A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

26 de julho de 2016

ainda restam os vira latas

engrenagens do distante sonho enferrujado
letras que soletram solavancos soltos 
de um soluço sem sentido
rodas de um relógio preso
já sem cordas 
no fundo do relógio: a morte
Cortázar ensina como ver um outro tempo começar
o tempo de outro rito
contra o hábito automático que habita o mundo máquina,
com seu tempo de cães domesticados

ainda há tempo para um  último poema
ainda há tempo para a congregação dos vira-latas dispersos
no fundo do relógio agora vejo,
a aproximação do Coiote

Salvador Passos

8 de julho de 2016

o centro do furacão

Gosto das rachaduras
na faixada dos prédios.

Das raízes da
árvore que destrói
a calçada.

Das pichações
atrás do banco do ônibus.

Gosto do adesivo
de prioridade que
descola da parede
opaca do metrô.

Da boca do lixo
e do bueiro entupido.

Do chiclete preso
ao mundo subversivo
embaixo da mesa de centro.

Gosto do centro oculto da Terra.
Gosto do centro oculto do outro.
Gosto do centro oculto do Centro
nos finais de semana.

Dos seus olhos
          das suas rugas
          dos seus pelos
cabelos desgrenhados
          dos seus gritos
          espirros
conversas aleatórias.

Até mesmo do cochicho daqueles
que hão de me empurrar
os ombros para trás
como uma onda de carne e ar
que me impede o futuro.

Escrevo sobre a cidade
porque não conheço o paraíso.

A parte mais calma do furacão

é o lado de dentro.

6 de julho de 2016

aquários

passo a noite escutando estrelas
rastreando nas janelas
a estática das TVs abandonadas
com suas bocas mudas se mexendo
como os peixes num aquário duplo:
1) as Tvs
2) seus donos

ambos ruminando meus poemas cegos

Salvador Passos

labirintos

minotauros mancos salivando pelos cantos sem seus labirintos
ícaros cabisbaixos recolhendo as asas do voar distante 

Salvador Passos

ar que range em meus pulmões cansados

ar que range em meus pulmões cansados
o frio das falências rasga os sonhos

mar que engole teu sorriso
e o siso do teu plano
risco no papel sem pauta
carta aberta que se perde na distante fuga do horizonte

tardes longas de olhar janelas
anotar palavras ralas
no papel deserto de amarrar poemas

as cortinas já não abafam o medo
ou sou eu que já não saio de quem sou

Salvador Passos



4 de julho de 2016

Esconderijo



Estas são palavras que eu não
deveria dizer

palavras que ninguém
deveria ouvir

que elas permanecessem no silêncio
de onde vêm

no fundo escuro da língua
cheio de doçura e ruídos

com o ranço informulado
dos segredos

por via das dúvidas escondi-as aqui
neste poema
onde ninguém as vai encontrar 

Ana Martins Marques



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