A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

28 de janeiro de 2014

útero da caverna

o homem branco escreve seus esquecimentos
os poetas são os arqueólogos da cidade viva
de uma civilização perdida de sabedorias torpes
os poetas são assassinos do cotidiano
os poetas são aventureiros de um bairro proibido
bailando nas noites longas
bebendo cerveja quente
nos ventos frios dos becos do mundo

na pauta o sangue dos povos esquecidos
que não tem mais suas línguas
a língua dos esquecimentos
a língua dos poetas mortos
está no corpo dos poetas vivos
poesia é corpo
é língua quente que lambe as pedras do mundo
é beijo no vento
e dente rangendo
é alma doendo
não querer que se atreve
não dizer que se fala
querer que não cala
calar que não para
parar que não cansa
cansar que não parte

ficar é ter certezas
partir é ter caminhos

a língua que mata com os seus contratos
contrato é poesia morta
arma de advogados

ninguém mais dá a sua palavra
só o poeta na praça
que dá sua palavra de graça
pois ela não vale nada

o livro
é letra morta

contrato é palavra vendida
poesia é palavra vivida
é pedra que se atira
não é a primeira nem a última
& não se atira nos outros
mas sim no meio do caminho
feito barricada
que barra o rumo do sempre
buscando o nunca antes visto

poesia é pedra no caminho
como um cristo crucificado
que depois de morto volta em meio a liturgia
transformando vinho em sangue
pão em corpo
só a comunhão do corpo com o sangue faz poesia
não é no papel escrito nem no alto altar dos ditos nobres tempos
mas com pé na praça e no museu dos povos
a poesia é liturgia a do esquecimento
esqueçamos o viver tão pouco que vivemos
esquecer é refazer

esqueçamos o caminho tantas vezes percorrido
pois já sabemos o seu trágico destino
desatino deste caminhar tão insensato

voltemos ao útero da caverna para encontrar outras ideias

Salvador Passos

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