A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

8 de março de 2017

Almanaque Rebolado

A Oficina Experimental de Poesia, criada em 2011 para compartilhar vivências poéticas, publica coletivamente sua intervenção-manifesto


a poesia será
o que não sabemos
espalhar as ferramentas na mesa
abrir as cartas
largar a arma no chão
traçar um mapa
onde se veja que
a piscina será
o que não bebemos
uma certa sensibilidade dos cruzamentos engarrafados
uma certa sensibilidade do Méier
sensibilidade é degeneração burguesa
fazer poesia nos lugares citados por claudinho & buchecha

v i l a  v a l q u e i r e    f r e g u e s i a    b a n g u   m i l ã o
c ó r r e g o   d o s   p o n t õ e s
e n g e n h o  n o v o
e n g e n h o  d e  d e n t r o    b o t a f o g o    c a c h a m b i     á g u a  sa n t a
m é i e r
a galera vai chegando junto                             escrita coletiva como
pra fazer bola de neve                                      possibilidade de comunhão
de chiclete
de gude                                                            ser poeta sozinho é motivo
de sinuca                                                         de choro constante
de fogo
vamo fazer junto        vamo fazer junto     vamo fazer junto       vamo fazer junto
vc vc vc*           vc vc vc              vc vc vc                vc vc vc          vc vc vc            vc vc vc
*ler como baby doll de nylon – dó sustenido, lá, lá ou outro intervalo de terça maior.

*
pagofunk poema: tá sabendo que nos anos 1990 a galera fazia uns pagodes muito doidos, e assinavam 18 cabeças?

*
quando você cozinha a poesia no meio de outras coisas
ela reidrata e fica gostosa
estamos em canteiro de obras enquanto durar chegará o hit de fm passaremos
ao tráfico de poemas não splash que trafegam o fundo do mar em silêncio em grandes filas marinhas à espera do metrô e de uma carta enviada pelo spc informando
nossa incapacidade de lidar com processos fiscais pouquíssimo burocráticos facilmente resolvidos com um dispositivo móvel em uma cama de solteir_ em Paquetá ou em outro
centro urbano mais movimentado em que se faz necessário mostrar o rosto e bater ponto.
está escrito na carta: não é permitido ser um_ cidadã_ em fuga.
não mostramos o rosto. queremos ver tua cabeça. mostramos a nossa.
na mesa sentamos pelad_s
e seguramos espelhos apontados pr_s outr_s.
o espelho mostra um canteiro de obras
usamos qualquer dispositivo móvel
do átomo ao tétano ao terá

*
um amigo esperou a mãe morrer pra levá-la a Paquetá. ela pedia, pedia.
fazer paquetás antes do abate. como uma ética.

*
fazer uma poesia que:
  1. fale de homens e mulheres da geração que nasceu com simone de beauvoir nas bancas de uma cidade católica apostólica latinoamericana onde um aborto seguro é permitido para quem tem três mil reais;
  2. fale da academia que publica para acadêmic_s e da poesia que escreve para poetas;
  3. retranque a velocidade na vida de quem agora só depende de um sinal de wi-fi para dizer que ama;
  4. saiba se quer aparecer na televisão, ser entrevistada, chorar ao vivo, pegar o microfone para falar que;
  5. diga o que mudou no primeiro salário e sugira profissões possíveis para futur_s poetas;
  6. conte quantas conduções pega para chegar aonde quer;
  7. tenha cheiro de pão na chapa e café fresco.

*
continuar a jornada
pegando
coletivos
ônibus
que se apaixonavam por si
com liberdade ética
a liberdade total não existe, cara
existe não
é bagunça
o cânone
ser incontornável: ser pedra de onde jorra um hit de fm.

*
se a gente conseguisse fotografar cada joelho esfolado e olho roxo e conseguisse misturar o sangue de todas as fotos até que nenhum de nós conhecesse mais o próprio cheiro o próprio desejo o próprio erro
e então poderíamos nos jogar de pedras altas e não seria mais preciso sair no tapa como saímos toda vez porque também é no tapa que resolvemos alguma coisa e mesmo assim eles não têm problema em cagar um na frente do outro enquanto
parece que não tem mulher aqui porque uma mulher que tem aqui silenciou e ela passou o turno e ela passou o turno pra outro homem porque tem um monte de homem aqui e eles aprenderam desde tão pequeninhos quanto o zoé nos nossos colos é pequeninho que eles podem errar e aí eles erram pra caralho todo o tempo e falam o que vem na cabeça e é sempre muito genial e eles se xingam tanto e também ignoram esses xingamentos porque o xingamento de outro é
o registro do erro e do processo e de todos os tropeços machucões empurrões safanões só é possível pra quem
erra
pra
caralho
então seria preciso mostrar que a renda no canto da calcinha já tava caindo mesmo aprender a bater e a levar e a levantar de novo e eu e elas e a gente
escuta
ainda
bem
mas também quando ficar pronto um emaranhado sem mãe sem pai e ninguém vai lembrar se reconhecer reivindicar se questionar o que diabo estava fazendo naquele fragmento de tempo ou
elas e eu e nós tod_s vamos aprender o que já sabemos mas insistimos em fingir que não porque optamos por não limpar a terra da bunda logo depois do tombo ajeitar o cabelo ou caminhar pra trás quando nos perdemos
ainda
bem
no meio
do caminho

*
olha, é essencial ter mais de dois olhos, muitas sensibilidades, sensibilidades de muitos bairros. os sentidos se estapeiam pela permanência, entrando em discussões de substantivo ou verbo? catuaba ou cialis? namoro ou amizade? tomar um comprimido, empreender o exercício diário do tesão: a leitura de bulas, a forragem das paredes, fotografar o rosto uma vez por dia durante uma semana. está escrito: não é permitido ser um cidadão em fuga.
desenvolvemos um método: toda noite, brigamos. dias pares, eu compro a tiquira, dias ímpares, el_ traz o iodo. passa nas feridas da cabeça, cuida delas, é o importante para permanecer de pé, escrevendo. depois de conviver com os teus poemas, luta com eles. quando era mais novo, você escrevia bem porque flexionava os músculos e vencia a literatura sempre. agora anda pela cidade com vontade de desmontar tudo, desiludid_ com os obituários que aguardam publicação. perdeu a casa, a cama, o gosto, a grana, tem saudade de carregar a dança e não sabe o que fazer.
agarra uma lata de tinta, um balde cheio de cola e vai ver aquel_ escritor_ que você ama enlouquecendo num hospício as suas últimas horas de vida. enquanto a guerra for sua contra você, será importante ouvir o que el_ diz. repete, você não está sozinh_. você não está sozinh_. você não.

Oficina Experimental de Poesia

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