A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

14 de agosto de 2025

A marcha das utopias

não era esta a independência que eu sonhava

não era esta a república que eu sonhava

não era este o socialismo que eu sonhava

não era este o apocalipse que eu sonhava


José Paulo Paes


6 de julho de 2025

Festa

Belchior datilografou 

para si um a um 

todos os versos 

da Divina Comédia


Eu só queria saber 

qual a sensação de colocar 

aquelas palavras 

naquela ordem disse ele


Leonardo Gandolfi

30 de maio de 2025

Vestígios

 

Tenho como hábito sublinhar palavras

Como quem traça rotas de fuga

No labirinto dos livros

Produzindo no silêncio de suas páginas

Um poema implícito

Perdido naquilo que está inscrito no escrito das coisas

Como se o poema fosse um espelho de silêncios

Eco quase inaudível

Ou animal selvagem 

Aprisionado no fundo de uma trama

No centro de um labirinto

Como se os livros fossem uma espécie de oceano 

Cheio de possibilidades em aberto

Pois quem escreve uma história deixa de escrever infinitas outras

Sempre deixando no seu rastro

Os vestígios de um naufrágio

 

Salvador Passos

11 de maio de 2025

Vigilantes noturnos

 Os que fazem amor não estão apenas fazendo amor; estão dando corda ao relógio do mundo

 

Mário Quintana

22 de abril de 2025

Como me espanta o espanto

 Como me espanta o espanto

do homem que senta ao meu lado

Veste terno de engenheiro

E pânico de funcionário

 

- Eu não leio O Marinheiro

poema quase dramático

 

José Carlos Capinan

17 de abril de 2025

Estrangeiro

 O café tomado na esquina

- meio de lado

no balcão

a ponto de observar

a manhã que reproduz

e se mistura

em pernas rápidas

(decomposição do movimento)

 

O café pago no caixa

-troco. obrigado, cigarro na boca

de mais uma manhã

 

mais uma manhã

trocando olhares

medindo gestos

(somos todos estrangeiros

nesta cidade

neste corpo que acorda)

 

e não me misturo

- com essa gente,

não me misturo

 

Heitor Ferraz

7 de abril de 2025

XV

" Singing in silent spring: Birds respond to a half-century soundscape reversion during the COVID-19 shutdown "

Science, setembro de 2020 

No livro Vida: Efeito-V

Carlito Azevedo

28 de março de 2025

Estelita

deixei os copos sobre a pia
o café na xícara já estava frio
deixei palavras pelos cantos
poemas adormecidos nas lembranças

esqueci abertas as janelas  
a casa guardava seus espantos em silêncio
esperava pelo vento de outras vidas

Salvador Passos

26 de fevereiro de 2025

Gesta da água

“Há sempre um copo de mar

        para um homem navegar”

                                    Jorge de Lima

 

 

Nesta grandíssima manhã 

de primavera, 

as portas 

da minha casa 

estão abertas 

para a visita

fluida da beleza.

Altair é a susana da minha poesia 

e da minha vida.

A solidão habitava o feiume 

dos meus gestos e

querençoso eu esperava 

o tempo.

 

Hoje caminho tardo 

pelo vento oeste.

 

Meu coração vagueia 

no mapa das ruínas 

e infesto o campo dos 

silêncios.

 

Cada ruído pressentido, 

diz da alma.

 

Cada rastro revelado, 

diz da vidência, essa 

alegria 

a se eternizar.

 

Mancham os céus de um cinza cruel 

e morrem 

os oceanos 

em mim.

 

Eu que sempre 

fui água, 

mansidão 

de peixes 

e de siris.

 

 

Ser líquido 

na chuva, 

rio no mar naufragado.

 

Eu que sempre 

fui água, 

a escorrer 

pelo sangue das marés.

 

Ó manhã 

devastada no belo! 

Assim é a ceia farta 

dos maremotos 

escondidos!

 

Queda,

quebra,

estrondo

 

elegia da natureza 

encantada,

sou água!

 

Diego Mendes Souza