A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

14 de agosto de 2013

Austericídio

A austeridade está nos suicidando?
No Velho Continente, os problemas da depressão e os suicídios estão experimentando notável aumento


Juan Gelman*


Sócrates, Platão, Plotino e muitos outros filósofos analisaram o tema do suicídio ao longo dos séculos. A maioria o condena, como o judaísmo e o cristianismo.

Para Santo Augustinho “o que mata a si mesmo é um homicida”. Os epicúreos opinaram que a falta de sofrimento é o bem supremo e justificaram o ato quando a existência, em vez de alegrar, se converte em uma causa de aflição.

Os estoicos pensavam que era um tema grave a tratar com circunspecção e, em efeito, é muito difícil desentranhar as razões pelas quais alguém se tira a vida. Nunca é uma só. Cabe dizer que as circunstâncias exteriores exercem um papel maior ou menor, algumas vezes decisivo.

No dia 1° de outubro se comemora o dia europeu contra a depressão. Entre os habitantes do Velho Continente, “imersos nesta situação de crise econômica e a prevalência do estresse por trabalho, os problemas da depressão e os suicídios estão experimentando um notável aumento”, afirmou a Associação Europeia sobre a Depressão. Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) “alertou que o suicídio… constitui uma das três principais causas de morte entre as pessoas de 15 a 44 de idade” (www.infocop.es, 11012). O suicídio de pessoas despejadas de suas casas porque não podem pagar a hipoteca é um fato notório na Espanha.

O fenômeno não se limita a Europa. Os centros de controle e prevenção de enfermidades dos EUA (CDC, na sigla em inglês), organismos oficiais, informaram recentemente que as mortes por suicido superaram em número as causadas por acidentes de trânsito. “As taxas de suicídio entre os estadunidenses se elevaram desde 1999” (www.cdc.gov/2513). Os CDC levaram a cabo uma investigação entre adultos de 35 a 64 de idade e comprovaram que essas taxas haviam aumentado em 28%, especialmente entre brancos não hispanos e sobretudo em 39 dos 50 estados do país. O maior incremento foi observado nas pessoas de 50 a 54 (48%) e de 55 a 59 (49%), idades nas quais aqueles que perderam o trabalho pela crise econômica praticamente não encontrarão outro.

Não se trata apenas dos adultos. David Stuckler, investigador de mais alto escalão em Oxford, e o epidemiólogo Sanjai Basu, da Universidade de Standford, descobriram que 750.000 jovens (em sua maioria sem trabalho) haviam se voltado ao álcool e que mais de cinco milhões de estadunidenses perderam o acesso à saúde pública no período mais duro da recessão porque passaram a integrar as filas dos desempregados. A taxa de suicídios se elevou abruptamente no lapso 2007/2010, destacaram em um estudo publicado em maio (www.nytimes, 13-5-13). Um caso particular é o estado da Virginia, onde foram registradas as taxas de suicídios mais altas dos últimos 13 anos: é três vezes mais provável que os virginianos morram por suicídio que por homicídio (capitalnews.reu.edu, 8-5-13).

Stuckler e Basu encerram seu relatório com a seguinte conclusão: “O que aprendemos é que o perigo real para a saúde pública não é a recessão per se, mas a austeridade”, ou seja, as medidas impostas pela chamada Troika – o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu – para enfrentar a crise. Se presenciam reuniões dos chefes de Estado europeus com representantes da Troika nas quais estes últimos ditam as políticas econômicas que devem seguir os países da União Europeia. Nunca foi tão descarada a inversão dos termos “a política dirige a economia”, hoje substituídos por “a economia dirige a política”.

A correlação suicídios/austeridade é clara não apenas no Velho Continente e nos EUA. Investigadores australianos determinaram que a taxa de suicídios aumenta em seu país sob os governos conservadores (news.bbc.co.uk, 18-9-12). Quando as políticas de austeridade começaram a devastar a Grécia, dita taxa cresceu 18%: apenas em Atenas se elevou 25%. Antes deste flagelo, a Grécia tinha a taxa de suicídios mais baixa da União Europeia (www.euronews.com, 5-4-12).

A Islândia é o exemplo contrário. Em 2008 padeceu a crise bancária mais grave de sua história: três dos bancos mais importantes se declararam em bancarrota, o desemprego subiu para as nuvens e se desvalorizou a moeda nacional. Apesar disso, Reijawick não cortou o orçamento de seus programas sociais nem se dobrou à austeridade e, mediante acordos diversos, saiu da crise. Não se registrou um aumento significativo da taxa de suicídios durante o colapso financeiro (www.altenet.org, 3-8-13).

Como disse o Nobel de Economia Paul Krugmam: “A crise que estamos atravessando é fundamentalmente gratuita: não é necessário sofrer tanto nem destruir a vida de tanta gente”.

*Poeta, escritor e jornalista argentino. Chefe de Redação da IPS entre 1974 e 1976. Desde 1976 reside no México, onde chegou exilado pela ditadura militar que lhe arrancou seu filho e sua nora grávida. Entre sua vasta obra se destacam seus livros: Os poemas de Sidney West (1969), Fábulas (1971), Hechos y relaciones (1980), Citas y comentarios (1982), La junta luz (1985), Composiciones (1986), Interrupciones I e II (1988) e Salarios del impío (1993).

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