Na entrada do cinema, o drops
pode ser misto ou de hortelã,
o misto tem gosto de frutas,
o de hortelã de hortelã.
As pessoas são muitas pessoas.
Dentro do cinema, quanto tudo é escuro
são todos anônimos e mesmo em inúmeros
assim como são, ficam uma só pessoa
no escuro, como se não fosse ninguém.
Eucanaã Ferraz
in Livro primeiro. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1990.
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
14 de maio de 2014
7 de maio de 2014
Então você quer ser escritor?
se não estiver explodindo em você
apesar de tudo,
não faça.
a não ser que saia espontâneo de seu
coração e de sua mente e de sua boca
e de suas entranhas,
não faça,
se você tiver que passar horas
encarando a tela do computador
ou encurvado sobre sua
máquina de escrever
procurando palavras,
não faça.
se você estiver fazendo isso por dinheiro ou
fama,
não faça.
se você estiver fazendo isso porque deseja
mulheres em sua cama,
não faça.
se você tiver que sentar ali e
reescrever mais uma vez e mais uma vez,
não faça.
se der o maior trabalho só de pensar em fazer,
não faça.
se você estiver tentando escrever como outra
pessoa,
esqueça.
se você tiver que esperar até isso rugir em
você,
então espere com paciência.
se isso nunca rugir em você,
faça outra coisa.
se você tiver que ler primeiro para sua esposa
ou para sua namorada ou para seu namorado
ou para seus pais ou para qualquer um
você não está pronto.
não seja como tantos escritores,
não seja como tantas milhares de
pessoas que se dizem escritores,
não seja chato e estúpido e
pretensioso, não se deixe consumir pela
vaidade.
as bibliotecas do mundo
bocejam até
dormir
sobre tipos assim.
não aumente isso.
não faça.
a não ser que saia de
sua alma como um foguete,
a não ser que ficar parado te
leve à loucura ou
ao suicídio ou assassinato,
não faça.
a não ser que o sol dentro de você esteja
queimando suas vísceras,
não faça.
quando for realmente o momento,
e se você for escolhido,
isso irá acontecer por
conta própria e continuará acontecendo
até você morrer ou isso morrer em
você.
não há outro jeito.
e nunca houve outro.
Charles Bukowski
(Amor é tudo que nós dissemos que não era. Rio de Janeiro: 7 letras, 2012, pp. 95-99)
apesar de tudo,
não faça.
a não ser que saia espontâneo de seu
coração e de sua mente e de sua boca
e de suas entranhas,
não faça,
se você tiver que passar horas
encarando a tela do computador
ou encurvado sobre sua
máquina de escrever
procurando palavras,
não faça.
se você estiver fazendo isso por dinheiro ou
fama,
não faça.
se você estiver fazendo isso porque deseja
mulheres em sua cama,
não faça.
se você tiver que sentar ali e
reescrever mais uma vez e mais uma vez,
não faça.
se der o maior trabalho só de pensar em fazer,
não faça.
se você estiver tentando escrever como outra
pessoa,
esqueça.
se você tiver que esperar até isso rugir em
você,
então espere com paciência.
se isso nunca rugir em você,
faça outra coisa.
se você tiver que ler primeiro para sua esposa
ou para sua namorada ou para seu namorado
ou para seus pais ou para qualquer um
você não está pronto.
não seja como tantos escritores,
não seja como tantas milhares de
pessoas que se dizem escritores,
não seja chato e estúpido e
pretensioso, não se deixe consumir pela
vaidade.
as bibliotecas do mundo
bocejam até
dormir
sobre tipos assim.
não aumente isso.
não faça.
a não ser que saia de
sua alma como um foguete,
a não ser que ficar parado te
leve à loucura ou
ao suicídio ou assassinato,
não faça.
a não ser que o sol dentro de você esteja
queimando suas vísceras,
não faça.
quando for realmente o momento,
e se você for escolhido,
isso irá acontecer por
conta própria e continuará acontecendo
até você morrer ou isso morrer em
você.
não há outro jeito.
e nunca houve outro.
Charles Bukowski
(Amor é tudo que nós dissemos que não era. Rio de Janeiro: 7 letras, 2012, pp. 95-99)
6 de maio de 2014
Las cosas que no se tocan
Me gustan las chicas, me gustan las drogas
me gusta mi guitarra, James Brown y Madonna
Me gustan los perros, me gusta mi estéreo
me gusta la calle y algunas otras cosas
pero lo que más me gusta
son las cosas que no se tocan
Me gusta el dinero para comprarme lo que quiero
me gustan las visitas para matar el tiempo
me gusta esta luz, me gusta esta sombra
me gustan los grupos que no están de moda
me gustan los autos, los trenes, los barcos
me gusta que al que espero no tarde más de un rato
me gusta el arroz, me gusta el puchero
me gusta el amarillo, el rojo, el verde y el negro
pero lo que más me gusta
son las cosas que no se tocan
Por eso me gusta el rock.
5 de maio de 2014
gordo e careca
para rosa maria weber e alberto bresciani
onde vais, valter hugo mãe, tão sem ter
com quem, tão precipitado no vazio do
caminho à procura de quê
porque não ficas em casa, resignadamente só,
a ver como a vida se gasta sem culpa nem glória
é um rapaz estranho, valter hugo mãe, aí metido
num amor nenhum que te magoa e esperas ter
lugar no mundo, com tanto que o mundo tem de
distraído
devias morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis, como dizes que
vai acontecer, para que se acabe essa
imprecisa sentença que é a vida
volta a fechar a porta, não há nada para ti lá fora
e está frio, tens reumatismo, dói-te a cabeça, estás
gordo e careca, não faz sentido sequer que
tentes chegar às luzes esbatidas da marginal, ainda
que seja só ao lado menos percorrido pelos banhistas
volta a fechar a porta e talvez durmas, está um
agradável silêncio no prédio, tenho a certeza de que
reparaste nisso.
Valter Hugo Mãe
Herberto Helder
O Herberto Helder tem duas
pernas e dois braços, dois olhos,
tem nariz e boca e come, vive
numa casa, espreita pelas janelas,
por vezes sai à rua, sozinho ou
acompanhado, a falar, apanha
chuva, liga a televisão, sabe onde
fica a França, lembra-se quando
era pequenino, inclusive
teve mãe e pai. É
impressionante o quanto um poeta
se pode assemelhar
às pessoas! A última vez que
falei com ele mandou-me um abraço.
2 de maio de 2014
Das Utopias
retirado do Jornal do Brasil
Antonio Campos
O livro A Desumanização do escritor português Valter Hugo Mãe,é uma bela reflexão sobre o contemporâneo.A perda das utopias e da identidade está no levando à desumanização.
“O que está acontecendo neste momento é uma crise muito maior do que simplesmente financeira, é uma crise de valores, em que as pessoas estão muito perdidas”,diz o autor em entrevista recente. E acrescenta: “ (...) só quem tiver uma grande utopia, só quem for capaz de uma utopia vai conseguir ajudar-nos.” (...) “O sentido da vida para mim é o outro. Não existo enquanto sou absoluto. Existo para os outros. Só vale a pena se, efetivamente, nós formos uma espécie de corrente, alguém que participa em uma entidade maior, em um coletivo” diz ainda o autor.
Tive a alegria de trazer Valter Hugo Mãe para aFliporto 2013, tendo fechado a programação com uma bela palestra, oportunidade em que autografou o livro A Desumanização, que é leitura indispensável.
O livro – cheio de motivações - são partes que se multiplicam e se desdobram a partir do quenos diz, e aos leitores de Vila do Conde e Barcelos. Desumanização “gira como carrosséis (...), tem olhos para todos os lados. Porque em todos os lados e no girar dos carrosséis, a fragilidade e a vulnerabilidade, que se mostram no foco primordial do livro, estão para sempre mapeadas no nosso existir. A perda do irmão ainda jovem levando Hugo Mãe a refletir sobre os limites infranqueáveis do destino, vendo o carrossel da vida passar, agora como escritor, sobre a vida longa ou a fatalidade de uma interrupção no existir, sobre a sua própria vida, talvez seja tudo o que o autor desejava para o esboço desse livro, que exige uma leitura atenta. A fragilidade como estando no fundo movente das nossas percepções, das nossas sensações, vindas geralmente das evocações, desse conjunto de fragmentos da vida que se associa aos outros. Não só de fragilidades - e seu desassossego profundo - o livro de Hugo Mãe é composto, sobre o parentesco indissolúvel dos contrários. Esse carrossel gira sem cessar, nos conduz a um diálogo para mim evocativo – quando o pai de Halla – uma figurante muito especial – lhe diz que a humanidade começa no outro.
Viabilizei um histórico encontro dele como mestre Ariano Suassuna, no ano passado.
Valter Hugo Mãe é um dos maiores escritores da atualidade. Vale a pena conferir a sua obra. Afinal, já disse Mário Quintana: “Se as coisas são intangíveis/ não é motivo para não querê-las / que tristes os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas”
Antônio Campos - Advogado e escritor. - camposad@camposadvogados.com.br
Antonio Campos
O livro A Desumanização do escritor português Valter Hugo Mãe,é uma bela reflexão sobre o contemporâneo.A perda das utopias e da identidade está no levando à desumanização.
“O que está acontecendo neste momento é uma crise muito maior do que simplesmente financeira, é uma crise de valores, em que as pessoas estão muito perdidas”,diz o autor em entrevista recente. E acrescenta: “ (...) só quem tiver uma grande utopia, só quem for capaz de uma utopia vai conseguir ajudar-nos.” (...) “O sentido da vida para mim é o outro. Não existo enquanto sou absoluto. Existo para os outros. Só vale a pena se, efetivamente, nós formos uma espécie de corrente, alguém que participa em uma entidade maior, em um coletivo” diz ainda o autor.
Tive a alegria de trazer Valter Hugo Mãe para aFliporto 2013, tendo fechado a programação com uma bela palestra, oportunidade em que autografou o livro A Desumanização, que é leitura indispensável.
O livro – cheio de motivações - são partes que se multiplicam e se desdobram a partir do quenos diz, e aos leitores de Vila do Conde e Barcelos. Desumanização “gira como carrosséis (...), tem olhos para todos os lados. Porque em todos os lados e no girar dos carrosséis, a fragilidade e a vulnerabilidade, que se mostram no foco primordial do livro, estão para sempre mapeadas no nosso existir. A perda do irmão ainda jovem levando Hugo Mãe a refletir sobre os limites infranqueáveis do destino, vendo o carrossel da vida passar, agora como escritor, sobre a vida longa ou a fatalidade de uma interrupção no existir, sobre a sua própria vida, talvez seja tudo o que o autor desejava para o esboço desse livro, que exige uma leitura atenta. A fragilidade como estando no fundo movente das nossas percepções, das nossas sensações, vindas geralmente das evocações, desse conjunto de fragmentos da vida que se associa aos outros. Não só de fragilidades - e seu desassossego profundo - o livro de Hugo Mãe é composto, sobre o parentesco indissolúvel dos contrários. Esse carrossel gira sem cessar, nos conduz a um diálogo para mim evocativo – quando o pai de Halla – uma figurante muito especial – lhe diz que a humanidade começa no outro.
Viabilizei um histórico encontro dele como mestre Ariano Suassuna, no ano passado.
Valter Hugo Mãe é um dos maiores escritores da atualidade. Vale a pena conferir a sua obra. Afinal, já disse Mário Quintana: “Se as coisas são intangíveis/ não é motivo para não querê-las / que tristes os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas”
Antônio Campos - Advogado e escritor. - camposad@camposadvogados.com.br
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