A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

23 de fevereiro de 2016

AS RUAS ESTÃO ESTRANHAS ESTA NOITE


Pétalas destroçadas tingem a noite de vermelho.
Mister Morfina se arrasta pelas ruas,
os bolsos cheios de câmaras de ar furadas,
tranqueiras e cacos de vidro.
Peixes coloridos saltam sob a luz dos semáforos.
Uma Rosa cospe um blues na poça das sarjetas.
Um Opala caindo aos pedaços
bate de frente
no Monumento aos Desesperados Anônimos.


O vidro do aquário se estilhaça.
Os peixes fogem montados em motocicletas envenenadas.
Orelhões suicidas gritam palavras obscenas
para velhinhas traficantes.
Mister Morfina acende um cigarro
e observa a palidez de 50 top models
que desfilam descalças
na passarela cheia de cacos de vidro.


Deus está solto.
E dizem que Ele está armado.


Ademir Assunção

22 de fevereiro de 2016

cidade

vago pela cidade
captando sílabas
de algum momento
escolho palavras
em meio ao vento
capto
capturo
capo o recato do silêncio
o momento do ausente
como quem acolhe acasos
ócios
e ocasos
colhendo em meio as frases
esquecimentos
os ocasos do colapso
lapso das palavras sem seu lastro

Salvador Passos

19 de fevereiro de 2016

apocaloptimismo

põe poema no avulso
avilta o prumo
a porta
o entreposto
segue o rumo do teu pranto
o sumo
a vértebra
vertente mestra

enquanto o soco tange o infinito
arfa o ar de teus sufocos
& não deixa a falta de fôlego afogar os teus delírios

põe poema no poente
bem nas reticências do infinito
posta um ponto teu
entre os três já postos pontos

estica a corda sobre o abismo e anda
como um enfermo do evangelho
salta o salto sobre o precipício
se possível caia
& cisma sem lirismo
cataclisma enquanto liturgia
trago a doença que é a cura

(levanta-te e uiva!)

Salvador Passos

17 de fevereiro de 2016

Poética

A poesia é uma técnica e uma mística ao mesmo tempo, o amálgama entre o sonho e o cálculo, e por isso Rimbaud a chamou "alquimia do verbo". É o número imaginário. Um poeta é portanto algo bastante raro, já que emprega inteligência, sentidos e memória na tarefa de inventar o mundo numa linguagem muito específica e muito concentrada. Está em contato com forças arcaicas e visões futuras. Ele é, no tarô, aquele que pende de cabeça para baixo, ou o que está prestes a caminhar sobre o abismo. Poucos duram o suficiente para usar o símbolo do infinito sobre a cabeça, como um chapéu.

Dirceu Villa.

1 de fevereiro de 2016

progresso

estamos órfãos do silêncio,
e ainda chamam isso de progresso!

Salvador Passos

Mural de Banksy sobre refugiados tapado em Londres



O artista de rua Banksy volta a sacudir consciências. O mais recente mural, criado junto à embaixada francesa em Londres, no luxuoso bairro de Knightsbridge, denuncia a situação miserável dos refugiados em Calais.

Segundo as agências internacionais, o stencil foi entretanto coberto com tapume, para evitar actos de vandalismo, dizem. Atitude já criticada pelos defensores do famoso artista “guerrilha” britânico.
No grafíti é recriada a personagem Cosetti, protagonista da obra “Os Miseráveis” de Victor Hugo, que chora envolta em nuvens de gás lacrimogéneo. Ao lado foi inscrito um código interactivo com ligação a uma página do Youtube. O vídeo mostra imagens de uma alegada intervenção policial, no início do ano, no campo de refugiados em Calais, já apelidado de “Selva”, com recurso a gás lacrimogéneo, canhões de água e balas de borracha.

Banksy - Steve Jobs
 
Não é a primeira vez que o também activista político faz intervenções de arte urbana onde ataca a actuação da Europa na questão dos refugiados. Ainda no mês passado, outro mural retratava Steve Jobs, o co-fundador da Apple, com um saco preto ao ombro e um computador na mão, recordando as suas origens de imigrante sírio nos Estados Unidos.

“Somos muitas vezes levados a crer que a migração esgota os recursos do país mas Steve Jobs era filho de um migrante sírio. A Apple é a empresa mais lucrativa do mundo, paga anualmente mais de sete mil milhões de dólares em taxas – e só existe porque permitiram a entrada de um jovem de Homs”, podia ler-se numa das raras declarações de Bansky, cuja verdadeira identidade continua envolta em mistério.

A “Selva” de Calais, no noroeste francês, tem sido palco de várias manifestações contra e pró-refugiados. Aqui sobrevivem cerca de 4 mil migrantes, que desesperam pela luz verde para cruzar o canal da mancha, numa travessia de 20 quilómetros para o Reino Unido.

“Nunca desistam; a grandeza leva tempo”, escreveu o autor esta segunda-feira na sua página do tweet, numa provável referência à cobertura da sua intervenção urbana.