Viver era como correr em círculo num grande labirinto, esse gênero de labirinto para crianças que se vê em certos parques de jogos modernos; em cima de uma pedra no meio do labirinto há uma pedra brilhante; os miúdos chegam com as faces coradas, cheios de uma fé inabalável na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos a correr na convicção de que o mundo acabará por se mostrar generoso para quem correr sem desanimo e quando por fim descobrimos que o labirinto só aparentemente tende para o ponto central, é tarde demais - de facto, o construtor do labirinto esmerou-se a desenhar várias pistas diferentes, das quais só uma conduz à pérola, de modo que é o acaso cego e não a justiça lúcida o que determina a sorte dos que correm. Descobrimos que gastamos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente inútil, mas é muito tarde já para recuarmos. Por isso não é de espantar que os mais lúcidos saiam da pista e suprimam algumas voltas inúteis para atingirem o centro cortando caminho.
Não devemos esquecer que a imoralidade de um homem não poderá, nunca por nunca ser, competir com o malefício da ordem do mundo cujas engrenagens bem oleadas funcionam sempre na perfeição. Temos, por um lado, um desespero que se incendeia rapidamente assumindo formas cada vez menos equilibradas e, por outro lado, uma consciente imoralidade de reflexos metálicos e glaciais, orgulhosa do seu gelo e do seu fulgor.
Desde quando é que se tornou digno de louvor o fato de alguém possuir uma natureza de escravo? Depois de todos os símbolos do poder terem desaparecido, já não tinhas qualquer razão para obedecer, mas continuaste a fazê-lo. Que força misteriosa te impelia a obedecer às ordens de pessoas tão desgraçadas como tu, tão nuas e miseráveis como tu? Eras demasiado covarde para tentares fazer como os outros, para experimentares dizer uma vez que fosse ao capitão: vai buscar lenha, preciso me aquecer à fogueira. Não, tinhas descoberto uma outra solução; enquanto estavas ainda saciado, calculavas friamente que chegaria a hora em que a tua fome seria maior do que a dos outros todos. E então pensavas: em breve ficarei faminto, tornar-me-ei selvagem e sem escrúpulos, revoltar-me-ei, não abertamente, mas de modo dissimulado, contra estes terroristas. Com a cabeça fria, fazias projetos sobre a maneira como utilizarias a tua embriaguez, e é isso que é desprezível. Para que serve o desejo de revolta se te recusas a revoltar-te quando estás saciado?
Eu acredito que o inimigo natural do homem é a mega-organização porque ela lhe rouba a necessidade vital de se sentir responsável por seus semelhantes,restringindo sua possibilidades de mostrar solidariedade e amore, ao contrário, torna-o um agente de poder, que num instante pode ser direcionado contra outros, mas em última instância é direcionado contra si mesmo.
Vermos qualquer coisa de sólido em vez deste vazio pavoroso neste espaço, cuja extensão atroz nunca ousamos imaginar enquanto vivíamos no nosso buraco, é como um poço sem fundo; debruçamo-nos cada vez mais, a tal ponto que acabamos por cair, e uma vez caídos, continuamos a cair toda a vida sem termos outra coisa para viver além dessa queda sem fim, até ao dia em que morremos em plena queda sem jamais chegarmos a atingir fundo algum, porque somos aniquilados durante a nossa própria queda e devorados pelo vazio depois de termos desesperadamente tentando dar-lhes sentido esforçando-nos para chegar ao fundo.
(textos de Stig Dagerman)
Nenhum comentário:
Postar um comentário