A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

20 de fevereiro de 2017

mar de nomes 2

há janelas que acenam com imagens cruas
entre vértebras oxidadas
tvs abandonadas
vozes mudas
movendo suas bocas
num imenso corpo de concreto

reverbera
a cidade
que se perde aos poucos
um navio que aderna no horizonte
a memória que escorre nas palavras

perco a tarde entre os prédios
aço de janelas cegas
sol que solda as horas mortas
arde a tarde entre os carros
arde a vida nas entranhas das palavras
entre as letras
desaba o silêncio
o mar de nomes  no intervalo da cidade
ossos escavados na areia
nas calçadas

nas paredes da cidade sonolenta
o eterno espanto das palavras

Salvador Passos

8 de fevereiro de 2017

ofiuco (parábola do artesão)

"o som- bolhas na superfície do silêncio"
                                              John Cage

segure a serpente
nas palmas abertas
de suas mãos

ouça
através do silêncio
onde seu corpo
pede apoio
       (canção de músculos,
         fibras, vibração)

para que ela
não se volte
contra você

Sergio Cohn

99 TESES

1 O homem é um carnívoro se experimentando
2 O homem é um mamífero
3 O universo é o Messias
4 A criatura, um ser
5 Um ser é politeísmo
6 Os 27 sentidos são extrusões do messias
7 Os sentidos são deuses & deusas
8 O mamífero e a estrela são iguais
9 As estrelas são gás
10 As galáxias são um líquido
11 Qualquer vida é uma escultura de carne liberta do tempo, espaço & dimensão
12 Esta sociedade é uma gaiola para o mamífero
13 Todas as criaturas de asas, barbatanas, pelo, tentáculo, protoplasma – são iguais
14 O panda é um pavão
15 O homem é um panda
16 O salmão é um homem
17 O lobo canta
18 Carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, enxofre
19 A estrela é um sol
20 Crianças são livres
21 O corpo é uma criança
22 O teísmo nega o Messias
23 O corpo fisiológico é puro espírito
24 Cada eu são muitos
25 As extensões invisíveis externas são tão complexas quanto as extensões visíveis internas
26 O sensorium, a memória e os genes – são constelações
27 Todas as constelações são uma
28 Vida jorra
29 Extinção é uma aparência
30 O leopardo-da-neve é uma larva de elfo
31 A terra é um leopardo-da-neve
32Vida é complexidade topológica
33 Riqueza é energia
34 Eletrônica deriva desta estrela
35 Não há iteligência mas inteligências
36 Crueldade, tortura, egoísmo, vaidade – são maçantes
37 Qualquer mamífero merece
38 O bicho-preguiça e a águia são iguais – o homem é igual do mesmo modo
39 Há, e não há, moléculas e átomos
40 Apenas os Eus podem domesticar o auto-domesticado
41 Homem e cachorro são auto-domesticados
42 O homem alimenta pumas selvagens para serem cães, e baleias para serem gatos
43 O ouriço-do-mar é um grande filósofo
44 Platão equivale a Charlie Chaplin – Jesus é Anacreonte
45 Dinheiro é divertido
46 O dólar é um colar
47 O trevo é uma criatura
48 Há água suficiente para todos que devem existir
49 Tudo é natural
50 Razão é beleza
51 Carne é pensamento
52 Os gregos foram os últimos a consagrarem os sentidos
53 Monotonia é loucura
54 A fronteira é externa
55 A fronteira é interna
56 Vida começa com espiralar-se – moléculas & nebulosas
57Religião, materialismo, política, progresso, tecnologia – são evangelismos
58 Evangelismos são proliferações de monotonias
59 Revolução é sentimento
60 Revolta é biológica
61 A luz na ponta de seu dedo é estelar
62 Proporção como mensuração é falsidade
63 O homem negro não é o rosa nem o amarelo – são mamíferos
64 Desconfie do político ou pregador que possa delinear um Messias
65 Nações são falsas divisões de continentes
66 Cidades são redemoinhos de população
67 É natural se afogar em cidades – é natural nadar em ondas
68 Há uma linguagem – gesto, voz & vibração do corpo
69 A juventude é massacrada quando se eleva ou se abre
70 O corpo é terra de elfos
71 A criança é um bode expiatório – é usada para a guerra
72 Vida não é repouso mas ação
73 Luz & escuridão são divisões arbitrárias
74 O punho é real – a arma de fogo, a bomba, o napalm são fantasias da comunicação
75 Propaganda é narcose
76 A população é um vício
77 O amor só pode ser feito, ou inventado, com carne
78 Prisões e tribunais são monotonia
79 Guerra é uma só cor
80 O salgueiro, a madeira vermelha, a borboleta – são florações
81 A loucura é temporária e natural
82 Onde o corpo está – lá estão todas as coisas
83 A alma é maçante – o espírito voa
84 O grilo é um guerreiro e Deus da música
85 O falcão é um conhecido íntimo e passageiro
86 Qualquer grupo sexual é aparentemente natural
87 A limpeza é indefinível e natural como a sujeira
88 Drogas são breves alquimias
89 Moral é vigor
90 A criatura jovem é ágil
91 A velha é forte
92 Sabedoria, memória, imaginação são sensoriais – constelações de carne intelectiva
93 Moderação deriva da multiplicidade de experiências
94 O agora suga
95 Passado, presente, futuro e dimensão – são um campo de equilíbrio
96 Sorte é uma criação da carne
97 Sorte e carne são divinas
98 O olho e a língua são um campo de criaturas
99 Carne é uma caverna móvel de ar sólido

MCCLURE, Michael. A nova visão: de Blake aos beats. Rio de Janeiro: Azougue, 2005. p. 221-224.