A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

30 de maio de 2025

Vestígios

 

Tenho como hábito sublinhar palavras

Como quem traça rotas de fuga

No labirinto dos livros

Produzindo no silêncio de suas páginas

Um poema implícito

Perdido naquilo que está inscrito no escrito das coisas

Como se o poema fosse um espelho de silêncios

Eco quase inaudível

Ou animal selvagem 

Aprisionado no fundo de uma trama

No centro de um labirinto

Como se os livros fossem uma espécie de oceano 

Cheio de possibilidades em aberto

Pois quem escreve uma história deixa de escrever infinitas outras

Sempre deixando no seu rastro

Os vestígios de um naufrágio

 

Salvador Passos

11 de maio de 2025

Vigilantes noturnos

 Os que fazem amor não estão apenas fazendo amor; estão dando corda ao relógio do mundo

 

Mário Quintana

22 de abril de 2025

Como me espanta o espanto

 Como me espanta o espanto

do homem que senta ao meu lado

Veste terno de engenheiro

E pânico de funcionário

 

- Eu não leio O Marinheiro

poema quase dramático

 

José Carlos Capinan

17 de abril de 2025

Estrangeiro

 O café tomado na esquina

- meio de lado

no balcão

a ponto de observar

a manhã que reproduz

e se mistura

em pernas rápidas

(decomposição do movimento)

 

O café pago no caixa

-troco. obrigado, cigarro na boca

de mais uma manhã

 

mais uma manhã

trocando olhares

medindo gestos

(somos todos estrangeiros

nesta cidade

neste corpo que acorda)

 

e não me misturo

- com essa gente,

não me misturo

 

Heitor Ferraz

7 de abril de 2025

XV

" Singing in silent spring: Birds respond to a half-century soundscape reversion during the COVID-19 shutdown "

Science, setembro de 2020 

No livro Vida: Efeito-V

Carlito Azevedo

28 de março de 2025

Estelita

deixei os copos sobre a pia
o café na xícara já estava frio
deixei palavras pelos cantos
poemas adormecidos nas lembranças

esqueci abertas as janelas  
a casa guardava seus espantos em silêncio
esperava pelo vento de outras vidas

Salvador Passos