A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

21 de novembro de 2024

Não adianta tentar se destinguir

 Não adianta tentar se destinguir 

raça, riqueza, nação, deuses,

hábitos ordinários e ancestrais 


quando a água invadir

todos terão que nadar.

Pedro Lago


11 de novembro de 2024

Arte do Poeta

 escrever é ser assaltado

e manter o sangue frio

ou fazê-lo ferver, borbulhar e correr

nas frias treliças metálicas

do concreto armado

 

escrever um poema é costurar

gotas

de suor ou lágrimas

tecer uma longa colcha de ondas

sobre sonhos profundos

 ou subir na espiral dos sons

de uma escada cujos degraus

são as notar de uma canção oca

e ascender

através das nuvens evaporadas

rumo ao sol

ao céu

ao nada

 

Lucas Nicolato

29 de outubro de 2024

XXII

 

Mundos esferas
Sangue passando por veias
Diluição da vida cotidiana
Nada impede o sortilégio
Trens noturnos, estação sob forte neblina
Impossível dizer se embarco
Tudo dependerá de minha fecunda imaginação
E do gosto exagerado pelo real mais erradio.
Improviso com a metade do que me foi dado ler
Assim um drama
Palavras olham para fora
Limite possível e improvável da significação
Andarilhas perdidas no caminho do sagrado
Bolhas ardentes nas solas dos pés.

Ana Chiara


Sim

 

Todos os poemas

são de amor.

Pela rima,

pelo ritmo,

pelo brilho

ou por alguém,

alguma coisa

que passava

na hora

em que a vida

virava palavra.

 

Alice Ruiz

 

10 de julho de 2024

10

 a boca não fala

o ser (que está fora

de toda linguagem):

só o ser diz o ser

 

a folha diz folha

sem nada dizer

 

o poema não diz

o que a coisa é

 

mas diz outra coisa

que a coisa quer ser

 

pois nada se basta

contente de si

 

o poeta empresta

às coisas

sua voz - dialeto -

 

e o mundo

no poema

se sonha

completo

 

Ferreira Gullar

8 de julho de 2024

Inútil escrutar tan alto cielo

Inútil escrutar tan alto cielo
inútil cosmonauta el que no sabe
el nombre de las cosas que le ignoran
el color del dolor que no le mata

inútil cosmonauta
el que contempla estrellas
para no ver las ratas

Manuel Vázquez Montalbán

7 de julho de 2024

Tempô

Tempos kamikazes

As bombas de Oklahoma 

São karmas de Nagazaki


José Carlos Capinan

26 de junho de 2024

Mamãe lia a sorte no açúcar


 "Mamãe lia a sorte no açúcar" (2012), HDV, Stereo, 4:35

Conceito e texto: Victor Heringer. Música: Victor Heringer. 

Trechos de comerciais, declarações de jogadores de futebol e pastores a respeito de sonhos vs. Allen Ginsberg lendo "A tempestade" de Shakespeare. 

Vídeo: Victor Heringer. Trechos de "The GOES-O weather satellite launches aboard a United Launch Alliance Delta IV rocket" (NASA, 2009) e "Carnival" (Bud Gamble, data desconhecida), ambos em domínio público. 

 Notas: 

1) "O homem tem todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo do que pensa, mas, por outro lado, tem razão em prolongar essa tragicomédia, nem que seja por distração ou por vício" (Cioran, 1990) 

2) Meus mais sinceros agradecimentos ao senhor Anônimo que subiu a escada branca para o azul belamente vestido de azul e branco. 

3) O ruído da palavra "sonho" que se ouve no vídeo é, de fato, a palavra "sonho" lida por um programa de conversão de pixels em sons. 

 Este vídeo faz parte da série "Arquespélago" (2012). http://automatografo.org


21 de junho de 2024

esconderijo

 o nome é o esconderijo perfeito

um labirinto onde perdemos a identidade

dentro de um nome não precisamos saber quem somos

quando ouvimos alguém pronuncia-lo 

basta mecanicamente responder: "eu"


Salvador Passos


16 de junho de 2024

Viagem

 1. O texto

Então passei pelo tradutor automático isto que aqui vai

Como se fosse toda a minha vida

(toda nossa vida)

Comecei com línguas mais nossas conhecidas:

francês espanhol italiano inglês alemão

Depois passei para romeno filipino basco mongol

letão sérvio malaio

Como se as palavras viajassem 

(como se viajássemos)

Até voltar ao português.

Toda a minha vida.

Como se viajasse por línguas

para saber o que sobra.

Para saber o que se suporta. 

Para testar (o que fica de nós depois da volta?)

 

2. A tradução final

Nós viemos aqui como um controlador automático.

Como isso afeta a minha vida?

(ao longo de nossas vidas).

Começamos  em uma linguagem comum.

 Francês Espanhol Italiano Alemão 

Então eu deixei Romeno Filipino Basco Mongol

Letão Sérvio Malaio.

Parece que esta viagem está sendo executada

(Viagem)

De volta a Portugal.

Tudo a vida.

Como ir em uma língua estrangeira?

Do acima.

Saiba o que é o jogo.

Volte para nós.


Eucanaã Ferraz

3 de junho de 2024

Don Quijote y Sancho

 Cuando juego con mi hijo

Con sus lanzas i escudos

Y sus caballos

imaginarios

Yo tanbién me transformo

Por instantes me olvido

 Del sufrimiento

Y del cuerpo

Dejo que la ficción

Me atraviese por completo

Y me siento un poco

Como Sancho Panza

En posesión de su ínsula

Aunque al final de la jornada

También como a Sancho

Me ataca la melancolía

Al pensar que mi hijo

Un día

Se levantará de su cama

Y no será más

Don Quijote

Sino

Alonso Quijano.

 

Rafael Gutiérrez



15 de abril de 2024

O futebol dos animais

 

E o livro de poesias infantis que você fez com seu filho, O futebol dos animais?

 

Foi uma delícia. Eu sempre falo que a experiência de ter um filho, para um poeta, é inacreditável. Você aprende a ver a construção da linguagem, a construção radical da linguagem. Eu lembro que meu filho, ainda muito pequeno, quando ainda não falava, começou a sacar algumas coisas. Daí ele tinha uma crise de pânico, e apontava para terríveis monstros. E então eu falava “Formiga”, e ele se acalmava. Quer dizer, se aquilo tinha um nome, estava num ambiente doméstico para ele. Era só falar o nome que ele se acalmava, E isso é uma construção de linguagem incrível! Pensar o que tem por trás disso, para entender a força da linguagem, a força da poesia, a importância da linguagem para nós é maravilhosa. Essa capacidade, para criança, de saber que se tem nome está dentro de um espaço reconhecido, doméstico, não perigoso. Se não há nome há um perigo ali. Vivenciar isso, e outras experiências com a criança, é uma experiência muito rica para um poeta.

 

Eu lembro de uma outra experiência forte do Leo. Ele ainda pequeno, dormindo, e eu dormindo numa cama perto dele, quando ele acordou e falou “pai, como chama aquele bicho”, perguntou. “Aquele, pai, que a gente viu agora, com as madeiras nas costas”. Eu digo “você sonhou com ele”. E ele, atônito: “Então, pai, você não pode ver os meus sonhos?”. E sentado, com as pernas cruzadas, fica longamente olhando o vazio. Tentando absorver aquela informação básica de que tinha uma coisa que era só dele, que eram os sonhos. Foi então que percebi que a individualidade e solidão nascem juntas.

 

A gente esquece disso. Na cabeça dele tudo era compartilhado, inclusive os sonhos. De repente ele vê uma individualidade, numa solidão. Ele descobriu que existia um espaço que era só dele, a cabeça, onde tinha os sonhos. A compreensão disso, que para gente já é tão naturalizado, para ele é uma ruptura de todo seu universo conhecido. Então ter filhos é uma grande experiência para se pensar o mundo, e desnaturalizar coisas nossas.

 

Fazer o livro passou por isso, por essas experiências, de brincar com as palavras, de descobrir como ele brinca com as palavras, as reações dele com essas brincadeiras, com a poesia.

Trecho de uma Entrevista retirada do Livro: A Reflexão Atuante -Ensaios interventivos e entrevistas – Sergio Cohn

20 de março de 2024

83- Exterminem todos os malditos

 No deserto você anseia por árvores, não apenas por causa da sombra , mas também porque elas se erguem em direção ao universo. Quando o chão é totalmente plano, o céu torna-se mais baixo. As árvores erguem o céu, porque são imensas e encontram-se longe. As árvores criam o espaço. E assim criam também o universo.

Sven Lindqvist

4 de janeiro de 2024

astronauta

 a João Silvério Trevisan

Estar preso
Não é ficar
Obeso

Estar preso
É não
Se alimentar

Ver filmes
De ficção
Em casa

Sonhar
Com a nasa
Star livre

Astronauta de si

Rodrigo Souza Leão