A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

30 de dezembro de 2014

Cortar o tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo mercadologicamente genial, ele industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer pessoa se cansar e entregar os pontos. Aí entra o chamado milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra adiante vai ser diferente.

Carlos Drummond de Andrade (adaptado por Antônio Abujamra)

10 de dezembro de 2014

chamas

no alto dos mastros do marasmo
o câncer já prenunciado
morre
e o cântico entoado
pelas ruas
é raivoso & revoltado

nada de lirismo

no ar
o cântico alucinado
o cancro poético de tudo
como um vírus
espalha
o pânico ensimesmado
proclamando a mais grave pandemia
epidemia de epifanias
vírus nocivo
as bases do sistema destruídas
por uma simples poesia
uma utopia
o surto
a catarse
o escarro
o vômito fétido
o exorcismo do liberalismo panfletário
aristocrático
protozoários autoritários
a elite dos mamíferos
mamando nas tetas do sistema
e o poeta a ler poemas como Nero
lançando fogo sobre as certezas de uma outra Roma
a romaria dos economistas desesperados
e seu aroma ardendo nas fogueiras

Salvador Passos

O Utopista

Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
que só de pão vive o homem
que não há um outro no mundo.


 Murilo Mendes




5 de dezembro de 2014

Sistema/1

Os funcionários não funcionam. Os políticos falam mas não dizem. Os votantes votam mas não escolhem. Os meios de informação desinformam. Os centros de ensino ensinam a ignorar. Os juízes condenam as vítimas. Os militares estão em guerra contra os seus compatriotas. Os polícias não combatem os crimes, porque estão ocupados a cometê-los. As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados. O dinheiro é mais livre que as pessoas. As pessoas estão ao serviço das coisas.

Eduardo galeano, O livro dos abraços

3 de dezembro de 2014

Forte Apache

Noel Rosa brincava que era internacional sem sair de seu
quarto. Elvis Costello disse que o rock´n´roll não morrerá
porque sempre vai ter um garoto trancado em seu quarto
fazendo algo que ninguém nunca viu. Já Laura Ridding
falava da pretensão de “escrever sobre um assunto/
que tocasse todos os assuntos/ Com a pressão compacta do
quarto/ Lotando o mundo entre meus cotovelos”.
De certo modo, acho que estamos fadados a isso mesmo:
recriar em nossos textos o mundo dos nossos quartos.
Esta equalização sutil — pessoal, intransferível — entre
organização e bagunça. François Truffaut, por exemplo.
Ele se considerava pertencente a uma família de cineastas
que praticava uma espécie de “cinema do quarto dos
fundos, que recusa a vida como ela é” — como “nas
brincadeiras de crianças, quando refazíamos o mundo com
nossos brinquedos”. Como diria Ferreira Gullar no Poema
sujo, “o que me ensinavam essas aulas de solidão?”.

Marcelo Montenegro

Literatura Comparada

Quando o MUNDO é um cruzamento
movimentado cujo semáforo pifou.
FUTURO é um cartaz de filme antigo
num cinema que já fechou.
ANGÚSTIA é esse instante
durando meses. AFETO
é uma conversa entre velhos amigos
no bar mais perto ao velório de um deles.
MARCOS REY
foi meu Chuck Berry da literatura.
CARNE MOÍDA é o leite
condensado das misturas.
PAZ é sorrir por dentro. POEMAS
são imagens pingando
das goteiras do tempo.
ENTRAR é o começo
de sair. “SER ORIGINAL
é tentar ser como os outros
e não conseguir”.
ACADEMIA é a repartição pública
do corpo. SIMPLICIDADE
é a superfície do topo.
FRACASSO é o abajur da sorte.
CANTAR é roubar
uns minutos da morte.

Marcelo Montenegro


26 de novembro de 2014

NO LIMITE da linguagem

NO LIMITE da linguagem
                                          me canso.
                     Então, qualquer palavra
                     É um regresso, um para-trás
                     Ou talvez
                     Nada mais que a cabriola,
                     A pirueta, o foguete ou
                     O petardo: ruído
                     Breve, tudo
                     Passa.
                     Há limites na linguagem?
                     Ou só falta o que dizer: o
                     Sentido.     E o som?       A rajada
                     De palavras, o e s t a l a r?
                     Ruído breve,
                                tudo passa.
A vivência:   outro marco ou
Ponto de referência. In-transferível
Substância: comunicável, talvez, por telepatia
-mas não por poesias,      mas não por escritura.
Pra quê?, por quê?           O silêncio.
Melhor.       Melhor
                                      Nada.


Poema de Rodrigo Lira (1949-1981) que encerra Proyecto de obras completas.

dormir, talvez sonhar

a morte é o sono de uma vida inteira

Raimundo Beato

18 de novembro de 2014

La poesía

La poesía se escribe en macs velocísimas y blancas como la nieve
baja como borradores perfectos.
Mis poemas deberian estar producidos por la conjuncion de asuntos
de miles de mails encantadores enviados por gente que me aprecia realmente.
Hubo un momento en que internet habia llegado para salvarme,
en el sentido social, estético y cultural.
Antes conocía mucha gente por internet, a todo mis amigos,
a todas mis novias, pero eso ya pasó.
Las voces se multiplicaron y mi voz se acalló para siempre.
Hay problemas de sociabilidad tan difíciles
que ninguna computadora podría llegar a resolver,
así como algunos problemas de matemática.
Quizás dentro de miles de años.
Las tardes de sábado son las más tristes en la ciudad
Cerraron todos mis bares favoritos
y en las librerías ya no quieren recibirme.
Quién lo diría: los 2000 de a poco van figurando entre mis décadas más nostálgicas.
Vuelvo a escribir poesía sentado en los halls de los cines de trasnoche.
Recuerdo con emoción el estreno de Spiderman 1,
los cines estaban realmente convulsionados esa noche,
había mucha inspiración en el aire.
Después me voy caminando lentamente a Plaza Moreno.
con el viento en contra, mientras me acerco a la catedral voy mirando las torres.
Me siento en un banco y fumo un poco.
Es una escena casi mítica, como salida del romanticismo alemán.
Siento que cuando mis poemas y canciones estén todos escritos
y sean realmente verdaderos y cumplan su función mágica,
entonces nadie podrá tocarme,
quiero decir que nadie podrá "hackearme"
puesto que por fin mi "yo" será "otro".


Antolín


"No tengo frío"

Tras el rescate los sobrevivientes habían atraído las miradas del mundo, de ser los olvidados de la sociedad de pronto pasaron a ser vistos como celebridades y hasta semi-dioses. Mientras se recuperaban en el hospital de Santiago, un periodista extranjero caminó por la cornisa y consiguió entrar por la ventana a la habitación de Gustavo Zerbino. Una vez adentro le ofreció varios miles de dólares por un testimonio exclusivo. Zerbino le respondió que no tenía frío. El periodista, que no hablaba bien el idioma, supuso que se había expresado incorrectamente y volvió con un traductor chileno. Le hizo el mismo ofrecimiento pero duplicando la cifra. Zerbino le volvió a responder lo mismo: “No tengo frío. Lo que pasa es que en Los Andes usábamos los dólares para prender fuego. Ahora no los necesito porque no tengo frio”.

Antolín

13 de novembro de 2014

Tenho o privilégio



Tenho o privilégio de não saber quase tudo
E isso explica
o resto

Manoel de Barros

A maior riqueza do homem é sua incompletude.

A maior riqueza do homem é sua incompletude
Nesse ponto sou abastado
Palavras que me aceitam como sou - eu não
aceito
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas,que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas preciso ser Outros.
Eu penso em renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

Cantar

para cantar é preciso perder o interesse de informar

Manoel de Barros

7 de novembro de 2014

Intervenção Militar 2 (Mamãe eu não queria)


Intervenção Militar

.
se eu não comesse bem
não comesse fruta não salada
minha mãe minha tia minha avó meu tio
diziam todos em coro
menino vou te mandar pro exército lá você vai aprender
.
tinha pavor
do exército da marinha da aeronáutica
comi a infância toda mal como a porra
algumas coisas mudaram
outras não


Thiago Gallego
Plástico Bolha

6 de novembro de 2014

Discurso

nada existe, celebremos
a alegria.
o nascer e o morrer
não nos acontece.
só para os outros
somos espetáculo.
há vento em excesso
pelos buracos da linguagem.
um jardim muito espesso
labirinto de idéias
flocos de imagens
sobre natais de fumaça.
nada existe, celebremos
aventura.
tudo se instala
o sentido esvaziou-se do oceano
praias da totalidade.
o que não existe
celebra a concretude.
é grave a pedra
a pele desgarrada
o esqueleto do silêncio.
lábios se tocam
em alegria
beijo seco
jardim de séculos.
quase nenhuma fala
ninguém
mas os caminhos.
recordemos:
infância veloz
olfato de espantos
estátua ardente
arfando
no sonho.
apenas não há
ninguém
mas os espaços
(apenas o já nascido
previamente ido).
infinito buraco sem tempo
celebração.

Affonso Henriques Neto

28 de outubro de 2014

preso no trânsito

preso no trânsito
retorno
aos meus pensamentos

estacionamento

recordo o trono dos mortos
canto sereno
não o das sirenes

atropelamento
 dos sentidos
pela ideia fixa de não ser coisa nem tempo
ser sereno
no deslocamento

a vida:
caminho só de ida
coisa que não se acomoda no peito
nó de não ser o que se foi um dia
deixar-se ir

preso no engarrafamento

cor que corta os ossos
flor que forja odores moribundos
aço que corta o nó das horas
atropela ausências
apodrecimento
enrijecimento
cor que corta
nó que enrosca

ser a sede que não cede

Salvador Passos

27 de outubro de 2014

Anjos de Sodoma

Eu vi os anjos de Sodoma escalando
um monte até o céu
E suas asas destruídas pelo fogo
abanavam o ar da tarde
Eu vi os anjos de Sodoma semeando
prodígios para a criação não
perder seu ritmo de harpas
Eu vi os anjos de Sodoma lambendo
as feridas dos que morreram sem
alarde, dos suplicantes, dos suicidas
e dos jovens mortos
Eu vi os anjos de Sodoma crescendo
com o fogo e de suas bocas saltavam
medusas cegas
Eu vi os anjos de Sodoma desgrenhados e
violentos aniquilando os mercadores,
roubando o sono das virgens,
criando palavras turbulentas
Eu vi os anjos de Sodoma inventando
a loucura e o arrependimento de Deus

Roberto Piva

Carta de fora do armário (ou porque ela em vez dele)

  Jean Wyllys



 Tem gente - inclusive no meu próprio partido -  que não entende o que é um voto crítico no segundo turno ou espera que este voto, por ser crítico, deva ser envergonhado ou ficar no armário. Jamais daria um voto que tivesse que se esconder em armário. Saí do armário ainda adolescente e para ele nunca voltarei! Sendo assim, com o voto fora do armário, eu exponho suas razões.
1. Voto na Dilma, por exemplo, porque Aécio defende a redução da maioridade penal como meio de solucionar o problema da criminalidade e da segurança pública (a mesma proposta do candidato "branco", Lacalle Pou, que se opõe à esquerda uruguaia nas eleições do país vizinho, cujo primeiro turno será amanhã). Dilma não oferece essa solução demagógica e busca conciliar os investimentos no aparato policial com políticas de educação e oportunidades no mercado de trabalho para nossos adolescentes, sem incursionar pela criminalização da adolescência pobre. Um candidato que faça campanha com a bandeira da "redução da maioridade penal", como o fez Aécio Neves, sempre me terá como adversário. E olha que, ao longo desses últimos quatro anos, eu critiquei bastante o governo Dilma por não abrir a discussão sobre a legalização da maconha como elemento fundamental para o combate ao narcotráfico e a todos os seus males e por manter a política fracassada de "guerra às drogas" que vitima sobretudo a juventude pobre e majoritariamente negra das periferias do país. O governo do PT, apesar dos avanços em políticas sociais, ainda tem dívidas com esses jovens, eu reconheço; porém, não os trata como  únicos responsáveis pela criminalidade urbana - como o fazem Aécio e o PSDB ao defenderem a redução da maioridade penal como solução para a violência nas cidades (sim, porque é óbvio que Aécio e PSDB não estão pensando nos delitos praticados por adolescentes ricos e de classe média alta quando defendem essa proposta; estão pensando tão somente nos adolescentes pobres que ocupam o noticiário dos programas de tevê sensacionalistas).

2. Eu voto na Dilma porque o candidato a ministro da Fazenda de Aécio Neves, Armínio Fraga, representante do mais rançoso neoliberalismo, diz que o salário mínimo é "alto demais" e quer "ajustá-lo" e reduzir direitos dos trabalhadores. Contudo, mesmo votando na Dilma, não vou deixar de dizer que o salário mínimo atual não é o ideal (aquele sugerido pelo DIEESE e que deveria estar em R$ 2.862,73 para poder cobrir as necessidades básicas dos trabalhadores).

3. Eu voto na Dilma porque o Aécio tem, como aliados e cabos-eleitorais, os pastores fundamentalistas MAL-AFAIA, Everaldo e Feliciano, os deputados fascistas viúvas da ditadura que compõe a famiglia Bolsonaro e outros representantes da homofobia institucional e do ódio contra a população LGBT e as religiões de matriz africana. Estes encontraram, em Aécio, terreno muito mais fértil que em Dilma. Aliás, mesmo votando na Dilma, não me esqueço de que foram essas forças que, em seu primeiro governo, levou-a a recuos vergonhosos na garantia dos direitos das minorias sexuais e étnicas (Mas entendo que, se no governo Dilma, esses reacionários só pressionavam, garantindo recuos, num hipotético governo Aécio Neves eles vão determinar as políticas de exclusão e discriminatórias contra as minorias sexuais, religiosas e étnicas).Por isso, antes de declarar meu voto e dar meu apoio críticos a Dilma, cobrei, da presidenta, compromissos programáticos, que ela assumiu. E quando ela for eleita vou cobrar que sejam cumpridos. A política também se faz tensionando contra esses setores, que sempre tentarão manter o Brasil no atraso.

Paremos aqui.

Tem gente que acha que eu deveria ter passado o segundo turno das eleições fazendo as críticas que, como nos poucos exemplos acima citados, explicam por que eu estou num partido da oposição à esquerda. Diz: "Jean, você vai confundir teus eleitores, eles vão achar que o governo Dilma é uma maravilha". Eu respeito meus eleitores e respeito tod@s vocês que me acompanham nas redes sociais. Sei que vocês não são bobos! Sei que vocês acompanharam todas as críticas que eu fiz ao governo Dilma nesses quatro anos e sabem que as mantenho. Mas sabem também que não é o momento para insistir nelas. O que está em jogo amanhã é muito sério e precisamos nos unir para impedir que aconteça o retrocesso ultra-conservador e ultra-liberal que o programa de governo de

Aécio e seus aliados representam.

Se eu achasse que a eleição estaria definida e que o PT teria a vitória garantida, eu teria apenas declarado meu voto sem entrar na campanha. Mas eu sabia que nada estava dado. E o perigo de uma vitória do PSDB me fez ter a convicção de que eu seria muito irresponsável se não fizesse tudo o que eu fiz para ajudar a Dilma (e, em última instância, ajudar a nós mesmos que dependemos de um governo mais sensível aos vulneráveis pela pobreza, pela etnia, pelo gênero ou identidade de gênero, pela orientação sexual, pela religião que professa e/ou pela deficiência física e cognitiva que possui).
Eu voto na Dilma porque Aécio representa, nessa eleição, o desejo de revanche de um antipetismo doentio, fascista, classista, elitista, homofóbico, racista, macartista (e antes que me venham acusar de generalização, explico que não estou me referindo às pessoas que mantém críticas justas, intelectualmente honestas e pautadas no discernimento aos erros do PT -- eu mesmo sou uma dessas pessoas!). Refiro-me ao antipetismo dos que (como o próprio candidato no debate de ontem) não conseguem falar do Brasil sem referências a Cuba que parecem saídas do túnel do tempo, da época da guerra fria. Não: eu não estou dizendo que todos os eleitores do Aécio pensem assim. É óbvio que não. Mas esse é o núcleo conceitual de sua campanha, o que ele escolheu. E eu - por ser gay e de esquerda e por defender minorias - também aborreço esse antipetismo das elites brasileiras e sou alvo de seus ataques nas redes sociais, mesmo não sendo petista.

Embora tenha flertado com o PT na adolescência por causa do movimento pastoral da Igreja Católica, meu primeiro e único partido é o PSOL. Mas, por não carregar comigo a história dos companheiros de partido que tiveram que sair ou foram expulsos do PT,  eu não tenho rancor em relação ao petismo. Eu apenas escolhi outro caminho: o do PSOL, que não é o paraíso, mas se parece muito mais ao partido que eu quero (e espero sinceramente que o PSOL consiga superar esse complexo psicanalítico em relação ao PT e construir sua própria identidade, porque precisamos de uma esquerda dos novos tempos).

Eu não acredito que o futuro do Brasil, esse país com o qual sonhamos, vá nascer da eterna disputa entre PT e PSDB, que já deu o que tinha para dar. Mas também não acho que PT e PSDB sejam o mesmo. Não são. Há muito sofrimento, muita miséria, muita desigualdade e muitos direitos negados que os separam. Dilma e Aécio não são iguais, nem na política nem na história de vida. Por tudo isso vou votar na Dilma. E por tudo isso, a partir da segunda-feira, voltarei a exercer meu papel de oposição de esquerda e republicana, cobrando e tentando promover avanços e criticando e fazendo oposição aos retrocessos. É o que o PSOL sempre fez no Congresso e é para isso que eu fui votado.

Amem

 
Deus Nosso que estás em tudo, santificada seja a Vossa presença.

Venha à Nossa consciência o Vosso Reino.

Seja feita a Nossa vontade, assim no Brasil como em São Paulo.

O Respeito, a Fraternidade, e o Amor Nosso de cada dia nos dai hoje

Perdoai as Nossas ofensas e preconceitos assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e julgado preconceituosamente.

E não nos deixeis cair em tentação, como 1964, mas lembrai-nos que há uma Vida maior e mais bonita para além da daquela que lemos em jornais e vemos na televisão.

Amem

21 de outubro de 2014

Glenn Greenwald: Why privacy matters


O EXTRA ADMITE OPERADOR DE CAIXA

eu vou além
admito professor
grevista admito
estudante
protestante
vândalas min
orias admito
até a arrogância
(ânsia)
e a internet
(et)

só não admito a polícia
militar limitar militar
a democracia cia
a espionagem agem
a dura dita dura
dita do
jornal
na-cio-nal

o jornal o jornal
admite admite
tão mais
que eu ou
Extra
extra

Thiago Gallego

7 de outubro de 2014

Last Great American Whale



They say he didn't have an enemy
His was a greatness to behold
He was the last surviving progeny
The last one on this side of the world

He measured half a mile from tip to tail
Silver and black with powerful fins
They say he could split a mountain in two
That's how we got the Grand Canyon

Last Great American Whale
Last Great American Whale
Last Great American Whale
Last Great American Whale

Some say they saw him at the Great Lakes
Some say they saw him off the coast of Florida
My mother said she saw him in Chinatown
But you can't always trust your mother

Off the Carolinas the sun shines brightly in the day
The lighthouse glows ghostly there at night
The chief of a local tribe
Had killed a racist mayor's son
And he'd been on death row since 1958

The mayor's kid was a rowdy pig
Spit on Indians and lots worse
The old chief buried a hatchet in his head
Life compared to death for him seemed worse

The tribal brothers gathered in the lighthouse to sing
And tried to conjure up a storm or rain
The harbor parted
and the great whale sprang full up
And caused a huge tidal wave

The wave crushed the jail and freed the chief
The tribe let out a roar
The whites were drowned
The browns and reds set free
But sadly one thing more

Some local yokel member of the NRA
Kept a bazooka in his living room
And thinking he had the chief in his sight
Blew the whale's brains out
with a lead harpoon

Last Great American Whale
Last Great American Whale
Last Great American Whale
Last Great American Whale

Well Americans don't care for much of anything
Land and water the least
And animal life is low on the totem pole
with human life not worth more
Than infected yeast

Americans don't care too much for beauty
They'll shit in a river, dump battery acid in a stream
They'll watch dead rats wash up on the beach
and complain if they can't swim

They say things are done for the majority
Don't believe half of what you see,
And none of what you hear
It's a lot like what my painter friend Donald said to me
"Stick a fork in their ass and turn them over,
They're done

Lou Reed (New York-Album)

1 de outubro de 2014

A revolução do Ano



Algo se perdeu entre Cairo e Aleppo. Como seguir adiante se você não sabe como chegou lá? Um outro olhar sobre a Primavera Árabe e sobre os jovens por trás dela.

Festival do Rio

11 de setembro de 2014

Según los científicos el presente es una ilusión

Según los científicos el presente es una ilusión.
Nada es tan estable como para considerarse "presente".
En este momento la luz de nuestras pantallas tarda
una pequeña fracción de segundo en llegar a nosotros.
Todo llega a nuestra percepción con un pequeño retraso.
Entonces todo ocurre en el pasado.
El presente no existe.
Lo mas cercano al presente es lo que ocurre en nuestra mente,
y aún así existe una demora entre el pensamiento y la conciencia.
entre el sentir y el razonar.
Lo único que podemos hacer es tratar de aprovechar
el pasado más próximo
viviendo con más intensidad, pretensión y anhelo
de convertir cada instante en algo maravilloso.
Pero ¿de qué manera? ¿Cuál es el propósito? ¿Qué es desperdiciar el tiempo?
¿Cuál es nuestra misión en la tierra que justificaría nuestra existencia?
Las piedras se ríen de nosotros.

Antolín

esquina

havia um rumor silencioso
no abrupto do dia
diâmetros, diagonais, diários cansados
relatos são por demasiado exatos
não me interessam!
busco a esquina das palavras
lá onde o absurdo abisma o mundo
a noite
o precipício
e o princípio de tudo

Salvador Passos

es muy tarde y escribo poesía

es muy tarde y escribo poesía
no como un joven si no como un viejo poeta,
ancestral, de mil años.
ya no robo cosas de traducciones automáticas de google.
ahora ahondo en la profundidad de mi ser
buscando conceptos substanciales.
por ejemplo: seguro que hay sol mañana.
apuesto a que hay sol mañana.
pase lo que pase seguro que hay sol mañana.
sólo estoy a un día de distancia.

Antolín

8 de setembro de 2014

Años luz

Empiezo por la más obvia: ¿qué es poesía?
En teoría, la única ciencia que se ocupa del problema

Vicente Luy

14 de agosto de 2014

sede

ser a sede que não cede

Salvador Passos

o ônibus


De Paul Kirchner  O ilustrador norte-americano fez a série “The Bus” entre 1978 e 1985 para a revista de quadrinhos Heavy Metal, na qual publicava mensalmente. Nestas tiras, Paul inventa pequenas histórias envolvendo ônibus — sempre surrealistas e bastante existencialistas.

11 de agosto de 2014

achava

achava que poema
era por poesia na palavra
poema vem de antes
vem de dentro do não sei
se pega o dizer pela palavra
e se arranca novidades
amarrar silêncios não alcança
cansa mesmo
como aquele olhar que não atina as coisas

Raimundo Beato

7 de agosto de 2014

Febre do Rato - o poema Zizo



O satélite é a volta do mundo,
abismo de coisas medonhas,
pessoas que ladram seus sonhos,
enfeites de cores errantes...

Cálida vizinha e princesa
magra e sua sã loucura,
grita de alegria, subúrbio!

Chora de medo o planeta.
Medidas em saias bem curtas,
bonecas, ladrões, pernetas...

Mundo abismo, grande mundo.
Logo ali, por trás do mangue,
descansa a insônia,
a faca, o serrote, o sexo, o sangue


Abismo, mundo escuro
profundo buraco,
lateja o fardo de tuas ruas,
lateja o grito ruminante.

Gritos de "não", mundo e abismo.
Gritos de "não"!Para o meu abismo mundo.

Zizo

MONTE CASTELO



Ontem antes de dormir
Eu vi o “ônibus mágico”
Senti saudades do Alasca
Engraçado, eu nunca estive no Alasca,
A não ser através de mapas, livros, fotos, música, filmes,
E poesia.
 

1 de agosto de 2014

manchas

ler no solavanco das sílabas
o sinônimo ausente
o vento
o tempo
o esquecimento

poema é manchar a página com silêncios

Salvador Passos

31 de julho de 2014

Graffiti Dança



Melhor Animação Brasileira Anima Mundi pelo voto popular de São Paulo.

Na São Paulo do século XXI, personagens de graffiti dançam uma canção dos anos 1950.

29 de julho de 2014

PROCURADO!

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Mikhail Bakunin, considerado um dos fundadores do anarquismo, foi classificado como um “potencial suspeito” pela polícia carioca, que investiga manifestantes e ativistas



Da Revista Fórum

Reportagem publicada nesta segunda-feira (28) no jornal Folha de S. Paulo traz uma revelação no mínimo curiosa: o inquérito de mais de 2 mil páginas, produzido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que responsabiliza 23 pessoas pela organização de ações violentas em manifestações de rua, aponta o filósofo Mikhail Bakunin como um dos suspeitos. Morto em 1876, o russo é considerado um dos pais do anarquismo.

De acordo com a matéria, Bakunin foi citado por um manifestante em uma mensagem interceptada pela polícia. A partir daí, passou a ser classificado como um “potencial suspeito”. A professora Camila Jourdan, de 34 anos, uma das investigadas, menciona esse episódio para demonstrar a fragilidade do inquérito. “Do pouco que li, posso dizer que esse processo é uma obra de literatura fantástica de má qualidade”, descreve.

Essa não é a primeira vez que intelectuais já falecidos figuram em autos das autoridades brasileiras. Durante a ditadura militar, Karl Marx era um dos fichados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos principais órgãos de repressão aos movimentos políticos e sociais identificados como “subversivos”.

Jourdan ficou 13 dias presa no complexo penitenciário de Bangu, na zona oeste do Rio. Conhecida pela excelência acadêmica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o programa de pós-graduação em filosofia, ela diz sido alvo de uma invenção dos investigadores. “Existe uma necessidade de se fabricar líderes para essas manifestações. E quem se encaixa muito bem no papel de mentora intelectual? A professora universitária. Caiu como uma luva, entendeu?”, afirma.

Para contestar o “papel de liderança” que lhe foi atribuído pela polícia, a professora se vale das teorias do filósofo francês Michael Foucault. “Foucault diz que os intelectuais descobriram que as massas não precisam deles como interlocutores. Não tenho autoridade para falar sobre a opressão de ninguém. O movimento não precisa de mim para este papel”, declara.

Foto de capa: Wikicommons

28 de julho de 2014

punhal na rocha

cravei meu nome com punhal na rocha

(não havia sintaxe nas pedras
letra nas coisas
verbo nos ventos
mas uma vontade de poema 
nas lâminas do meu ser)

a noite escuta o ranger das horas
o arrastar das eras
o pingar das chuvas
o andar dos passos

os dentes cravam seu marfim descrente
nas auroras quentes

o enfim ausente explicar dos nomes
queda mudo

diante do TUDO

o espanto do mundo

Salvador Passos


Violência de direito

Os manifestantes tidos por “ilegítimos” ajudam a democracia a avançar. Direito e justiça nem sempre andam juntos 

 
por Vladmir Safatle publicado 27/07/2014
 

O cenário era previsível. Governos acuados por ondas de manifestações que parecem, por um momento, sair completamente do controle e atingir todos os partidos, imprensa e instituições respondem normalmente de maneira idêntica. Eles começam por afirmar existir manifestantes legítimos e ilegítimos. Os primeiros respeitam o Estado Democrático de Direito e estão lá para referendar a festa da democracia brasileira. Eles sairão às ruas, mas no fundo não devem ser ouvidos. Como se diz, quem está descontente que use o voto, mesmo se as eleições se transformaram, em grande parte, em um jogo viciado no qual uma partidocracia define as opções possíveis e associações escusas entre classe política e empresariado determinam quais dessas opções terão fôlego real.

Ou seja, afirmar que a melhor resposta é o voto tem, atualmente, algo de silêncio imposto. Escolhas limitadas não são escolhas reais. Se a classe política não se sentir pressionada até o limite a ouvir o que vem das ruas, a dar à insatisfação popular uma forma, ela simplesmente não ouvirá e nada fará. Pensem, por exemplo, no que aconteceu com as ditas reformas que circulavam no Congresso Nacional, depois das manifestações de junho. Em larga medida, elas desapareceram. 

No entanto, quem força até o limite a classe política são aqueles que os governos gostam de chamar de “manifestantes ilegítimos”, ou seja, esses que agem “fora do Estado Democrático de Direito”. Quando pacifistas impedem a circulação de armamentos, ecologistas vão à Rússia impedir navios de despejarem lixo no mar, quando grevistas fazem piquetes e camponeses invadem latifúndios, ouvimos sempre a mesma coisa: trata-se de criminosos que agem à margem do Estado Democrático de Direito, obrigando o Estado e sua polícia a tomar medidas violentas a fim de fazer respeitar a legalidade democrática. 

No entanto, são esses os que atuam à margem do Estado Democrático de Direito e que fazem a democracia avançar. Pois eles nos lembram que a democracia é o único regime que reconhece sua própria imperfeição e incompletude. Por isso, ela é o único que aceita que há momentos nos quais direito e Justiça se dissociam. Há uma violência que vem da urgência da necessidade de mudança. Por isso, ela é uma violência política.

Nesse exato momento, dezenas de manifestantes estão presos ou foragidos por se indignarem contra os gastos da Copa do Mundo, a miséria de nosso sistema político e o caráter lastimável de nossos serviços públicos. Segundo a polícia, eles preparavam um grande ataque, com direito a bombas, assassinatos de policiais, megadepredações, em suma, o caos.  Sim, a mesma polícia que mais tortura, da América Latina, que costuma fazer pessoas simplesmente desaparecerem na representação ontológica do nada (como o senhor Amarildo), que foi filmada infiltrando-se em manifestações a fim de insuflar violência, que ficou famosa pela mistura de ineficiência, truculência e barbarismo agora vem à imprensa dizer que descobriu um complô formado por advogados, professoras de Filosofia e ativistas para criar o mais fantástico ato terrorista da Nova República. Em seus inquéritos, ela acusa de “formação de quadrilha” pessoas que nem sequer se conheciam e faz apelo à vidência para afirmar que agiu de maneira preventiva para evitar o pior. As gravações telefônicas, ao menos as apresentadas pela imprensa, são de fragilidade aterradora.

O resultado são ativistas na cadeia, sem que em momento algum a população ouvisse suas versões, assim como uma advogada que pediu asilo político ao vizinho Uruguai. Que uma parte da população aplauda isso, dizendo que devemos ter braços firmes contra arruaceiros, eis algo nada surpreendente. São os mesmos que falavam as mesmas coisas na época da ditadura. E de nada adianta dizer que nossa situação não é ditatorial. Nem só ditaduras cometem atos de exceção. As democracias parlamentares têm uma zona cinzenta de suspensão da lei ou de torção da lei usada quando o poder se sente acuado. Que o digam Julian Assange e Edward Snowden. Já para quem chama de vândalos os que jogam pedras em vidraças de banco, eu diria: pior vândalo é quem funda bancos. Se esses vândalos que quebram a economia de países pagassem por seus crimes, certamente não haveria hoje aqueles que quebram vidraças. A resposta a essas pessoas que agem de maneira cada vez mais violenta é a política, não a polícia.

Deslimites


A menina apareceu grávida de um gavião.
Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou.
A mãe disse: Você vai parir uma árvore para a gente comer goiaba nela.
E comeram goiaba.
Naquele tempo de dantes não havia limites para ser.
Se a gente encostava em ser ave ganhava o poder de alçar.
Se a gente falasse a partir de um córrego a gente pegava murmúrios.
Não havia comportamento de estar.
Urubus conversavam sobre auroras.
Pessoas viravam árvore.
Pedras viravam rouxinóis.
Depois veio a ordem das coisas e as pedras têm que rolar seu destino de pedra para o resto dos tempos.
Só as palavras não foram castigadas com a ordem natural das coisas.
As palavras continuam com os seus deslimites.


Manoel de Barros

16 de julho de 2014

lêleminski


Alvaro Andrade

Do exercício subversivo de brincar

Documentário de Cacau Rhoden faz corajoso elogio da infância e brincadeira, esquecendo-se talvez de debater processos sociais que tornam mundo bem menos alegre



Por Deni Rubbo | Imagem: Banksy

Ouça um bom conselho que vai de graça: hoje, amanhã, ou por esses dias, não se acanhe de selecionar uma foto que você mais gosta de quando era criança guardada na sala ou naquele armário empoeirado. Preferencialmente uma foto que vai rememorar aquela criança viva, ativa, sorridente, brincalhona, lúdica que você foi. Olhe para ela e faça as seguintes perguntas: como ela está e por onde ela está? Caso não tiver coragem, não se preocupe, a foto perguntará para você. A possibilidade de nos assustarmos é altíssima. E de repensarmos algumas coisas também.

Esse sábio conselho aparece em um dos trechos do sensível e delicado documentário Tarja Branca – A revolução que faltava, dirigido por Cacau Rhoden. Produzido pela Maria Farinha Filmes, que possui em sua bagagem documentários sobre a infância como Muito Além do Peso (2012) e Criança, a alma do negócio (2008), ambos de Estela Rennel, Tarja Branca é um incrível manifesto pelo direito de brincar da criança. Isso mesmo. Se nos documentários precedentes a criança fora relacionada especificamente aos problemas de saúde e marcas de publicidade, agora está latente a hipótese de que a brincadeira das crianças está em crise. Brincar tornou-se um ato perigoso. Esconde-esconde, pega-pega, empinar pipa, pular corda, e os versos da canção “Doze anos”, de Chico Buarque, da “Bola de meia, bola de gude”, de Milton Nascimento e de “Moleque”, de Gonzaguinha, estão tornando-se cada vez mais ausentes em nossa sociedade.

O maior recheio do filme está nas entrevistas que moldam um determinado discurso, preparam uma defesa para o tema proposto. Pessoas de profissões das mais diferentes funções, pedagogos, artistas, humoristas, psicólogos etc. misturam depoimentos pessoais com análises distintas e instigantes.
Todos parecem concordar que o brincar é a atividade raiz da infância. Trata-se de uma atividade soberba porque expressa a plenitude, a expansão, a liberdade, a unidade. É a primeira maneira de se ligação com o mundo social. Ela é, segundo um dos entrevistados, aquela água subterrânea que percorre todo o rio da vida que bebemos e de que dependemos.

A proposta também escora-se nos adultos. Deve-se – por necessidade – resgatar a criança dentro de cada adulto. Não é uma tarefa simples, como procurar numa caixa velha uma ferramenta perdida, pois, na maior parte das vezes, nem percebemos o quanto no tornamos sérios demais e ocupados demais para brincar não somente com os outros, mas com nós mesmos. Concluímos, ainda, nos anais da vã filosofia sobre “maturidade adulta”, que seriedade é sinônimo de competência e que brincadeira é sinônimo de imperfeição. A primeira é profissional e eficaz, enquanto a segunda é imprudente e desnecessária. Porém, não se trata de regressar ao estado infantil, de deixar que subam passivamente os vapores das saudades, mas de recompor o lugar e o momento dessas condutas perdidas.

Quantas vezes crianças não ouvem dos adultos que “hoje não dá, filho, estou ocupado”, “hoje não dá, filha, estou com muita pressa” ou “estou muito cansado”.

Mas não nos esqueçamos de algo fundamental: a pressa, a ocupação, o cansaço não são apenas frutos da disposição individual de cada um, mas de circunstâncias sociais e históricas precisas. Assim, em Tarja Branca, às vezes fica a sensação de que basta que cada pessoa olhe para a criança que está dentro de si e aflore espontaneamente o universo lúdico da qual estava tolhida. Afinal, trabalha-se doze, dez, oito horas por dia, porque as contas chegam, enfrenta-se diariamente trânsito crônico, além de todos os outros deveres do cotidiano. Então, nesse contexto, quais as condições da criança (re)nascer no adulto? O aborto dia a dia dessa criança não é feito pela escolha do adulto, mas por circunstâncias que ele se defronta diretamente.

Para recuperar o lúdico na vida cotidiana é preciso lutar contra um processo histórico específico que trocou a brincadeira artesanal, autêntica, pelos shoppings centers e consumos de eletrônicos. É preciso também de ideias, critérios e perguntas radicalmente diferentes do que os slogans da sociedade moderna invoca o tempo todo. A começar, por exemplo, pela redução drástica do tempo de trabalho obrigatório e a mudança da própria noção de trabalho. Trocando em miúdos, não poderá haver completo desenvolvimento individual do “tempo livre” enquanto o trabalhador permanecer alienado e mutilado no trabalho. Sair em defesa da “tarja branca”, portanto, é também atacar de frente os imperativos da “tarja preta”. E o documentário apenas flerta com esse exercício. No entanto, é indiscutível sua resistência, em muitas falas e imagens, na ligação com a cultura popular, até porque as tônicas dos discursos no filme não são homogêneas.

Brigar politicamente para brincar socialmente. Sem isso ficamos um pouco ingênuos; e com isso ficamos com uma esperança crítica, que sempre renasce à luz das provas históricas. Assim, o peão, a bola de meia, a rua, a dança na chuva, estão do lado da trincheira da transformação social. Daí, o direito de brincar das crianças (e das crianças nos adultos) figura como naqueles versos de Carlos Drummond de Andrade: “vence o tédio, ilumina o dia e instaura em nossa natureza a imperecível alegria”. Ah, leitor, por favor, não se esqueça: da gaveta, do álbum, da foto e das perguntas.

3 de julho de 2014

Paisagem para Anna Akhmátova

O corpo, ainda corpo,
sabe de cor
a dor. Dizer adeus,
carpir, esconder,
bater palavras contra o muro.
Ruas de São Petersburgo
sob a neblina – o corpo
sabe de cor
onde se morre.
Mas, por entre o estridor
de soldados e funcionários,
cava uma saída:
o próximo poema
(promessa de delicadeza e silêncio)
– ouve cantar uma cereja. 
 
Eucanaã Ferraz

Quem disse que a poesia é apenas agreste avena?

Quem disse que a poesia é apenas
agreste avena?
A poesia é a eterna Tomada da Bastilha
o eterno querba-quebra
o enforcar de judas, executivos e catedráticos em todas
[as esquinas
e,
a um ruflar poderoso de asas,
entre cortinas incendiadas,
os Anjos do Senhor estuprando as mais belas filhas
[dos mortais...
Deles, nascem os poetas.
Não todos... Os legítimos
espúrios:
um Rimbaud, um Poe, um Cruz e Souza...

(Rege-os, misteriosamente, o décimo-terceiro signo do
[Zodíaco.)

Mário Quintana

2 de julho de 2014

Conversation with a Stone


Conversation with a Stone, By Wislawa Szymborska

translated from the Polish by Stanislaw Baranczak and Clare Cavanagh

I knock at the stone's front door
"It's only me, let me come in.
I want to enter your insides,
have a look around,
breathe my fill of you."
"Go away," says the stone.
"I'm shut tight.
Even if you break me to pieces,
we'll all still be closed.
You can grind us to sand,
we still won't let you in."
I knock at the stone's front door.
"It's only me, let me come in.
I've come out of pure curiosity.
Only life can quench it.
I mean to stroll through your palace,
then go calling on a leaf, a drop of water.
I don't have much time.
My mortality should touch you."
"I'm made of stone," says the stone.
"And must therefore keep a straight face.
Go away.
I don't have the muscles to laugh."
I knock at the stone's front door.
"It's only me, let me come in.
I hear you have great empty halls inside you,
unseen, their beauty in vain,
soundless, not echoing anyone's steps.
Admit you don't know them well yourself.
"Great and empty, true enough," says the stone,
"but there isn't any room.
Beautiful, perhaps, but not to the taste
of your poor senses.
You may get to know me but you'll never know me through.
My whole surface is turned toward you,
all my insides turned away."
I knock at the stone's front door.
"It's only me, let me come in.
I don't seek refuge for eternity.
I'm not unhappy.
I'm not homeless.
My world is worth returning to.
I'll enter and exit empty-handed.
And my proof I was there
will be only words,
which no one will believe."
"You shall not enter," says the stone.
"You lack the sense of taking part.
No other sense can make up for your missing sense of taking part.
Even sight heightened to become all-seeing
will do you no good without a sense of taking part.
You shall not enter, you have only a sense of what that sense should be,
only its seed, imagination."
I knock at the stone's front door.
"It's only me, let me come in.
I haven't got two thousand centuries,
so let me come under your roof."
"If you don't believe me," says the stone,
"just ask the leaf, it will tell you the same.
Ask a drop of water, it will say what the leaf has said.
And, finally, ask a hair from your own head.
I am bursting from laughter, yes, laughter, vast laughter,
although I don't know how to laugh."
I knock at the stone's front door.
"It's only me, let me come in.
"I don't have a door," says the stone.

The Onion

The Onion, by Wisława Szymborska

Translated by Stanislaw Baranczak and Clare Cavanagh

the onion, now that’s something else
its innards don’t exist
nothing but pure onionhood
fills this devout onionist
oniony on the inside
onionesque it appears
it follows its own daimonion
without our human tears
our skin is just a coverup
for the land where none dare to go
an internal inferno
the anathema of anatomy
in an onion there’s only onion
from its top to it’s toe
onionymous monomania
unanimous omninudity
at peace, at peace
internally at rest
inside it, there’s a smaller one
of undiminished worth
the second holds a third one
the third contains a fourth
a centripetal fugue
polypony compressed
nature’s rotundest tummy
its greatest success story
the onion drapes itself in it’s
own aureoles of glory
we hold veins, nerves, and fat
secretions’ secret sections
not for us such idiotic
onionoid perfections

27 de junho de 2014

Quem


Quem diante do amor
ousa falar do Inferno?

 
Quem diante do Inferno
ousa falar do Amor?

 
Ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama de Baudelaire


Isabel Câmara

26 de junho de 2014

rumores

há um espanto dentro dos rumores esquecidos das palavras
um lugar onde as palavras deixam de ser coisas que dizem coisas
para se tornarem um bater de asas
pelos ares do nada

Salvador Passos

Ludismo

Quebrar o brinquedo
é mais divertido.

As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.

Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.

E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.

Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.

Orides Fontela

24 de junho de 2014

Não me Venham com Metafísicas


o corpo e a matéria em prosa
aqui e agora
nada de primeiros motores
nada de supremos valores
isso fica para os filhos da pátria
nem francisco de assis nem santa teresinha
amai-vos uns sobre os outros
nada de temores e tremores
nem de noite escura da alma
a prosa é preferível
"sei de um estilo penetrante
como a ponta de um estilete". flaubert
é só isso

Sebastião Uchoa Leite

20 de junho de 2014

Surpresa: uma tecnologia contra o capitalismo?



Multiplicam-se ferramentas que libertam seres humanos das empresas, ao permitir que produzam em colaboração direta. Quais são? Como sistema tenta sabotá-las?

Por Ricardo Abramovay*

Resenha de The Zero Marginal Cost Society- The Internet Things, the Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism ["A Sociedade de Custo Marginal Zero: a Internet das coisas. os Commons Colaborativos e o Eclipse do Capitalismo" , de Jeremy Rifkin. Palgrave MacMillan. 368 págs., US$ 20,97

O livro de Jeremy Rifkin é uma ambiciosa tentativa de formular nova narrativa para a utopia que desabou junto com o muro de Berlim, em 1989. Sua profecia mais ousada é que o capitalismo entrará em irreversível declínio ao longo das próximas três décadas. Ele não será substituído por aquilo que costuma ser considerado seu oposto, ou seja, a propriedade estatal dos grandes meios de produção e troca, orientada pelo planejamento central.

Seu declínio não passará tampouco por mãos hostis, por processos de expropriação ou por eventos épicos como a tomada do Palácio de Inverno. Na verdade, o eclipse do capitalismo já está desenhado e decorrerá do avanço simultâneo da 00 e da economia colaborativa.

Não se trata de fé ingênua no poder da técnica: a ampliação das oportunidades de oferecer bens e serviços a partir da cooperação direta entre as pessoas (e cada vez menos, do mercado) depende do fortalecimento da sociedade civil e esbarra na gigantesca força dos interesses que procuram sempre limitar o alcance dos bens comuns (os commons, em inglês). Mas, diferentemente de qualquer época precedente, a produção e o uso de bens comuns conta agora com dispositivos cada vez mais poderosos. É nessa unidade entre a cooperação social e as mídias digitais que está a base para uma sociedade moderna, inovadora, colaborativa e descentralizada, funcionamento não se apoia nem nos mercados, nem na busca individual do lucro.

Jeremy Rifkin é professor de uma das mais prestigiosas escolas de gestão dos Estados Unidos, a Wharton. Além disso, é consultor de vários governos europeus e empresas globais. Como tantos outros intelectuais americanos, adotou postura crítica com relação ao papel das finanças na crise de 2008, apoiando o Occupy Wall Street. O mais intrigante neste seu último trabalho está no título: custo marginal zero é uma espécie de quadratura do círculo para a sabedoria econômica convencional. De fato, as primeiras páginas dos manuais ensinam que a natureza econômica dos bens e dos serviços deriva de sua escassez. É por serem escassos que os produtos são alocados por meio dos preços. A abundância generalizada (como bem o observaram, mesmo que sob enfoques diferentes, Marx, Stuart Mill e Keynes) conduziria a uma organização social com mecanismos totalmente diferentes dos que marcam a civilização atual.

140515-RifkinA era digital está abrindo caminho a uma economia da abundância. Isso não quer dizer, claro, que produzir matérias-primas minerais e agrícolas não custe nada, que os serviços ecossistêmicos sejam ilimitados ou que se tenha abolido a lei da entropia. Mas é cada vez maior o leque de bens e serviços da economia da abundância.
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Aquilo que hoje se encontra gratuitamente no YouTube e na Wikipedia só podia ser oferecido, duas décadas atrás, por uma típica economia da escassez: o consumidor era obrigado a comprar um disco, pagar pela leitura do jornal ou adquirir uma enciclopédia para obter utilidades hoje disponíveis de graça. A própria educação é e será cada vez mais apoiada em mídias digitais, como já mostram os seis milhões de estudantes, de todo o mundo, inscritos em cursos abertos, on-line, das melhores universidades americanas.

A grande novidade do século XXI é que essa revolução virtual já atinge a energia e o mundo material. Passou dos bits aos átomos. E aqui reside o extraordinário potencial transformador da internet das coisas. Ela é um tripé, formado pela unidade entre a internet das comunicações, a internet da energia e a internet da logística.

No campo da energia, a grande novidade não está apenas no caráter exponencial do crescimento das renováveis – sobretudo, da solar, cuja capacidade instalada vem dobrando anualmente nos últimos 20 anos. O mais importante tampouco é o avanço das eólicas, cujas turbinas são hoje mil vezes mais produtivas que em 1990. O fundamental é que esses avanços são acompanhados por uma radical descentralização: na Alemanha, 70% da energia renovável se originam em dispositivos instalados nas residências, nas oficinas ou nas fazendas. Em matéria de energia, os alemães serão não só, cada vez mais, consumidores, mas produtores de renováveis, ou, como diz Rifkin, “prossumidores”. Tanto mais que os próprios bens de consumo (dos eletrodomésticos aos automóveis) serão também dotados do poder de comunicar-se de forma inteligente, consumindo energias nos momentos de menor demanda e, muitas vezes, transmitindo energia para a rede.

O tripé da economia da abundância se completa com dispositivos como a impressora em três dimensões e as máquinas de corte a laser que permitem realizar numa escala local, individual, customizada e com imensa eficiência, aquilo que, até aqui, só era concebível como resultado da grande indústria. Se o sucedâneo da manufatura é a grande indústria, esta será substituída pelo que Rifkin batizou de “microinfofatura”. É um conjunto de técnicas e oportunidades que abrem caminho não só a uma extraordinária economia de recursos, mas a mudanças fundamentais nas bases sociais da oferta de bens e serviços.

Rifkin chega a dizer que a produção de massas dará lugar à produção pelas massas, numa espécie de recuperação dos ideais ghandianos de autoprodução e independência, mas sob condições técnicas que permitem competir com o que, até aqui, só era possível em virtude da grande indústria e da gigantesca concentração de poder que lhe é correlativa. Os prossumidores serão protagonistas decisivos não só na oferta de informação e de energia, mas também de bens materiais. É o que forma a infraestrutura de uma sociedade orientada pela produção e pelo uso de bens comuns.

Rifkin não deixa de mencionar, é claro, o imenso poder hoje em mãos dos gigantes que dominam a própria revolução digital. Mas a cultura do acesso aberto a inovações e a velocidade do avanço da tríade em que se apoia a internet das coisas abrem vias tão novas e promissoras para a cooperação social direta e para a valorização dos bens comuns que tornam persuasiva a ideia de que o capitalismo possa estar a caminho de seu eclipse.


* Publicado no Valor Econômico em 13/5/14.