A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

6 de janeiro de 2011

Utopia (ou importância do que não é)

Há um lugar que não há
Encontra-se somente nos livros e lembranças
Nos sonhos e esperanças
Encontra-se mais ainda nos livros nunca lidos

Qual a importância do que não há?
O fato de não existir não significa que este lugar não seja

Afinal a leitura do poema ainda virgem
O autor ainda desconhecido
Guarda a potência de todo universo

Todos os poemas
Não falam
Apenas poema não escrito é verdadeiro

Pois é este que nos faz ler todos os outros
O amor não vivido nos atira para frente
Nos leva ao flerte

Há uma noite adormecida em mim
A espreita
Como um horizonte distante
Para o qual olhamos
Uma espécie de terra do nunca
Um desnunca
Como os moinhos de Cervantes

Desde sempre
Desde antes
No silêncio da noite infinita
Já existiam os versos esquecidos
Os versos que ainda não são
Os versos que ainda estão
por serem escritos

Neste lugar deposito coisas
E lá me aguardam todos os poemas não escritos
Um muro que ainda não pulei
Uma noite que ainda não vivi
Neste lugar estão todos os poetas mortos
e todos os poetas que serão
Todos num bar
cercado de caveiras
bebendo

Todos escutando Bukowski praguejando sobre o não sentido da vida
Falando de como ele lutou como um touro
Sem saber porque
Sabendo apenas que tinha de fazê-lo
Pois se não fizesse, outro o faria
Então melhor que fosse ele
e não outros

Ouço a sabedoria de Bukowski
Todos ali oferecem tudo que têm
Mas este tudo é tão pouco perante o tempo infinito que nos espera
Neste flerte com o desconhecido,
Este tudo ofertado,
é apenas nada
Mas é no nada
É no não existir
que reside seu valor,
afinal,
tudo pode ser
Sem represas nem defesas
Neste lugar, não há nada
mesmo assim
tudo nos aguarda
Os moinhos rodam sem pás nem vento
Não há paz de cemitério
Apenas doce mistério
No nada está a vida
e não a morte com o vento do tempo

Rimbaud diz que a vida verdadeira está em outro lugar
Este seria o outro lugar: o bar dos poetas mortos

Em outro lugar todos nos esperam
(Eu espero)
Mas me lembro sempre
Que os livros que carrego não me pesam
Não sou eu que os carrega
São eles que me levam

Raimundo Beato

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