Não adianta tentar se destinguir
raça, riqueza, nação, deuses,
hábitos ordinários e ancestrais
quando a água invadir
todos terão que nadar.
Pedro Lago
Não adianta tentar se destinguir
raça, riqueza, nação, deuses,
hábitos ordinários e ancestrais
quando a água invadir
todos terão que nadar.
Pedro Lago
escrever é ser assaltado
e manter o sangue frio
ou fazê-lo ferver, borbulhar e correr
nas frias treliças metálicas
do concreto armado
escrever um poema é costurar
gotas
de suor ou lágrimas
tecer uma longa colcha de ondas
sobre sonhos profundos
ou subir na espiral dos sons
de uma escada cujos degraus
são as notar de uma canção oca
e ascender
através das nuvens evaporadas
rumo ao sol
ao céu
ao nada
Lucas Nicolato
Todos os poemas
são de amor.
Pela rima,
pelo ritmo,
pelo brilho
ou por alguém,
alguma coisa
que passava
na hora
em que a vida
virava palavra.
Alice Ruiz
a boca não fala
o ser (que está fora
de toda linguagem):
só o ser diz o ser
a folha diz folha
sem nada dizer
o poema não diz
o que a coisa é
mas diz outra coisa
que a coisa quer ser
pois nada se basta
contente de si
o poeta empresta
às coisas
sua voz - dialeto -
e o mundo
no poema
se sonha
completo
Ferreira Gullar
Inútil escrutar tan alto cielo
inútil cosmonauta el que no sabe
el nombre de las cosas que le ignoran
el color del dolor que no le mata
inútil cosmonauta
el que contempla estrellas
para no ver las ratas
Manuel Vázquez Montalbán
"Mamãe lia a sorte no açúcar" (2012), HDV, Stereo, 4:35.
Conceito e texto: Victor Heringer. Música: Victor Heringer.
Trechos de comerciais, declarações de jogadores de futebol e pastores a respeito de sonhos vs. Allen Ginsberg lendo "A tempestade" de Shakespeare.
Vídeo: Victor Heringer. Trechos de "The GOES-O weather satellite launches aboard a United Launch Alliance Delta IV rocket" (NASA, 2009) e "Carnival" (Bud Gamble, data desconhecida), ambos em domínio público.
Notas:
1) "O homem tem todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo do que pensa, mas, por outro lado, tem razão em prolongar essa tragicomédia, nem que seja por distração ou por vício" (Cioran, 1990)
2) Meus mais sinceros agradecimentos ao senhor Anônimo que subiu a escada branca para o azul belamente vestido de azul e branco.
3) O ruído da palavra "sonho" que se ouve no vídeo é, de fato, a palavra "sonho" lida por um programa de conversão de pixels em sons.
Este vídeo faz parte da série "Arquespélago" (2012). http://automatografo.org
o nome é o esconderijo perfeito
um labirinto onde perdemos a identidade
dentro de um nome não precisamos saber quem somos
quando ouvimos alguém pronuncia-lo
basta mecanicamente responder: "eu"
Salvador Passos
1. O texto
Então passei pelo tradutor automático isto que aqui vai
Como se fosse toda a minha vida
(toda nossa vida)
Comecei com línguas mais nossas conhecidas:
francês espanhol italiano inglês alemão
Depois passei para romeno filipino basco mongol
letão sérvio malaio
Como se as palavras viajassem
(como se viajássemos)
Até voltar ao português.
Toda a minha vida.
Como se viajasse por línguas
para saber o que sobra.
Para saber o que se suporta.
Para testar (o que fica de nós depois da volta?)
2. A tradução final
Nós viemos aqui como um controlador automático.
Como isso afeta a minha vida?
(ao longo de nossas vidas).
Começamos em uma linguagem comum.
Francês Espanhol Italiano Alemão
Então eu deixei Romeno Filipino Basco Mongol
Letão Sérvio Malaio.
Parece que esta viagem está sendo executada
(Viagem)
De volta a Portugal.
Tudo a vida.
Como ir em uma língua estrangeira?
Do acima.
Saiba o que é o jogo.
Volte para nós.
Eucanaã Ferraz
Cuando juego con mi hijo
Con sus lanzas i escudos
Y sus caballos
imaginarios
Yo tanbién me transformo
Por instantes me olvido
Del sufrimiento
Y del cuerpo
Dejo que la ficción
Me atraviese por completo
Y me siento un poco
Como Sancho Panza
En posesión de su ínsula
Aunque al final de la jornada
También como a Sancho
Me ataca la melancolía
Al pensar que mi hijo
Un día
Se levantará de su cama
Y no será más
Don Quijote
Sino
Alonso Quijano.
Rafael Gutiérrez
E o livro de poesias infantis que você fez com seu filho, O futebol dos animais?
Foi uma delícia. Eu sempre falo que a experiência de ter um filho, para um poeta, é inacreditável. Você aprende a ver a construção da linguagem, a construção radical da linguagem. Eu lembro que meu filho, ainda muito pequeno, quando ainda não falava, começou a sacar algumas coisas. Daí ele tinha uma crise de pânico, e apontava para terríveis monstros. E então eu falava “Formiga”, e ele se acalmava. Quer dizer, se aquilo tinha um nome, estava num ambiente doméstico para ele. Era só falar o nome que ele se acalmava, E isso é uma construção de linguagem incrível! Pensar o que tem por trás disso, para entender a força da linguagem, a força da poesia, a importância da linguagem para nós é maravilhosa. Essa capacidade, para criança, de saber que se tem nome está dentro de um espaço reconhecido, doméstico, não perigoso. Se não há nome há um perigo ali. Vivenciar isso, e outras experiências com a criança, é uma experiência muito rica para um poeta.
Eu lembro de uma outra experiência forte do Leo. Ele ainda pequeno, dormindo, e eu dormindo numa cama perto dele, quando ele acordou e falou “pai, como chama aquele bicho”, perguntou. “Aquele, pai, que a gente viu agora, com as madeiras nas costas”. Eu digo “você sonhou com ele”. E ele, atônito: “Então, pai, você não pode ver os meus sonhos?”. E sentado, com as pernas cruzadas, fica longamente olhando o vazio. Tentando absorver aquela informação básica de que tinha uma coisa que era só dele, que eram os sonhos. Foi então que percebi que a individualidade e solidão nascem juntas.
A gente esquece disso. Na cabeça dele tudo era compartilhado, inclusive os sonhos. De repente ele vê uma individualidade, numa solidão. Ele descobriu que existia um espaço que era só dele, a cabeça, onde tinha os sonhos. A compreensão disso, que para gente já é tão naturalizado, para ele é uma ruptura de todo seu universo conhecido. Então ter filhos é uma grande experiência para se pensar o mundo, e desnaturalizar coisas nossas.
Fazer o livro passou por isso, por essas experiências, de brincar com as palavras, de descobrir como ele brinca com as palavras, as reações dele com essas brincadeiras, com a poesia.
Trecho de uma Entrevista retirada do Livro: A Reflexão Atuante -Ensaios interventivos e entrevistas – Sergio Cohn
No deserto você anseia por árvores, não apenas por causa da sombra , mas também porque elas se erguem em direção ao universo. Quando o chão é totalmente plano, o céu torna-se mais baixo. As árvores erguem o céu, porque são imensas e encontram-se longe. As árvores criam o espaço. E assim criam também o universo.
Sven Lindqvist