A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

18 de junho de 2014

Tática Black-Bloc ou Movimento Black-Bloc?

http://passapalavra.info/2014/06/96524

O momento errado para dizer certas coisas


Passaremos todo este mês e talvez o próximo arrecadando recursos para libertar os presos políticos dos governos do PT e da FIFA e em campanha exclusiva contra a criminalização.
 Por Daniel Caribé
ATUALIZAÇÃO! Todos os detidos foram liberados na madrugada do dia 14/06/2014.

Meus companheiros dizem que faço análises certeiras, porém em momentos errados. E se eles têm razão na segunda parte da afirmação, já na primeira eu tenho as minhas dúvidas. Dessa vez serei xingado não só por eles, mas também pelos Black Blocs e pelos governistas, mostrando todo o meu talento para o inoportuno. Vou errar no momento e no foco, mas faço assim porque me deprime ver tanta energia militante desperdiçada em espetáculos inúteis. E não me refiro à Copa.

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Como o Coletivo Tarifa Zero Salvador, movimento que tenho por referência na cidade, decidiu não participar de atos que não fossem construídos por movimentos sociais, fui para o “evento” no Campo Grande de observador e já prevendo a carnificina. Através do Facebook, partidos de esquerda e anarquistas passaram a semana convocando um ato para poucas horas antes do primeiro jogo da Copa que aconteceu em Salvador.

Chegando lá vi que, além do PSTU e do PSOL — e eu já sabia que não entrariam na fria de encarar o Exército e a Polícia Militar — havia uma centena de pessoas vestidas de preto. Após uma rápida assembleia, elas decidiram ir para a Fan Fest da FIFA, na Barra, sentido oposto ao estádio da Fonte Nova, onde o jogo já havia começado. Para quem ainda não sabe, a Fan Fest é a festa imposta pelo governo da FIFA aos governos locais, para animar as cidades que eles mesmos deixaram desertas. Sem a possibilidade de acertar o alvo maior, os manifestantes apostaram na fragilidade de um segundo.

Uma tropa de cem pessoas, andando contra o território proibido, sem nenhuma faixa expondo os motivos do ato, seguiu em direção ao seu próprio extermínio. Ora, pelo que eu saiba, Black Bloc é tática e não movimento. A grande mídia e os governistas passaram um ano tentando confundir as pessoas a respeito disso e nós, do outro lado, fomos fuzilados (ainda não passa de uma figura de linguagem, mas até quando?) por continuarmos sustentando outra tese. Os Black Blocs são importantes para garantir a segurança dos manifestantes, para barrar momentaneamente a polícia quando ela tenta implementar o terror contra os atos puxados pelas organizações da esquerda e por isso acabam ajudando àqueles que não estão preparados para o confronto. É a contraposição direta ao terrorismo de Estado e uma das expressões da rede de movimentos, organizações e táticas que se forma para construir mobilizações por fora do modelo tradicional e hierarquizado dos partidos de esquerda.

Mas se não há movimento social, por dedução lógica não pode haver também Black Bloc, e por isso fui embora. Sem essa rede que justifica a existência dos “Blocs”, eles não têm função a cumprir, a não ser que queiram ser eles mesmos o movimento que deveriam defender. Deixei para trás companheiros, Advogadas e Advogados Populares, com a tarefa que eles se deram de combater a criminalização de militantes tão em moda em tempos de governos de esquerda. Admirável e inglória tarefa. Ainda mais que nem um centavo dos milhões ganhos anualmente pelas centrais sindicais é direcionado para ajudá-los quando o “bicho pega”. A esquerda voltou a ser artesanal, com todas as dores e delícias que isso traz.

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Claro que não ouvi de ninguém ali no Campo Grande uma auto-declaração de Black Bloc. É bem provável que tenham a clareza que de fato não são. E é importante que todos não os vejam dessa forma. Mas se eles não eram Black Blocs, não me pareciam movimento social e evidentemente não eram partidos e sindicatos. O que era aquilo? Talvez seja minha ignorância que me leve a fazer este texto inoportuno, mas me deixaria feliz se alguém viesse aqui me mostrar que de fato sou. E por quê?

Apesar da evidente falta de organização prévia, havia a denúncia à Copa do Mundo que acabou de começar, e isso fazia deles pelo menos militantes de uma causa que entendo ser necessária, e portanto pertencentes a um campo o qual eu também construo. A forma como foram reprimidos também acaba por evidenciar o processo de criminalização dos movimentos sociais em especial, mas também de qualquer um que tente se posicionar contra os atuais governos, entre eles o temporário da FIFA. Mas isso não tira de mim o questionamento: qual é a efetividade do que se propuseram fazer?

Quinze minutos depois de ter ido embora recebo as primeiras mensagens vindas dos Advogados e Advogadas Populares: bombas de gás, balas de borracha e prisões ao final do Corredor da Vitória. Vinte e seis presos ao total (dezessete maiores de idade e nove menores). Os maiores de idade estão sendo enquadrados na Lei de Segurança Nacional e ficarão detidos até o final da Copa, no mínimo. E devem responder criminalmente por isso. Os menores de idade provavelmente serão liberados. Em um país que não rompeu com a Ditadura Militar no período que ficou conhecido como Transição Democrática, não se poderia esperar outra coisa. Vamos ter que pedir anistia também?

Agora passaremos todo este mês e talvez o próximo arrecadando recursos para libertar os presos políticos dos governos do PT e da FIFA e em campanha exclusiva contra a criminalização.

É fato que em Salvador não se desenhava nenhum tipo de mobilização significativa, e a prova é que hoje não havia sequer um coxinha no ato e até o que restou da esquerda pouco se fez presente. Por outro lado, o PT e seus satélites ainda exercem uma grande hegemonia dentro dos aparelhos e movimentos historicamente construídos pela esquerda aqui em Salvador, paralisando parte significativa da energia militante da cidade. A Copa ganhou a cidade de goleada. Os que há um ano se somaram à esquerda para preencher as ruas passavam direto sem olhar de lado, e chegariam finalmente à Fonte Nova, sem a nossa companhia dessa vez e sem deixar saudades uns para os outros.

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Mas este mês poderia ser, ainda assim, um momento para evidenciar os processos de venda da cidade, como o Edital de Transportes e outras tantas demandas latentes. E por solidariedade de classe teremos que direcionar as energias que nos restam para libertar estes companheiros presos em um ato que não teve nenhuma repercussão e que não somou em nada. Não me resta aqui fazer outra coisa a não ser convidar a todos para se somar a essa campanha. Mas também não dá mais para fingir que não concordo com determinadas táticas.

Sim, precisamos denunciar os empresários e suas artimanhas de ampliação da exploração dos trabalhadores. Precisamos denunciar os governos e seus aparatos repressivos, inclusive os geridos pela esquerda. Mas precisamos, antes disso tudo, criar uma consciência de classe que nos coloque no mundo para além dos nossos desejos individuais e dos resquícios de cristianismo que nos empurram para os movimentos somente para curar nossas frustrações pessoais ou para nos livrar da culpa.

***
Recomendo muito a leitura da série de artigos de Marcelo Lopes de Souza, “Diferentes faces da “propaganda pela ação”: Notas sobre o protesto social e seus efeitos nas cidades brasileiras” e, dentro dela, o primeiro comentário postado por João Bernardo, por indicar mais dois textos e por deixar a seguinte reflexão:

O Passa Palavra publicou no final de Fevereiro o artigo «Autodefesa em manifestações, para quê?» http://passapalavra.info/2014/02/92329 e agora este artigo de Marcelo Lopes de Souza. Parecem-me ambos muito importantes, para mais tendo em conta o artigo «Teoria do caos» http://passapalavra.info/2014/03/92961 porque encetam uma reflexão sobre estratégia e táctica em manifestações, abandonando o plano das banalidades ou dos apelos emocionais. Todavia, com facilidade se esquecem duas coisas.

1) Frequentemente, o uso de acções consideradas violentas serve apenas para ocultar ou a incapacidade de mobilização de massa ou a vontade de manter a massa na passividade. E isto não ocorre apenas com grupos minúsculos. Assim, por exemplo, um certo movimento social pode contar com centenas de milhares de aderentes mas preferir usar duas ou três dezenas de militantes profissionais para bloquear uma auto-estrada com pneus a arder. Não consegue assim conquistar simpatias para a causa e corre até o risco de provocar a hostilidade de outros trabalhadores, especialmente camioneiros. É que o objectivo desse tipo de acções não consiste em organizar mas somente conquistar espaço nos noticiários, ou seja, trata-se de uma autopromoção.

2) Em muitos casos — receio mesmo que na maioria dos casos — é inútil explicar aos fanáticos das acções violentas em qualquer circunstância e a todo o preço que elas podem ser prejudiciais e não benéficas, que podem ser antipedagógicas, dificultarem a organização de massas e afastarem muitos trabalhadores. É inútil explicar porque é precisamente isso que eles querem. Em vez de pretenderem mobilizar as pessoas comuns, pretendem o contrário: destacar-se delas, cavar um fosso intransponível entre uma pequeníssima minoria activa e a esmagadora maioria dos trabalhadores relegados para a passividade. A fronteira é estreita e pouco definida entre o vanguardismo e o elitismo, e nestes casos trata-se de puro elitismo, com todas as consequências que daí advêm.


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As fotografias que ilustram este artigo foram tiradas pelo autor ainda na concentração do ato.

17 de junho de 2014

Cólera

Cólera from Sr.&Sra. on Vimeo.


1.f. Ira, raiva, impulso violento
2.m. patol. doença epidêmica aguda muito grave e contagiosa

2 de junho de 2014

poeta

a leste

nasço

sonhado em palavras



ao norte

cresço

crucificado em palavras



ao sul

esmaeço

alucinado em palavras



a oeste

esqueço

secreta galáxia


Afonso Henriques Neto

26 de maio de 2014

"I rebel—therefore we exist" ...

“What is a rebel? A man who says no, but whose refusal does not imply a renunciation. He is also a man who says yes, from the moment he makes his first gesture of rebellion.”

“Meanwhile, we can sum up the initial progress that the spirit of rebellion provokes in a mind that is originally imbued with the absurdity and apparent sterility of the world. In absurdist experience, suffering is individual. But from the moment when a movement of rebellion begins, suffering is seen as a collective experience. Therefore the first progressive step for a mind overwhelmed by the strangeness of things is to realize that this feeling of strangeness is shared with all men and that human reality, in its entirety, suffers from the distance which separates it from the rest of the universe. The malady experienced by a single man becomes a mass plague. In our daily trials rebellion plays the same role as does the ‘cogito’ in the realm of thought: it is the first piece of evidence. But this evidence lures the individual from his solitude. It founds its first value on the whole human race. I rebel—therefore we exist.”


(Albert Camus, The Rebel: An Essay on Man in Revolt. Trans. Anthony Bower)

23 de maio de 2014

I don´t want to grow up



When I'm lyin' in my bed at night
I don't wanna grow up
Nothing ever seems to turn out right
I don't wanna grow up
How do you move in a world of fog that's
always changing things
Makes wish that I could be a dog
When I see the price that you pay
I don't wanna grow up
I don't ever want to be that way
I don't wanna grow up
Seems that folks turn into things
that they never want
The only thing to live for is today...
I'm gonna put a hole in my T.V. set
I don't wanna grow up
Open up the medicine chest
I don't wanna grow up
I don't wanna have to shout it out
I don't want my hair to fall out
I don't wanna be filled with doubt
I don't wanna be a good boy scout
I don't wanna have to learn to count
I don't wanna have the biggest amount
I don't wanna grow up
Well when I see my parents fight
I don't wanna grow up
They all go out and drinkin all night
I don't wanna grow up
I'd rather stay here in my room
Nothin' out there but sad and gloom
I don't wanna live in a big old tomb on grand street
When I see the 5 oclock news
I don't wanna grow up
Comb their hair and shine their shoes
I don't wanna grow up
Stay around in my old hometown
I don't wanna put no money down
I don't wanna get a big old loan
Work them fingers to the bone
I don't wanna float on a broom
Fall in love, get married then boom
How the hell did it get here so soon
I don't wanna grow up

21 de maio de 2014

Contrapoemas

SÉRIE CONTRAPOEMAS

DESESPERANÇA

Manuel Bandeira

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...
O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda,
angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau
pressentimento.
Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado,
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.
O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me
aterra...
Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.
Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.
Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...
- ah, como dói viver quando falta a esperança!

Esperança – Poema novo construído por Rosana,
por meio da transformação em antônimos das
palavras do poema Desesperança, de
Manuel Bandeira.

ESPERANÇA

Essa noite não tem a alegria de uma aurora.
Como não dói um deleite em cada pensamento!
Ah, que agradável tensão em cada músculo...
O barulho é tão estreito, é tão curto, é tão rápido
Que dá coragem... O ar, em movimento, agrada,
tranqüiliza...
Dir-se-ia que se detém no ar um bom pressentimento.
Assim não deverá ser a natureza uma noite,
Quando a morte começar e, astro aceso,
Parar sobre os outros fecunda e plena.
O deus desajeitado das tranqüilidades desenterra
A sua agulha de aço em meu crânio são.
Não ouço a vida chamar-me e este não apelo me
encoraja...
Minha respiração não se faz como brado.
Já entendo a morte, e se menos a desarraigo,
Menos a compreendo e lhe acho sentido.
Por onde encolha o meu olhar de revigorado,
Nada a meus olhos toma um prazeroso aspecto:
E acerto assim acolhido e autóctone no mundo.
Não vejo nele a feição quente de um afeto.
Não temo o progresso e não apreendo a imutabilidade.
Não sinto que a minha morte não é finita, com objeto...
- ah, como é confortante morrer quando sobra a
desesperança!

Rosana Ricalde