A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

17 de abril de 2020

POEMA COM DATA DE VALIDADE (CONSUMIR ATÉ 18/04/16)

País em coma induzido
Doente de expectativas
Todos cheios de certezas
Que não convencem ninguém.
Respiração asmática suspensa
Frio glacial na barriga
“Não vai ter golpe!”
Gritam alguns
“Mas não é golpe!”
Gritam outros
E a única certeza
É que a ressaca da segunda-feira
Vai superar aquela vez
Em que você bebeu tanto vinho
Que queria vomitar o cérebro
E morrer no chão do banheiro
Não haverá vencedores nem vencidos
Apenas ideólogos fudidos, todos nós
Marionetes do dinheiro fácil
Vítimas do trabalho árduo
Testemunhas de nossa própria destruição.


Rodrigo Santos

Nada parece tão antigo quanto o passado recente


Screen Recording 2020-04-10 at 64347 PM from jp cuenca on Vimeo.

4 de abril de 2020

oceano

um herói desmemoriado
percorre ilhas
busca seu caminho de volta
se perde no silêncio do seu próprio sonho:
- quem sou eu?
pergunta nas esquinas

não importa o nome
o herói é uma ilha
e toda ilha é conflito entre terra e mar
os oceanos avançam
devorando as ilhas
querem tragar os pedaços de terra
que se desprendem do seu âmago
 
o corpo é um naufrágio
um escafandro que habita o inominável

no oceano que engole o homem
haverá um sono de esquecimentos
que trará um nome inaudito
anterior à morte
um nome que jamais será enunciado
outra ilha resistindo
ainda que não haja palavra
para descrever o que se dá no silêncio das coisas
e o silêncio será como uma ilha dentro de outra ilha
numa sucessão infinita de desertos
 
Salvador Passos

arqueologia delirante 2

no fundo do terreno
havia o museu dos mortos

árvores avançam
infiltrando-se por dentro das paredes

as paredes vivas
com artérias
estourando os rebocos
engolindo as janelas
aflorando
na epiderme dos tijolos

as escadas saltam
como costelas quando em corpos magros
desejam o que há de horizonte no cansaço
carregam o peso dos que sobem
alimentam a lembrança com seu abandono
é preciso lembrar todas as tragédias
inaugurar uma arqueologia delirante
que atinge as camadas tectônicas
para decompor o campo
compor com lascas
estranhas barricadas

por trás do som
habita a mecânica do hino

qual o jogo que está em jogo?

os uniformes uniformizam

ao logo da fronteira invisível
fileiras e fileiras de sentinelas cegos
que não raro perdem a esportiva
Salvador Passos