A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

29 de julho de 2011

Coisas não ditas

Estaria pra sempre perdido
o sentido da coisa não dita
como um dia passado
um caminho sem volta
um caderno sem nota
ou será que um dia
a mesma palavra retorna
na letra de outra palavra que informa
os mesmos dizeres de agora
em outras formas
a mesma palavra de agora
em desconhecida palavra não dita

é que da palavra já morta
sobram outras palavras
como filhos e filhas
irmãos, irmãs e parentes
que mesmo diante daquela ausente
ainda se fazem presentes

não sobra apenas palavra enterrada
vão nascendo outras renovadas palavras
de dentro da morta palavra
É fácil pensar no processo
Não há recurso ou recesso
que impeça a ideia que grava
Na mesma palavra esquecida
a outra palavra precisa
Eis que a palavra já grita
mesmo quando calada
não mais morta e caída

Há o silêncio que excita
& a imaginação exercita
a escuridão das palavras inauditas

E vão surgindo caladas
novas palavras não ditas
Da palavra caída e deitada
Num turbilhão de coisas
Não ditas nas falas das palavras esquecidas
A palavra deitada
A palavra cortada
A palavra enterrada
Nasce da morte a vida
Quase esquecida
inaudita
Vem à vida a palavra
Nos contrários ressuscita
A vida das coisas não ditas
As cores dos dias distantes
De tanta coisa não dita
As coisas ainda por serem vividas
Todas as coisas de antes
Refletidas em um só instante
Como se uma palavra pudesse
puxar outras
pelas mãos que não têm
ou pelos pés que não são
voando como o vento
as palavras assim como bichos
vão comendo os sentidos
e cuspindo verdades
não as verdades vividas
mas verdades sonhadas
as verdades verdadeiras das coisas
como se estas fossem apenas as coisas que são
como se numa palavra calada
estivessem todas as palavras esquecidas
todas as palavras não ditas
todas as palavras vividas
e aquelas também não vividas
apenas imaginadas
nos sons de uma língua infinita
todas as coisas não ditas
muitas vezes são ditas
por palavras inauditas

Salvador Passos

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