requisito.

Um primeiro passo rumo à paz e a liberdade - impossível agora, sob a sociedade de classes e sua arma, o Estado - é chamar as coisas por seus verdadeiros nomes. Assim, a diferença entre os agentes do complexo militar-industrial-político-jornalistico e a arraia-miúda que a mídia difama como "terroristas" é apenas a diferença entre o atacado e o varejo. Guerra é assasinato.Imposto é furto. Conscrição é escravidão. Laisse-faire é totalitarismo. E (diz Debord), "num mundo realmente de ponta-cabeça, o verdadeiro é um momento falso".


¹Primeiro-ministro da pôlonia de 1981 a 1985, chefe do Conselho de Estado de 1985 a 1989 e presidente de 1989 a 1990.(N. E.)

Tradução: Michele de Aguiar Vartuli

FIRST THEY CAME (ou sobre o que eu tenho a ver com o BOPE)

This poem is attributed to Pastor Martin Niemöller (1892–1984) about the inactivity of German intellectuals following the Nazi rise to power and the purging of their chosen targets, group after group.

An early supporter of Hitler, by 1934 Niemöller had come to oppose the Nazis, and it was largely his high connections to influential and wealthy businessmen that saved him until 1937, after which he was imprisoned, eventually at Sachsenhausen and Dachau concentration camps. He survived to be a leading voice of penance and reconciliation for the German people after World War II. His poem is well-known, frequently quoted, and is a popular model for describing the dangers of political apathy, as it often begins with specific and targeted fear and hatred which soon escalates out of control.

1976 Version - Original

Als die Nazis die Kommunisten holten, habe ich geschwiegen; ich war ja kein Kommunist.
Als sie die Sozialdemokraten einsperrten, habe ich geschwiegen; ich war ja kein Sozialdemokrat.
Als sie die Gewerkschafter holten, habe ich nicht protestiert; ich war ja kein Gewerkschafter.
Als sie mich holten, gab es keinen mehr, der protestieren konnte.

Translation

When the Nazis came for the communists, I remained silent; I was not a communist.
When they locked up the social democrats, I remained silent; I was not a social democrat.
When they came for the trade unionists, I did not speak out; I was not a trade unionist.
When they came for me, there was no one left to speak out.

Another version inscribed at the New England Holocaust Memorial in Boston, MA. reads:

They came first for the Communists, and I didn't speak up because I wasn't a Communist.
Then they came for the Jews, and I didn't speak up because I wasn't a Jew.
Then they came for the trade unionists, and I didn't speak up because I wasn't a trade unionist. Then they came for the Catholics, and I didn't speak up because I was a Protestant.
Then they came for me, and by that time no one was left to speak up.

The poem influenced and inspired the composition of many songs. One of the most famous is "Re-gaining Unconsciousness" by NOFX:

First they put away the dealers, keep our kids safe and off the streets.
Then they put away the prostitutes, keep married men cloistered at home.

Then they shooed away the bums,
then they beat and bashed the queers,
turned away asylum-seekers,
fed us suspicions and fears.
We didn't raise our voice,
we didn't make a fuss.
It's funny there was no one left to notice
when they came for us.

Charles Mingus uses a version of the poem on his song "Don't Let It Happen Here"

One day they came and they took the Communists
And I said nothing because I was not a Communist
Then one day they came and they took the people of the Jewish faith
And I said nothing because I had no faith left
One day they came and they took the unionists
And I said nothing because I was not a unionist
One day they burned the Catholic churches
And I said nothing because I was born a Protestant
Then one day they came and they took me
And I could say nothing because I was as guilty as they were
For not speaking out and saying that all men have a right to freedom
On any land I was as guilty of genocide
As you
All of you
For you know when a man is free
And when to set him free from his slavery
So I charge you all with genocide
The same as I
One of the 18 million dead Jews
18 million dead people..

Asian Dub Foundation paraphrased the poem in the song "Round Up". Excerpt from the lyrics:

dem come for de rasta and you say nothing
dem come from the Muslims you say nothing
dem come for the anti-globalist you say nothing
dem even come for the liberals and you say nothing
dem come for you and who will speak for you, who ?

(source: http://jiannakarla.multiply.com/journal)

22 de novembro de 2010

CARNIVALESQUE REBELLION WEEK + BUY NOTHING DAY (NOV 22 - 28)





A few people start breaking their old patterns, embracing what they love (and in the process discovering what they hate), daydreaming, questioning, rebelling. What happens naturally then, according to the revolutionary past, is a groundswell of support for this new way of being, with more and more people empowered to perform new gestures unencumbered by history.




Think of it as an adventure, as therapy – a week of pieing and pranks, of talking back at your profs and speaking truth to power. Some of us will put up posters in our schools and neighborhoods and just break our daily routines for a week. Others will chant, spark mayhem in big box stores and provoke mass cognitive dissonance. Others still will engage in the most visceral kind of civil disobedience. And on November 26 from sunrise to sunset we will abstain en masse – not only from holiday shopping, but from all the temptations of our five-planet lifestyles.



19 de novembro de 2010

Tomorrow begins Today II

In January 1996, the Zapatistas sent an invitation - for an intercontinental meeting - which concluded with the words "It is not necessary to conquer the world. It is sufficient to make it anew." The response was overwhelming. On July 27 of that year over 3,000 grassroots activists from over 40 countries spanning 5 continents gathered in Chiapas, Mexico with the aim of engaging in a collective process which raised important questions, shared stories of struggle, and started to look for some answers. Here are extracts from Subcommandante Marcos’ closing remarks of the First Intercontinental Encuentro for Humanity and Against Neoliberalism:

When this dream that awakens today in La Realidad began to be dreamed by us, we thought it would be a failure. We thought that, maybe, we could gather here a few dozen people from a handful of continents. We were wrong. As always, we were wrong. It wasn’t a few dozen, but thousands of human beings, those who came from the five continents to find themselves in the reality at the close of the twentieth century.

The word born within these mountains, these Zapatista mountains, found the ears of those who could listen, care for, and launch it a new, so that it might travel far away and circle the world. The sheer lunacy of calling to the five continents to reflect clearly on our past, our present, and our future, found that it wasn’t alone in its delirium. Soon lunacies from the whole planet began to work on bringing the dream to rest in La Realidad.

Who are they who dare to let their dreams meet with all the dreams of the world? What is happening in the mountains of the Mexican Southeast that finds an echo and a mirror in the streets of Europe, the suburbs of Asia, the countryside of America, the townships of Africa, and the houses of Oceania? What is it that is happening with the peoples of these five continents who, so we are all told, only encounter each other to compete or make war ? Wasn’t this turn of the century synonymous with despair, bitterness, and cynicism? From where and how did all these dreams come to La Realidad?

May Europe speak and recount the long bridge of its gaze, crossing the Atlantic and history in order to rediscover itself in La Realidad. May Asia speak and explain the gigantic leap of its heart to arrive and beat in La Realidad. May Africa speak and describe the long sailing of its restless image to come to reflect upon itself in La Realidad. May Oceania speak and tell of the multiple flight of its thought to come to rest in La Realidad. May America speak and remember its swelling hope to come to renew itself in La Realidad. May the five continents speak and everyone listen. May humanity suspend for a moment its silence of shame and anguish.

May humanity speak.
May humanity listen....
Each country,
each city,
each countryside,
each house,
each person,
each is a large or small battleground.

On the one side is neoliberalism with all its repressive power and all its machinery of death; on the other side is the human being.

In any place in the world, anytime, any man or woman rebels to the point of tearing off the clothes that resignation has woven for them and cynicism has dyed grey. Any man or woman, of whatever colour, in whatever tongue, speaks and says to himself, to herself: Enough is enough! !Ya Basta!

For struggling for a better world all of us are fenced in, threatened with death. The fence is reproduced globally. In every continent, every city, every countryside, every house. Power’s fence of war closes in on the rebels, for whom humanity is a l ways grateful.

But fences are broken.
In every house,
in every countryside,
in every city,
in every state,
in every country,
on every continent,the rebels, whom history repeatedly has given the length of its long trajectory, struggle and the fence is broken. The rebels search each other out. They walk toward one another. They find each other and together break other fences.

In the countrysides and cities, in the states, in the nations, on the continents, the rebels begin to recognise each other, to know themselves as equals and different. They continue on their fatiguing walk, walking as it is now necessary to walk, that is to say, struggling...

A reality spoke to them then. Rebels from the five continents heard it and set off walking. Some of the best rebels from the five continents arrived in the mountains of the Mexican Southeast. All of them brought their ideas, their hearts, their worlds. They came to La Realidad to find themselves in others’ ideas, in others’ reasons, in others’ worlds.

A world made of many worlds found itself these days in the mountains of the Mexican Southeast. A world made of many worlds opened a space and established its right to exist, raised the banner of being necessary, stuck itself in the middle of earth’s reality to announce a better future. But what next?

A new number in the useless enumeration of the numerous international orders?
A new scheme that calms and alleviates the anguish of having no solution?
A global program for world revolution?
A utopian theory so that it can maintain a prudent distance from the reality that anguishes us?
A scheme that assures each of us a position, a task, a title, and no work?

The echo goes, a reflected image of the possible and forgotten: the possibility and necessity of speaking and listening; not an echo that fades away, or a force that decreases after reaching its apogee . Let it be an echo that breaks barriers and re-echoes. Let it be an echo of our own smallness, of the local and particular, which reverberates in an echo of our own greatness, the intercontinental and galactic. An echo that recognises the existence of the other and does not overpower or attempt to silence it. An echo of this rebel voice transforming itself and renewing itself in other voices.

An echo that turns itself into many voices, into a network of voices that, before Power’s deafness, opts to speak to itself, knowing itself to be one and many. Let it be a network of voices that resist the war that the Power wages on them. A network of voices that not only speak, but also struggle and resist for humanity and against neoliberalism .

The world, with the many worlds that the world needs, continues. Humanity, recognising itself to be plural, different, inclusive, tolerant of itself, full of hope, continues. The human and rebel voice, consulted on the five continents in order to become a network of voices and of resistances, continues.

We declare:
That we will make a collective network of all our particular struggles and resistances. An intercontinental network of resistance against neoliberalism, an intercontinental network of resistance for humanity.
This intercontinental network of resistance, recognising differences and acknowledging similarities, will search to find itself with other resistances around the world.
This intercontinental network of resistance is not an organising structure; it doesn’t have a central head or decision maker; it has no central command or hierarchies. We are the network, all of us who resist.












[This is an edited version of the original Zapatista declaration - August 3 1996]





Tomorrow begins Today I

I know of a place not so far away

Where no government holds sway

Where no Prime Minister is given the time of day

Where the people demand to have a say

And they say tomorrow begins today

So I know I have to find a way

I'm leaving, leaving today

To where no fences may bar my way

Where my imagination

Can be led astray

'Cause Tomorrow begins Today

Tomorrow begins Today

Asian Dub Foundation






10 de novembro de 2010

We have been metamorphosised



"There are no longer 'dancers.' the possessed.

The cleavage of men into actor and spectators is the central fact of our time.

We are obsessed with heroes who live for us and whom we punish.

If all the radios and televisions were deprived of their sources of power, all books and paintings burned tomorrow, all shows and cinemas closed, all the arts of vicarious existence...

We are content in the 'given' in sensation's quest.

We have been metamorphosised from a mad body dancing on hillsides to a pair of eyes staring in the dark."


The Lords and the New Creatures

James Douglas Morrison.

15 de outubro de 2010

Mantra - a Deus o que é de Deus

A deus o que é de Deus
Marcha a família
In nomine dei
A Deus o que é de Deus
Desde que este Deus fique fora das minhas terras


Há Deus?
O que é de Deus?
O que é do Homem?
Deus?
In nomine dei? In domine homine?
Há nomine?

E foi assim
In nomine dei
Expulsos do Eden
Cercamento dos campos já no antigo testamento?

E foi comer o pão com o suor do próprio rosto
O pão nosso de cada dia
Suor nosso de cada dia
Patrão nosso de cada dia

É tempo que passa:
Mas não tem pão?
Que comam brioche
Mas não tem chão
Almejem o céu

Enfim com convicção:
A Deus o que é de Deus
E separou cristãos de fariseus
E não restou um só cristão
Que em nome de alguém dissesse
Ao homem o que é do homem


E a terra dividida ficou com poucos
E a igreja muito unida rezou por todos
em nome de poucos

Rezou em causa própria
Rogou por todos poucos que tinham pão todos os dias
E os sem pão
Tinham o suor salgado do salário pouco

E o tempo foi passando
e a fé foi terminando
o nome Deus ficou distante
palavra santa ficou descrente

Enfim todo cristão em fariseu se fez
pois o próximo ficou distante

Na cruz pregou-se a palavra feita em carne
E a palavra ficou muda
Pois cada uma de suas letras fico truncada
Trancadas nas mãos dos poucos que a guardavam
Pois muitos já não mais liam, ou nunca leram

Os olhos já se cansaram
De tanto olho por olho
De tanto dente por dente
Mesmo quando não mais dentes na boca havia

Os olhos já se cansaram
Os olhos ainda não cegos de tanto olho por olho analfaliam

Não mais:
A Deus o que é de Deus;

Mas sim:

Adeus ao que é de Deus!

Os olhos analfaleram
Antes da total cegueira do olho por olho nosso de cada dia

A outra face não mais cabia

Raimundo Beato

10 de outubro de 2010

As Alienações

As Alienações, 1964/1985

1
nos conventos fala-se em marx
nas casernas fala-se em deus

entre a cruz e a espada paira deus
entre farda e batina paira marx

a deus o que é de deus
a marx o que é de marx

deus ex marxina

2

pingue pongue
pingue pongue
sábado domingo

pingue pongue
pingue pongue
puteiro missa

pingue pongue
pingue pongue
vagina hóstia

pinguepongue
sabadomingo
pumisseteiro
vaginóstia

3 (haikais/1964)

oh, "paus d'arco em flor"
bashô! 1o. de abril
pau-brasil em dor

faunos verde-oliva
desfilam na linha dura
os phalos falidos

marcha da família
com deus pela liberdade
masturbam-se hienas

desemprego em minas
porta-aviões bebe bilhões
oh, minas gerais!

filhas de maria
cardeal contra o monoquíni
filhas de biquíni

família unida
reza & rouba sempre unida
oh, tempos de paz!

reformas de base
a grama já amarelece
bashô, nada muda

castelo de cartas
castelo mal-assombrado
brasil branco, branco

José Lino Grunewald

Será que eu vou virar bolor?

4 de outubro de 2010

A Marcha das Utopias

não era esta a indepêndencia que eu sonhava
não era esta a república que eu sonhava
não era este o socialismo que eu sonhava
não era este o apocalipse que eu sonhava

José Paulo Paes

23 de setembro de 2010

Metalinguagem

A palavra verdade é mentira
Não há verdade sozinha
Em cada esquina da trilha
Alguma verdade caminha
As letras dos ditos declaram
Palavra sozinha
não cabe na frase
Só cabe na margem
Sozinha de frase
Sozinha de nome
Solitária de sentido
Sozinha de som
Quase a palavra silêncio
Mas a palavra silêncio não cala
Se diz

Palvra sozinha é palavra
Pois toda palavra é tudo
Somente a palavra palavra
é tão somente palavra

Toda palavra sozinha se diz
Toda palavra palavra se lê
Até a palavra silêncio se fala
Até a palavra deserta tem sede
Mesmo a palavra sozinha fala com a palavra ao seu lado
Puxando logo um assunto
Então a frase não para
só na palavra sozinha

A palavra sozinha não sabe ser solitária
Mata logo o silêncio

Neste poema sincero
Faço a palavra sozinha
Tornar-se palavra assassina
Não a palavra que mata
Mas àquela que ressucita
Ela sozinha não fica
Logo logo se excita
A frase lhe nega sentido
De que adianta o sentido
Se sentir não se sente
Não vale a língua dizer
Se ela não fala a verdade
Poema é tudo mentira
Palavra é tudo sincera
Não sabe mentir caladinha
Não sabe ferir o leitor
Já conta logo historinha
Para não deixar o poema
Ficar tristonho assustado
Em estado de puro absurdo
A língua não mente sozinha
Quem arquiteta é o poeta
Palavra poeta não rima
Palavra poeta não poeta
Fica sozinha, calada
Mas palavra silêncio não cala

A palavra rebelde poema a vida inteira
Servindo à todos a mentira sincera de tudo
Se fosse tudo palavra sincera
Nada seria inteiro
A palavra é meta...
...................de
...................fora
...................linguagem

Salvador Passos

Verdadeira Mente

A verdade plena
Tão absoluta
Não subjetiva
Nunca foi inteira

A verdade é luta
Como uma disputa
Coração e Mente

Mente inteiramente
Na metade inteira
Da verdade plena

Não é verdadeira
A verdade inteira
A palavra mente
Mente plenamente
Na conquista bruta
Destas tolas mentes
Verdadeiramente
a palavra mente

Verdadeira Mente


xxxxxxxxxxxxxxxxxx
A verdade nua
Só será verdade
Se for sempre a tua
A verdade crua
xxxxxxxxxxxxxxxxxx


Salvador Passos

22 de setembro de 2010

O ano da morte de Ricardo Reis

Vai Ricardo Reis a descer a Rua dos Sapateiros quando vê Fernando Pessoa. Está parado à esquina da Rua Santa Justa, a olhá-lo como quem espera, mas não impaciente.Traz o mesmo fato preto, tem a cabeça descoberta, e, pormenor em que Ricardo Reis não tinha reparado da primeira vez, não usa óculos, julga compreender porquê, seria absurdo e de mau gosto sepultar alguém tendo postos os óculos que usou em vida, mas a razão é outra, é que não chegaram a dar-lhos quando no momento de morrer os pediu, Dá-me os óculos, disse e ficou sem ver, nem sempre vamos a tempo de satisfazer últimas vontades. Fernando Pessoa sorri e dá as boas-tardes, respondeu Ricardo Reis da mesma maneira, e ambos seguem na direção do Terreiro do Paço, um pouco adiante começa a chover, o guarda-chuva cobre os dois, embora a Fernando Pessoa o não possa molhar esta água, foi o movimento de alguém que ainda não se esqueceu por completo da vida, ou teria sido apenas o apelo reconfortador de um mesmo próximo tecto, Chegue-se para cá que cabemos os dois, a isto não se vai responder, Não precisa, vou bem aqui. Ricardo Reis tem uma curiosidade para satisfazer, Quem estiver a olhar para nós, a quem é que vê, a si ou a mim, Vê-o a si, ou melhor, vê o vulto que não é você nem eu, Uma soma de nós ambos dividida por dois, Não, diria antes que o produto da multiplicação de um pelo outro, Existe essa aritimética, Dois, sejam eles quem forem, não se somam, multiplicam-se, Crescei e multiplicai-vos, diz o preceito, Não é nesse sentido curto, biológico, aliás com muitas excepções, de mim, por exemplo, não ficaram filhos, De mim também não vai ficar, creio, E no entanto somos múltiplos, Tenho uma ode em que digo que vivem em nós inúmeros, Que me lembre, essa não é do nosso tempo, Escrevi-a vai para dois meses, Como vê, cada um de nós, por seu lado, vai dizendo o mesmo, Então não valeu a pena estarmos multiplicados, Doutra maneira não teríamos sido capazes de o dizer. Preciosa conversação esta, paúlica, interseccionista, pela Rua dos Sapateiros abaixo até à da Conceição, daí virando à esquerda para a Augusta, outra vez em frente, disse Ricardo Reis parando, Entramos no Martinho, e Fernando Pessoa, com um gesto sacudido, Seria imprudente, as paredes têm olhos e boa memória, outro dia podemos lá ir sem que haja perigo de me reconhecerem, é uma questão de tempo. Pararam ali, debaixo da arcada, Ricardo Reis fechou o guarda-chuva, e disse, não a propósito, Estou a pensar em instalar-me, em abrir um consultório, Então já não regressa ao Brasil, porquê, É difícil responder, não sei mesmo se saberia encontrar resposta, digamos que estou como o insone que achou o lugar certo da almofada e vai poder, enfim adormecer, Se veio para dormir, a terra é boa para isso, Entenda a comparação ao contrário, ou então, que se aceito o sono é para poder sonhar, Sonhar é ausência, é estar do lado de lá, Mas a vida tem dois lados, Pessoa, pelo menos dois, ao outro só pelo sonho conseguimos chegar, Dizer isso a um morto, que lhe pode responder, com o saber feito da experiência, que do outro lado da vida é só a morte, Não sei o que é a morte, mas não creio que seja esse outro lado da vida de que se fala, a morte, penso eu, limita-se a ser, a morte é, não existe, é, Ser e existir, então não são idênticos, Não meu caro Reis, ser e existir só não são idênticos porque temos as duas palavras ao nosso dispor, pelo contrário, é porque não são idênticos que temos as duas palavras e as usamos. Ali debaixo daquela arcada, disputando, enquanto a chuva criava minúsculos lagos no terreiro, depois reunia-os em lagos maiores que eram poças, charcos, ainda não seria desta vez que Ricardo Reis iria até ao cais ver baterem as ondas, começava a dizer isto mesmo, a lembrar que aqui estivera, e ao olhar para o lado viu que Fernando Pessoa se afastava, só agora notava que as calças lhe estavam curtas, parecia que de deslocava em andas, enfim ouviu-lhe a voz próxima, embora estivesse ali adiante, Continuaremos esta conversa noutra altura, agora tenho de ir, lá longe, já debaixo da chuva, acenou com a mão, mas não se despedia, eu volto.

José Saramgo

Horizonte

Só havia eu em nada feito
De(s)feito de nascença
Esse não ser exato que me faz ser assim não sendo sempre
Não sou mais
Não sou menos
Só esse arrastado estar em algum outro lugar

Raimundo Beato