
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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16 de abril de 2013
29 de fevereiro de 2012
vitória do time de várzea
quero a vitória
do time de várzea
valente
covarde
a derrota
do campeão
5 X 0
em seu próprio chão
circo
dentro
do pão
p. leminski
do time de várzea
valente
covarde
a derrota
do campeão
5 X 0
em seu próprio chão
circo
dentro
do pão
p. leminski
milagre da consciência
1
O milagre da consciência é apenas um
minimomento brevíssimo, na história do
universo?
2
Ou a consciência participa de algum mistério
maior?
3
A vida na matéria. E, na vida, a consciência
teriam sido apenas um dos acasos possíveis no
universo? Um acaso que pensou o próprio
acaso ou um acaso por onde o acaso se pensou
a si mesmo, por um momento, e apagou?
4
AQUELA COISA ESTRANHA QUE
ACONTECEU NO PLANETA TERRA.
5

p leminski
O milagre da consciência é apenas um
minimomento brevíssimo, na história do
universo?
2
Ou a consciência participa de algum mistério
maior?
3
A vida na matéria. E, na vida, a consciência
teriam sido apenas um dos acasos possíveis no
universo? Um acaso que pensou o próprio
acaso ou um acaso por onde o acaso se pensou
a si mesmo, por um momento, e apagou?
4
AQUELA COISA ESTRANHA QUE
ACONTECEU NO PLANETA TERRA.
5

p leminski
poeta intinerante
Poeta itinerante e peregrino,
pelas ruas do mundo,
arrasto o meu destino
Mundo? Uma aldeia de nome tupi,
um monstro com nome de santo,
Curitiba, São Paulo,
com vocês me deito,
com algo me levanto.
Vocês aí parados
a mesma vida de sempre,
como vos invejo e vos desprezo,
voz de nós, voz dos meus avós,
prazos, prêmios, praças, preços,
chove sobre mim
a chuva que eu mereço.
Invoco forças poderosas.
Quando vou poder
transformar minhas ruínas em rosas ?
p leminski 88
pelas ruas do mundo,
arrasto o meu destino
Mundo? Uma aldeia de nome tupi,
um monstro com nome de santo,
Curitiba, São Paulo,
com vocês me deito,
com algo me levanto.
Vocês aí parados
a mesma vida de sempre,
como vos invejo e vos desprezo,
voz de nós, voz dos meus avós,
prazos, prêmios, praças, preços,
chove sobre mim
a chuva que eu mereço.
Invoco forças poderosas.
Quando vou poder
transformar minhas ruínas em rosas ?
p leminski 88
31 de agosto de 2011
24 de agosto de 2011
16 de julho de 2011
8 de junho de 2011
Erra uma vez
nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
Paulo Leminski
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
Paulo Leminski
5 de maio de 2011
Descartes com Lentes

Ego, Renatus Cartesius, cá perdido neste labirinto de enganos deleitáveis, vejo o mar, vejo a baía e vejo as naus. Vejo mais. Já lá vão três anos que deixei a Europa e a gente civil: lá presumo morrer à sombra de meus castelos e esferas armilares, jazendo na ordem de meus antepassados. “Barbarus hic ego sum quia intellegor ulli”, - isso do exílio de Ovídio é meu.Do parque do Príncipe, contemplo o telescópio, o cais, o mar e os pássaros do Brasil. Como é do meu hábito de ver- des anos, medito deitado nas primeiras horas da manhã só me fazendo à rua muito tarde, já sol de meio-dia.Estando no parque de Vrijburg, circundado de plantas gordas, nas suas folhagens descomunais, flores enormes de altas cores, cintilantes de gotas d’água e de inse- tos; seu cheiro é uma carne, o ambiente é sólido, eu poderia tocá-lo. Bestas de toda sorte circulam em gaiolas, jaulas, ou soltas - animais anormais gerados pela inclinação do eixo da terra, do equinócio. O chamado, na algaravia destes reinos, tamanduá, c/ a língua ser- penteando entre as formigas de que extrai todo seu mantimento; levanta-se de pé à laia de homem, formidando e formigófago; o olhar míope de ver formigas cara a cara, tropeça num formigueiro e rola, envolto em formigas. Tatu é convento, rochedo e bastião; disfarçado de pedra, gela com elas e crescem árvores, repousando enquanto pensa seus juízos irrefutáveis.As capivaras, ratos magnos, o estômago maior que o corpo, concentrando comida.Numa gaiola, o tucano, indeciso sobre o penhasco do bico, ser pedra ou bicho. Monstros da natura desvairada nestes ares. A jibóia, python que Apolo não matou, abre todo seu ser em engolir; engloba antas, capivaras, veados, - de que deixa fora das goelas os chifres, - como uma árvore caída com galhos -, até que apodreça em seu bucho; então cospe os chifres e come outro. Exorbitantes, vivem séculos, diz Marcgrav. Certamente vivem séculos. Crias? Qual não será fihote? Cada vez maiores, a mãe delas todas acabará por engolir o orbe. Não, esse pensamento não é corrupção dos climas, é inchação do calor em minha cabeça. Que se passa comigo? Hei de abrir meu coração a Articzewski e saberá esclarecer essa treva que me envolve. Virá. Articzewski virá. Nossas manhãs de fala fazem-me falta. Quanto falta para que chegue? Um papagaio pegou meu pensamento,diz palavras em polono, imitando Articzewski. Bestas geradas no mais aceso do fogo do dia... Comer esses animais há de perturbar singularmente as coisas do pensar. Passo os dias entre essas bestas estranhas e à noite meus sonhos se povoam de estranha fauna e flora, de bicos e dentes... É a flora faunizada e a fauna florescida. Singulares excessos. Escrevendo as “Primae Cogitationes circa generationem animalium”, - de haec omnia non cogitavi. Esperarei consumindo desta erva de ne- gros que Articzewski me forneceu, chiba, chibaba, dianga, diamba, ou diancha, como a registra Marcgrav em seu “Lexicon omnium vegetalium quibus in Brasiliae utentur”. É uso de tououpinambaoults, de gês e de negros minas. Aspirar estes fumos de ervas, encher os peitos com os vapores deste mato, a cabeça quieta. Cresce de súbito o sol e as árvores vuhebehasu, que é enviroçu, embiraçu, inveraçu, conforme as incertezas da fala destas regiões, onde as palavras são podres, perdendo sons, caindo em pedaços pelas bocas dos bugres, água, fala que fermenta. índio é gente que carrega enormes pesos nos beiços, pedras, paus, penas, e não podem falar, falam como quem tem a boca cheia de bichos vivos. Os movimentos dos animais é augusto e lento, todos se olhando de jaula para jaula e para mim. A árvore vuhebehasu, de cerne mole, à maneira de carne ulcerada, casca com verrugas, as folhas grandes lóbulos de orelha, com um látex como porra pelos poros das formigas, dos seus galhos - tufos de parasitas, os frutos são ninhos de formiga, labirintos dos marimbondos, onde os tououpinambaouts vêm caçar maracanãs. Vejo baleias: limitado no mar Atlântico pelas tribos de baleias e no lado do poente pelos desertos de ouro em pó onde sopra o vento que vem do reino dos incas. E os aparelhos ópticos, meus aparatos? Ponho mais lentes no telescópio, tiro outras; amplio; regulo; aumento, diminuo, o olho enfiado nestes cristais, e trago o mundo mais perto ou o afasto longe do pensamento: escolho recantos, seleciono céus, distribuo olhares, reparto espaços, o Pensamento desmonta a Extensão, - e tudo são aumentos e afastamentos. Um olhar com pensamento dentro. Sempre fumando desta erva-que-dói. Como coça. Insetos insetivoros... E de Articzewski (ou Articzowski?) nada... Nem signos nem sinais... E esse sol epilético... Por três anos em vão alcei meu pensamento sobre esta fauna e esta flora e sinto que estes bichos de olhar calmo estão pensando em mim. Maravilha é pensar esse bicho. Como pensar esse bicho? Duvido que Articzewski possa. Não poderemos. Este bicho é proteu, aquela ave é orfeu, este vapor é morfeu? Quem mordeu? Metamorfose. Isso é dúvida ou concessão à má natura? O que é olho de onça, o que é vagalume? Enquanto o macaco representa e gesticula humano - o papagaio fala, e parece gente em pedaços, uma parcela no macaco e uma porção num papagaio. Batavos há que tem perdido a razão nestas zonas, casando-se em conúbios múltiplos com as índias, falam o linguajar deles, que é como os sons dos estalos e zôos deste mundo. Duvido de Cristo em nheengatu. Índio é gente?Este país cheio de brilho e os bichos dentro do brilho é uma constelação de olhos de fera. E de noite a cabeça cheia de grilos e gritos tem pensamentos de bichos... Esponjas, antenas, pinças certeiras. Pensamento é susto. Que fome! Uma arara acende-se em escândalos mas não é Artichofski. Num galho reto da árvore sob a qual me jazo (“patulae recumbans sub tagmine fugi”), está o assim designado bicho preguiça que requer uma eternidade para ir dez palmos: este animal não vive no espaço, vive no tempo, no calor e na intensidade. Este mundo não se justifica. Que perguntas fazer? Gigantomaquia, batracomiomaquia. Esta alimária levando eternidades para nada é o relógio deste meu estar fracassado: o bicho mede-me o tempo do intenso. Uma insógnita parada numa reta. Preciso lembrar disso para Artizcoff, e a preguiça sobre mim. Nem a fumaça que emito a perturba no calor do seu estar. Este mundo é o lugar do desvario e a justa razão aqui se delira. Umas árvores de papagaios: formigas comem uma árvore numa noite, - e os papagaios no sono, donde tantas árvores secas com os respectivos esqueletos apensos. E o calor... Esta canícula... 0 calor é pura substância onde bóiam gaivotas e o pensamento não entra nesses espaços nem ingressa nesse mundo.As aves sem fôlego, no sol, no fogo... O arúspice vê no vôo das aves o futuro pelo muito eterno do presente em que elas vivem. Não, esses pensamentos recuso, refuto e repilo. Sinto coisas crescerem em mim, contra mim e em prol deste mundo. Nada há aqui onde apóies o pensar. A esta terra faltam-lhe castelos, tumbas, estátuas, palácios catafalcos, cenotáfios, marcos miliários, arcos de triunfo, torres, estirpes. Fico feito Sísifo rolando rochas de cogitações que escorregam de volta no seu próprio peso. Faltam coordenadas... E essa preguiça... Com esse sono pesado, estou ancorado no presente, acordado neste pensar (ou pesar?) permanente... Artissef me levantará do chão e de minhas dúvidas. Um mecanismo de passarinhos! Aumento o telescópio: mais lentes. Lentes e dentes. Omito. Aqui não se reparte, não se divide. Um dia a selva desmorona em cima de Mauritstadt e a afunda na lama e no calor. Não esse pensamento não. Atrapalhos e trambolhões. Trabalhos de hércules. Podar as opiniões recebidas, as verdades dadas e os dados herdados, passando o rio Aqueloo, - e o discernir é o Aqueloo; cor- tar as sete cabeças da Hidra da vã presunção e inchaço de saber, que são, a) pensar que se sabe, b) dizer que sabe não sabendo, c) distorcer o cristal da verdade, d) ter o erro como verdade, f) não precisar de ninguém para chegar à verdade, g) precisar de todas as autoridades para chegar à verdade. Isso é hidra. Saber é hidra? Disso é mister cortar as sete cabeças. Colher os pomos de ouro do jardim das Hespérides (estes cajus) além das colunas: ir por partes, repartir. Sim, repartirei. Confirmo: Articavski, reparti. Parti, rachei, reparei. E de trabalhos não chegarei aos doze. Para que trabalhar tanto? “Credo ut intellegam”, sim, mas já não creio no que penso. Já duvido se existo: exito. Se existe este tamanduá, eu não existo. Pensar é uma esponja? Tamanduá não é verdade; eu quero a verdade. Com os santos padres de La Flèche aprendi a obrar em presença de Deus; e aqui, - obrando em presença de bichos? Pelo Sagrado Coração de Jesus! E que é do Cérebro de Jesus? Ah, se o rio de pensar fossem silogismos e subjuntivos! Aqui tudo tão enigmas. Esta vuhebehasu é esfinge, e Cérbero bebe o Estige e a água do meu cérebro. Quero dizer: aqui não se pensa: e olhar com lentes já é o máximo do pensar... É o sumo do pensar, e aqui estou no máximo e no excedente. Nas excelências. A cabeça furada de cáries. Um côco roído de formigas. Nestes climas onde o bicho come os livros e o ar caruncha os pensamentos, estas árvores ainda pingando as águas do dilúvio. Ah, Brasil, Parinambouc, minha Tróia, este mundo é sujeira; este mundo não sai: é uma sujeira em meu entendimento no vidro de minhas lentes.0 próprio do corporal alimento é, em alimentando, ir-se-lhe o sabor da boca; mas os frutos desta terra são caju, maracujá, guabirobas e ananazes; o sabor fica na boca e não passa. Essas frutas são fruto de minha imaginação ou usufruto de meu cismar? Esta nota a porei em nótula ao “De Saporibus”: em Marpion não. E metamorfoses, as coisas rolam, transformam-se sem sair do lugar. Calor e mosquitos que me carcomem os pensamentos. Meu pensar apodrece entre mamões, caixas de açúcar e flores de Ipê. Durmo com um teorema na cabeça, comendo abacaxi, e acordo com a boca cheia de formiga. Vae! Ai do Pensamento e da Extensão. Cancerado e cancelado. A humana criatura aqui não mais “substância pensante” mas substância pesando, substância substante, que sei? A ciência do silêncio e do pensar violento. Lá na torre, Marcgrav, Goethuisen, Usselincx e Post colecionam em vitrines e vidro os bichos e flores deste mundo; mas não sabem que deviam por o Brasil inteiro num alfinete sob o vidro? Não, esse pensamento não. A sombra da preguiça pesa sobre meu entendimento como um penedo. 0 sol por dentro dos cachos, frutas explodem em fachos, entre penas de insetos, plumas. Pirilampos de pensamentos, lampejos. A cabeça pensa com a boca podre, os dentes carcomidos de açúcar? A aranha ali leva para fazer a teia o mesmo tempo que levo para pensar um teorema. Ou perco? Se perco, perdi-me Artizshofski achar-me-á para mim e para ele?Quando vim com Maurício, não pensava; quando vim, vinha. De fumar a boca se enche de terra e a cabeça de uma água calma. Investi; pelejei contra Paranambouc de ponto em branco no meu método – “mirabilis fundamentum” - mas ora sei que todo método é método de preservar-se da irrupção de novas realida- des. Que mau astro me trouxe a parar nes- tas paragens? Que signo? Câncer, - comi- do dos cânceres de Câncer, ou flechado nas setas de Sagitário, náufrago nas águas do Aquário; e ponho na Balança um bicho que rói o fiel e a balança rui. Vim com as naus de Nassau para expor meu método às tentações deste mundo, para prová-lo nesta pedra-de-toque, mas meu pensar bate nessa pedra - e o eco é pleonasmo, é tautologia, eco a mesmice; reflete, devolve e recusa: siso de Narciso.
– Ignoras, mundo, tudo que pensei?
– Sei.
– Qual é teu arcano que decifrar não
consigo?
– Sigo.
– Aonde vai esta preguiça que para
nada tanto tempo levou?
– Vou.
– Onde reside tua verdade para eu
buscá-la?
– Cala.
– Cogito ergo sum?
– Um.
– Quem me conta deste mundo, que
tento mas não disseco?
– Eco.
Concrescem as horas e as obras, eu perdido no pó deste pensar, no meio destas cobras. Raízes com ostras. Raízes.Monstros à mostra. Abortos abertos ao sol, e troncos. 0 aparente aparece. Isso é baralho: um ás na hora vale mais que Aristóteles. Mas que digo! Alguém está pensando no meu entendimento, ou já criei bicho na memória? Ou é alguma carne, alguma rês, que comi? O ser é espêsso, definitivo. Precário. Ou uma erva, um clima, uma região e um zôo podem mais que meu entendimento e minha alma imortal? Salvá-la-ei? “Quod vitae sectabor iter?” Isso de Ausônio pergunte-me em verdes anos. E agora entre tououpinambaoults, que me importa? As vezes parece-me que a terra pulsa como um coração; ou será o meu? De quem será? Que pensam os índi- os sobre isso tudo? Índio pensa? Artixoff mo dirá; ocorre-me que está aqui há dez anos: e não pensando mais? Com aquelas tatuagens todas, pensa ainda? Um homem escrito pensa? Esse pensamento recuso, refuto, repilo, deserdo, rasuro, desisto. Índios comem gente. Pensamento é susto. Estes conceitos - eu os quero perpetuar. Perpétuos em minha memória - estes sucessos. Demasias. Este mundo, este mato. Índios comem gente. Como será? Sepultar em nós um corpo com nome e coração, e me vem de súbito a fome de devorar Artixofski. Terei seus pensamentos? Sentirei seus males, sofrerei de sua sede, saberei de seus saberes e deveres? Estes conceitos - eu os quero esquecer. Artixoff não saberá deles, não se pensa mais nisso. Índio pensa? índio come gente - isso sim. Índio me comendo, pensará estes meus pensares ou pesará de todo esse peso, parado no momento? Um índio come a tua perna olhando cara a cara, olho a olho, com tua cabeça caveirada. Eu vi com estes olhos que a terra há de comer. Ou não? Ora saibam que os tououpinambaoults es- petam no fálus certos espinhos e acúleos para inchá-los como troncos, e mal podem suster-se ao peso daquilo e incham pelo amor de inchar que não há mulher que os sofra, como tudo incha e infla nestes cli- mas. Ah, como penso mal! Elefantíase do meu cogito! Uma fumaça sobe aos ares. Queimam os campos? Ou é a guerra? Artixov enfrenta os de Parinambouc. Os corvos comedores de olho enfrentam o sol e se assanham nas pupilas. Não, chega de ficção, não há guerra, tudo é paz, é sossego, só essa angústia assustada. Aponto a luneta e partem naus. Erguem velas com gente suando de saudade. Partem mas não vão. E a âncora que içam vem viva, é um caranguejo que corta as cordas e as jugulares. Naquela água de abacate, nada navega, nada se locomove. E a bússola é um relógio morto. E o pensar estelar destes insetos com antenas azuis e ágeis? É o meu? Não é o meu, que eu sou de repartir e separar. Ah, como era eu Cristo ao dar seu pão repartindo em pequeninos! Sinto o pisar dos bichos, e o pesar dos peixes nessas águas onde bóiam mamões. Nada que mereça o bronze ou a bela linguagem. O olho do sol pisca. Artisheffsky para cair sobre meu pensamento. A preguiça não come. Incha de estar ali. Parada no ponto exato. Gerar e girar. Meu corpo só podia ter o tamanho que tem. Vulnerável à dúvida, ao dente e ao olhar, - vulnerável a lâminas, flechas, arcabuzes, - e a cabeça que pensa uma clava de tououpinambaoults esmaga. Não há dúvida. Ai, como dói essa constelação na úlcera de minha dúvida metódica! E o método duvidoso desses bichos? É preciso matar para garantir o método; aquele olhar te olhando é pensa- mento, e isso dói. Pisando até esmagar aquela cabeça, o ar se limpa: você apaga essa fogueira do pensar, em cujo fumo gesticulamos afônicos e acéfalos. Afasta-te, remove-te, Parinambouc dá-meo espaço de pensar-te e, em te pensando, salvar meu pensamento da danação, vade retro! Sylva aestu aphy1la, sylva horrida... Intumuere aestu... Falar por falar é coisa que nunca fez mal. Pensar por pensar. Consumir-se suando de pensar como um círio, aceso na cabeça e as formigas me comendo e me levando em partículas para suas monarquias soterradas. A existência existe no existente, a presença presente no presenciar, as circunstâncias no circunstancial, o integro integrado no integral, a totalidade totalmente no total. Contacto compacto com coisas coesas. No grande livro do mundo, Parinambouc são páginas enigmáticas fechadas ao siso e à fala. Este capítulo não cifro nem decifro; ou é erro? Sofro, e este livro sem textos é só ilustração e iluminura. Não traduzo nem leio. Coagido, cogito. Giro e jazo. Um círculo de giz em volta de meu juízo, uma nuvem, uma caligem, um bafo me embacia o entendimento para que não entenda Parinambouc, - e Parinambouc é o círculo, a nuvem, a caligem. Cogito ergo sum? Sursum corda. Ergo. Dentes e lentes. Co- gito e corrijo. Agito. Fedor de antas e ara- ras. Uma fera urra dando á, luz. A onça está parindo Articzewsky? Ai, ui, este pensamento sem bússola é meu tormento. Meu penar e no pesar. Ah, quando verei meu pensar e meu entendimento - fénix - renascer das cinzas deste cigarro de maconha? Ocaso do sol do meu pensar. Nova- mente: a maré de desvairados pensamentos me sobe no pomo de Adão como um vômito. Estes não. É esta terra: é um erro, um engano de natura, um desvario, um delírio, um desvio. Uma doença do mundo. E doença doendo, eu aqui com lentes esperando Articxoffski, e aspirando. Aumento o telescópio; na subida, lá vem Artyxovsky... Mas como? Vem bêbado... Artyshesky bêbado... Bêbado como polaco que é...Bêbado? Quem me compreenderá?
Nota: Com Descartes com Lentes Leminski participou do II Concurso Nacional de Contos da Fundepar (Curitiba, 1969) sob o pseudonimo de "Kung", e só não recebeu o primeiro prêmio devido a confusão com outro texto assinado por um certo "Kurt". Após o incidente este texto se transformaria na gênese do romance "Catatau" lançado em 1975. O enredo era muito pouco cartesiano: "abandonar" o filósofo René Descartes (1596-1650) em uma praia do Nordeste brasileiro, ao sabor do sol e do calor dos trópicos, e observá-lo enquanto espera ser resgatado pelo comandante da expedição que o esqueceu, o fictício Krzystof Arciszewski. O título, Descartes com Lentes, faz referência à luneta que o racionalista empunha durante boa parte da história, em busca, no horizonte do mar deserto, da figura de seu salvador.
23 de abril de 2011
7 de abril de 2011
Ervilha da Fantasia
"Não sei se todos os povos amam seus cientistas, mas todos os povos amam seus poetas."
Paulo Leminski
31 de março de 2011
Inutensílio
A ditadura da utilidade
A burguesia criou um universo onde todo gesto tem que ser útil. Tudo tem que ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentábeis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parecia coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores, mete preço em cima de tudo. Porque tudo tem que dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.
Além da utilidade
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas.
Todos sabemos que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além- Cartas à redação). Fazemos as coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é, no fundo, luta pelo acesso a estes bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.
Coisas inúteis (ou "in-úteis") são a própria finalidade da vida.
Vivemos num mundo contra a vida. A verdadeira vida. Que é feita de júbilo, liberdade e fulgor animal.
Cem mil anos-luz além da utilidade, que a mística imigrante do trabalho cultiva em nós, flores perversas no jardim do diabo, nome que damos a todas as forças que nos afastam da nossa felicidade, enquanto eu ou enquanto tribo.
A poesia é o principio do prazer no uso da linguagem. E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial, centrada no trabalho servo-mecânico, dos USA à URSS, compra, por salário, o potencial erótico das pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis.
A função da poesia é a função do prazer na vida humana.
Quem quer que a poesia sirva para alguma coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas manifestações inferiores, na diluição da informação original. Os que exigem conteúdos querem que a poesia produza um lucro ideológico.
O lucro da poesia, quando verdadeira, é o surgimento de novos objetos no mundo. Objetos que signifiquem a capacidade da gente de produzir mundos novos. Uma capacidade in-útil. Além da utilidade.
Existe uma política na poesia que não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais complexa, mais rarefeita, uma luz política ultra-violeta ou infra-vermelha. Uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.
O indispensável in-útil
As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio.
As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a megera.
Mas ela sempre volta a incomodar.
Com o radical incômodo de urna coisa in-útil num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê.
Pra que por quê?
Paulo Leminski
In ANSEIOS CRIPTICOS, Ed. Criar, Curitiba, PR, 1986, p. 58-60.
A burguesia criou um universo onde todo gesto tem que ser útil. Tudo tem que ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentábeis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parecia coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores, mete preço em cima de tudo. Porque tudo tem que dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.
Além da utilidade
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas.
Todos sabemos que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além- Cartas à redação). Fazemos as coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é, no fundo, luta pelo acesso a estes bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.
Coisas inúteis (ou "in-úteis") são a própria finalidade da vida.
Vivemos num mundo contra a vida. A verdadeira vida. Que é feita de júbilo, liberdade e fulgor animal.
Cem mil anos-luz além da utilidade, que a mística imigrante do trabalho cultiva em nós, flores perversas no jardim do diabo, nome que damos a todas as forças que nos afastam da nossa felicidade, enquanto eu ou enquanto tribo.
A poesia é o principio do prazer no uso da linguagem. E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial, centrada no trabalho servo-mecânico, dos USA à URSS, compra, por salário, o potencial erótico das pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis.
A função da poesia é a função do prazer na vida humana.
Quem quer que a poesia sirva para alguma coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas manifestações inferiores, na diluição da informação original. Os que exigem conteúdos querem que a poesia produza um lucro ideológico.
O lucro da poesia, quando verdadeira, é o surgimento de novos objetos no mundo. Objetos que signifiquem a capacidade da gente de produzir mundos novos. Uma capacidade in-útil. Além da utilidade.
Existe uma política na poesia que não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais complexa, mais rarefeita, uma luz política ultra-violeta ou infra-vermelha. Uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.
O indispensável in-útil
As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio.
As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a megera.
Mas ela sempre volta a incomodar.
Com o radical incômodo de urna coisa in-útil num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê.
Pra que por quê?
Paulo Leminski
In ANSEIOS CRIPTICOS, Ed. Criar, Curitiba, PR, 1986, p. 58-60.
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