A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010
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19 de novembro de 2013

Sobre os presos no Rio: o cansaço não é uma opção!


Sobre os presos no Rio: o cansaço não é uma opção!
NOVEMBRO 18TH, 2013
Não estamos todos aqui, faltam os presos. Essa é a sensação de nós que não esquecemos de Baiano e de Rafael. Eles têm sido uma das formas do Estado se vingar da nossa ousadia. Eles não aceitariam tão facilmente tanto distúrbio e agora querem nos fazer temer para que durmam em paz. Porém não esquecemos dos presos e enquanto estiverem lá, estaremos aqui lutando contra as opressões e pela libertação de todos. Eles apostam no nosso cansaço e no nosso esquecimento, mas todos sabem que quem recebe a tapa nunca esquece. 

Rafael Vieira foi preso no dia 20 de junho por portar produtos de limpeza. Saía da sua casa, uma loja abandonada, no centro do Rio de Janeiro quando se deparou com a maior manifestação política na história recente do país. Agora está encarcerado no complexo presidiário de Japeri. Obviamente o fato de ser negro e morador de rua explicam o motivo de ainda estar encarcerado. Um frasco de desinfetante e outro de água sanitária de plástico não podem ser usados como Coquetel Molotov como é alegado pela justiça. Mas ainda assim não há previsão para o seu julgamento. Mais do que um nome ele é a realidade do que o Estado faz com negros e pobres. 

Já Baiano, Jair Seixas Rodrigues, foi preso no dia 15 de outubro nos protestos no Rio de Janeiro, foi acusado de ser parte do Black Bloc. Esse nome virou uma grande ficção midiática criada para criminalizar qualquer um que estiver nas ruas. Não existem provas que o conectem a nenhum grupo de confronto de rua, mas isso não importa mais no Brasil. Agora ele se encontra no presídio Bangu 9 e está recebendo mais apoio que Rafael por conta da sua militância. O seu julgamento está marcado para terça-feira (19/11) e aguardamos ansiosos para ver o resultado. 

Dois integrantes do movimento “Ocupa Câmera” fazem greve de fome pela libertação dos presos desde o dia 7 de novembro. Afirmam que só pararão no dia que a demanda for acatada. Alguns outros coletivos se mobilizam pelos presos e aqui nos juntamos a esse esforço. Acreditamos ser esse um momento oportuno para pensarmos seriamente por aqui que não existem “presos políticos”, pois todos são presos políticos por ousarem desafiar as leis do capital. Os contatos dos manifestantes que foram encarcerados com os outros presos nos relembraram para o fato de que esses campos de concentração chamados de presídios são lugares onde podem ser construídas cumplicidades contra as opressões do cotidiano. Por isso clamamos pela libertação imediata de todos os presos (sem adjetivos). A liberdade é o crime que contem todos os crimes!

8 de novembro de 2013

Justiça Global repudia endurecimento penal para calar protestos


Justiça Global repudia endurecimento penal para calar protestos

- Governo federal cria grupo integrando de serviço de inteligência e de policias para perseguir manifestantes

Foto: Luiz Baltar

No dia 31 de outubro de 2013, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reuniu-se com os Secretários de Segurança Pública do Rio de Janeiro e de São Paulo, para debater a violência em manifestações. A despeito dos diversos relatos e denúncias sobre os abusos e violências das forças de segurança pública em ambos os estados, o governo federal esta propondo um novo endurecimento punitivo no tratamento dos manifestantes. Esta reunião teve como resultado a criação de diversas medidas preocupantes, que apontam um novo recrudescimento da violência policial para conter a ação dos manifestantes, situação que há muito já é vivenciada por comunidades pobres de todo pais. Destacamos que a intervenção do governo federal não teve como nenhum de seus objetivos uma tentativa de diminuição da repressão policial aos manifestantes ou que visasse a proteção do direito à livre manifestação, que vem sendo violentamente desrespeitado.

Dentre as iniciativas, destacamos: (i) aprofundamento e unificação da conduta entre policiais; (ii) protocolo de ajuste entre as polícias; (iii) proposta de modernização e padronização de interpretações de leis; (iv) criação de grupos operacionais com membros do Ministério Público e delegados para diferenciar movimentos sociais e vândalos – que vem se mostrando como distinção que só é utilizada com intuito de impedir a permanência dos manifestantes protestando; (v) cooperação das inteligências das policias civil e militar e da Abin; (vi) Possibilidade da polícia federal passar a investigar; (vii) recrudescimento das leis penais dos tipos que vem sendo utilizados para criminalizar os manifestantes.

Tais medidas apontam para um evidente desrespeito a normas internas e internacionais de direitos humanos. As alterações legislativas que vêm sendo propostas prevem detenções e prisões ilegais por tempo maior, principalmente com a proposta de transformar em agravante condutas contra policiais, equiparando estes à crimes contra vulneráveis como crianças e idosos. Tal intencionalidade fica clara com a fala de José Mariano Beltrame, que afirmou “o policial precisa ter a garantia de que, quando apresenta alguém, aquilo efetivamente terminará em ação penal”, ignorando as diversas detenções ilegais que estes vêm realizando. Ainda deve ser ressaltado a articulação desta reunião com a própria Secretaria Extraordinária para Segurança Pública em Megaeventos, apontando que o intuito de tais medidas é garantir a norma de exceção e silenciamento da população frente as arbitrariedades que vem sendo cometidas na preparação da cidade para os Megaeventos.

O Ministério da Justiça ainda anunciou que criará um grupo integrado para “investigar” as manifestações populares que tomaram o país. Unindo o Governo Federal e os de São Paulo e Rio de Janeiro, o Estado brasileiro mostra estar disposto a rapidamente federalizar investigações quando se trata de criminalizar os movimentos sociais, mas lento quando é para apurar graves violações de direitos humanos. Quando o Estado fala que a tarefa do grupo será investigar abusos nos protestos, não quis dizer abusos da polícia. Estes continuam e, parece, continuarão sem nenhum tipo de resposta efetiva por parte do Estado, já que, segundo Mariano Beltrame, filmagens que mostrem abusos por parte da polícia, como os diversos casos de flagrante forjado, não são suficientes para se tomar nenhuma atitude definitiva. Por outro lado, uma mera postagem nas redes sociais levou à apreensão de computadores e pertences pessoais e à incriminação por apologia ao crime.

O governo federal e os governos estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo têm ignorado solenemente uma das principais bandeiras ecoadas nas ruas desde junho: a desmilitarização da polícia brasileira, considerada uma das mais violentas do mundo. Além de se negarem a ouvir, caminham na direção contrária dos anseios da população, lançando mão de medidas arbitrárias que mais se assemelham aos atos institucionais usados nos períodos de exceção da história do nosso pais.

Black blocs - "eles querem ser escutados"


retirado do Brasil de Fato

Black blocs, o alvo é a Copa


“Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados”, diz Esther Solano, professora da Unifesp, que entrevista os adeptos da tática desde as manifestações de junho

06/11/2013

Paulo Hebmüller
de São Paulo


Jovens na casa dos 20 anos, com emprego e acesso ao ensino superior, embora ambos de qualidade discutível; submetidos à precariedade dos serviços públicos do Estado em áreas como saúde, transporte e educação; defensores de uma visão de mundo na qual atacar símbolos do capitalismo não pode ser considerado um ato violento, pois a verdadeira violência contra a população é praticadapelo sistema político e corporativo – dados como esses compõem o perfil dos black blocs de São Paulo, na visão da pesquisadora Esther Solano Gallego.

“Eles querem ser escutados, mas por alguém que tenha um olhar um pouco mais imparcial e se disponha a realmente entendê- los”, diz a professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esther vai às ruas desde junho – primeiro como manifestante; depois, com o colega Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, passou a conversar com diferentes grupos para procurar entender suas motivações.

A pesquisa acabou centrada na dinâmica entre os policiais, a cargo de Alcadipani, e os adeptos da tática black bloc. É ao lado deles que a professora fica nas manifestações. O objetivo do trabalho, de acordo com Esther, não é emitir julgamentos ou defender qualquer dos lados, mas sim tentar entender um fenômeno social que cabe aos pesquisadores conhecer.

Uma das questões que agora ocupam a pesquisadora tem a ver com a criação de uma força-tarefa, unindo Ministério Público e as polícias Civil e Militar, anunciada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo no início de outubro.O secretário Fernando Grella Vieira defende o indiciamento dos black blocs por associação criminosa.

Na entrevista a seguir, a espanhola Esther Solano – que se doutorou em Ciências Sociais em meio à crise econômica em seu país e veio para o Brasil em 2011, diz que é difícil saber se as medidas levarão os jovens a radicalizar suas ações ou a retroceder por medo da prisão. Certo mesmo é que por enquanto os adeptos da tática permanecem nas ruas, e que seu objetivo é chamar a atenção do mundo – literalmente – na Copa de 2014, cuja abertura coincidirá com o primeiro aniversário das grandes manifestações de junho.

Brasil de Fato – Com quantos jovens que utilizam a tática Black Bloc você já conversou?
Esther Solano Gallego – Mais ou menos 30. Comecei a falar com eles porque me parece muito importante entender o que está acontecendo, e a única forma de entender é sair para a rua e conversar com eles, o que para mim, por paradoxal que pareça, é muito fácil. Esses jovens não consideram os meios de comunicação de massa seus interlocutores. Mas, quando eu me apresentei como professora e pesquisadora, me aceitaram muito bem.

Qual o perfil que você já identificou neles?

É bem heterogêneo. Temos que diferenciar: há aqueles que sabem realmente o que significa a tática black bloc, leem e sabem articular um discurso mais ou menos politizado, e que são a grande maioria dos que entrevistei. Mas claro que há alguns que simplesmente aproveitam o momento de caos para cobrir o rosto. Tenho tentado conversar com eles também, porque acho que estão representando sua própria forma de violência. Mas são a minoria na minha pesquisa, e essas conversas não têm dado muitos frutos.

Em relação ao primeiro grupo, são jovens que têm um projeto político, que quando saem para a rua para quebrar um banco entendem que esse gesto tem um significado. Os mais novos têm 17 anos, mas em geral a idade vai de 20 a 24 anos; a grande maioria trabalha, muitos estudam. Há alguns formados, a maioria em universidade particular, mas há também gente de universidades públicas como a USP. A maioria é de classe média baixa. São usuários do transporte público, do SUS, da escola pública, mas a maioria não vem daquela periferia mais pobre e excluída.

Eles fazem parte do que vários estudiosos têm chamado de um subproletariado que vem crescendo muito nos últimos anos no Brasil?

A maioria, sim. São jovens que trabalham há pouco tempo, mas já conhecem bem a precariedade do Estado. Friso novamente que a maior parte não é daquela periferia que praticamente não tem acesso às manifestações.

Que tipo de leitura e formação política têm esses jovens com quem você conversa?

Tem de tudo. Alguns leram bastante os anarquistas e articulam bem essa linguagem. Outros não leramtanto, mas têm uma visão política bem articulada. São basicamente duas coisas: a grande maioria possui uma visão política mesmo – talvez não a da academia –, e enxerga bem o que quer fazer. Vale a pena reiterar que a maior parte dos jovens que entrevistei tem um pensamento definido como base de suas ações, o que não impede que, em momentos de manifestações maiores, apareçam indivíduos com muito menos articulação ou que simplesmente se aproveitam do momento.

Há alguma conexão com a origem dos black blocs na Alemanha do final da década de 1980 e com os chamados movimentos antiglobalização dos anos de 1990?
A maioria dos que entrevistei não pensava no que era o black bloc antes das manifestações. Muitos falam que começaram a pensar nisso depois daquele protesto do dia 13 de junho (no Centro de São Paulo), quando a Polícia Militar, como eles dizem, “chegou batendo”. Alguns já tinham lido alguma coisa, mas a grande maioria se envolveu pela ação e reação do momento.

Como você analisa a acusação de que eles são fascistas e estão a serviço de outra causa que não é a intenção original das manifestações?

Acho que aí existem duas coisas. Primeiro, que a esquerda mais institucionalizada, mais partidária, talvez se sinta muito afastada do que aconteceu. Minha percepção é de que há um certo ressentimento com isso, porque ninguém contou com os partidos de esquerda, com os sindicatos ou com os movimentos tradicionais para ir à rua. Outro aspecto é que, em todas as conversas que tive com eles, não percebi nenhuma indicação de que sejam manipulados ou de que respondam a outro grupo. Creio que a motivação é a indignação própria, e que eles têm um grau de autonomia suficiente para não ser movidos por outro grupo.

O anticapitalismo é o discurso mais forte?

Uma jovem me deu uma ótima explicação: em São Paulo a ação começou com o discurso black bloc internacional, de anticapitalismo e ataque aos símbolos do capital, mas depois foi se apropriando do discurso das manifestações brasileiras. Ou seja, talvez não tanto contra o capital, mas incorporando as bandeiras e as reivindicações dos protestos: mudanças e melhoria do sistema político de forma geral. O anarquismo é a inspiração, mas, durante as conversas, aparecem muito mais a precariedade do Estado brasileiro e a violência institucional do que as ideias anarquistas como motivações de sua presença nas ruas.

Eles também se colocam como a linha de frente contra a polícia, não é?

Eles dizem que nunca convocam as manifestações, e que vão à rua para proteger os manifestantes. São duas ações: uma que eles chamam de proteção – a linha de frente –, e outra, de ação direta. Essa é a forte agora: chamar a atenção, “dar um grito”, utilizando a violência como forma de expressar a indignação. Vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados.

Os black blocs de São Paulo já podem ser considerados um grupo?

Eles sempre falam que o black bloc não é um grupo, mas uma tática. No final das contas, não são muitos os que saem na rua. Acho que no Rio de Janeiro o movimento é maior. Em São Paulo, não são tantos assim, e acabam sendo as mesmas pessoas que a polícia já levou para a delegacia, já identificou etc. Há também outros que vão aparecendo, que simplesmente cobrem o rosto, e aí você perde a noção de quem é quem. As novas medidas da Segurança Pública em São Paulo podem representar um ponto de virada. Quase todos os black blocs, digamos, mais frequentes já foram para a delegacia. Os policiais também muitas vezes são os mesmos. Então já pedem a documentação, revistam as mochilas etc. Imagino que a polícia saiba quem é a maior parte deles.

Eles têm receio de ser presos e processados, agora que o Estado anunciou o endurecimento da reação?

Sem dúvida. Os que já têm uma passagem por delegacia receiam ser presos novamente e considerados reincidentes. Agora podem ser enquadrados até por formação de quadrilha. Processar por associação criminosa me parece excessivo, embora deva dizer que não tenho grande conhecimento do Direito em geral e do brasileiro em particular. Mas a questão é que os delegados passam a ter legitimado pelo Estado o poder de fazer esse enquadramento. O Estado, no seu papel de protetor da propriedade pública e privada, está se valendo de seu aparato policial e jurídico para propor o endurecimento das penas.

Você já teve algum problema nas manifestações?
Nunca. Comigo os jovens são muito respeitosos, e a polícia também. Isso também pode parecer paradoxal em razão das cenas de violência nas manifestações, mas o fato é que minha experiência destes meses nas ruas é esta, tanto com os policiais como com os Black blocs. Mas claro que fico com um pouco de medo quando começam a aparecer pedras e bombas.

O que eles acham de ser chamados de vândalos ou baderneiros?

Eles são absolutamente contra essa dicotomia criada entre o “bom manifestante” e o “ruim”, categorias que a imprensa coloca para tentar defini-los. Eles dizem que o que fazem não é violência, é performance – é um tipo de espetáculo, em que querem atingir símbolos para chamar a atenção. O discurso é de que a verdadeira violência é a de um sistema político que não dá respostas para a população e que mantém, por exemplo, índices altíssimos de homicídios e de mortes no trânsito. Para eles, a violência é a do sistema, e o que fazem é chamar a atenção para essa violência política e corporativa.

Críticos ao redor do mundo dizem que essa tática sequer arranha o capitalismo.

É. Inclusive há todas aquelas incoerêcias do tipo quebrar um banco, mas usar iPhone. Isso é parte do paradoxo humano. Claro que eles sabem que o dono do banco não está nem aí quando depredam uma agência – mas que conseguem chamar a atenção sobre as coisas que para eles estão equivocadas, tanto no governo quanto na ordem econômica, isso conseguem, até porque de fato a espetacularização dos acontecimentos por parte da imprensa é evidente. Agora, a partir da constatação de que as ruas estão ficando esvaziadas, já presenciei diálogos entre eles sobre se a população está entendendo ou não o que eles tentam fazer.

Você esteve na manifestação do dia 25 de outubro (quando o coronel da PM Reynaldo Simões Rossi foi agredido)?

Não, mas depois conversei com algumas pessoas que foram. O fato é que o Movimento Passe Livre (MPL) tem muita capacidade convocatória, então conseguiu juntar bastante gente que utiliza a tática black bloc. Como já disse, é um movimento muito heterogêneo, e entre eles há quem acredite numa violência mais focada e mais simbólica, e outros que acreditam numa violência mais pesada; os que são mais articulados e os menos, como aliás em todo grupo social. Quando você junta tantas pessoas, num estado de emoções à flor de pele – o componente emocional é muito importante –, com grandes tensões com a polícia, era claro que ia acontecer o que aconteceu. À noite é quando a tensão aumenta e todo mundo vai perdendo a paciência. É sempre o pior momento das manifestações.

Você conhece os rapazes que foram presos?

Os que eu conheço não foram presos. Sei que houve prisão de gente do MPL, anarcopunks etc. Ou seja, foi uma manifestação bem heterogênea. Não dá para falar que só havia black blocs.

Você acha que, a partir do episódio do espancamento do coronel, a PM e a Justiça vão endurecer definitivamente as ações contra os black blocs?
Claramente as políticas vão endurecer. O governador Alckmin já falou da necessidade de penas mais rígidas para quem agride policiais. O espancamento do coronel Reynaldo vai esquentar muito os ânimos. Foi uma agressão filmada, transmitida em todos os meios de comunicação, e espetacularizada, de um PM de alta patente. Depois houve a resposta da presidenta Dilma oferecendo ajuda à PM de São Paulo. É claro que isso vai trazer como consequência uma série de respostas institucionais, radicalizando o discurso, tanto em nível policial como jurídico. O problema será entrar numa dinâmica de ação-reação violenta na qual as posturas dos dois lados endureçam.

O black bloc veio para ficar?

Pelo menos por enquanto, sim. Mas, a partir dessas medidas do governo, será que eles vão se radicalizar? Ou vão retroceder com medo de ser presos? Não sei. De qualquer maneira, a Copa está aí e o foco deles é fazer um espetáculo nela para chamar a atenção de todo o mundo – de todo o mundo mesmo! Pode até acontecer de a ação policial ser muito dura e conseguir esvaziar o movimento. Afinal, eles são jovens de vinte e poucos anos, e é possível que fiquem com medo de ser presos. Mas a ideia é estar na Copa.

E logo depois tem a eleição...

A espiral da violência vem aumentando. Estou preocupada com o que possa vir a acontecer no ano que vem.

Foto: Marcelo Camargo/ABr

8 de outubro de 2013

Passeata em defesa da educação (07/10/13)

Ao se fazer uma análise crítica da patética cobertura do Globo sobre a passeata de ontem dos professores, corre-se o risco de cair na mesmice e dizer que a cobertura deu mais atenção à violência do que à própria passeata. Por esse caminho seguiu o Blog do Edgard na Carta Capital.

O que eu acho interessante na narrativa da grande imprensa é essa insistência de que os "mascarados se infiltraram" na passeata (que, de outra forma, seria legítima).

Pois eu vi ondas e ondas de Black Blocs sendo ovacionados ao chegarem na concentração da passeata na Candelária.

Eu vi os Black Blocs marchando com a passeata de maneira totalmente integrada à manifestação até a Cinelândia.

Eu vi, no final da passeata, a praça da Cinelândia lotada de pessoas que permaneceram lá enquanto tentavam arrombar as portas da Câmara Municipal. Pichações anarquistas e rojões lançados contra as fachadas do prédio eram aplaudidas. Quando a porta lateral da Câmara lambeu com fogo, os gritos da galera pareceram com aqueles de gol da seleção!

Vândalo lança morteiro no prédio da Câmara dos Vereadores Foto: Marcelo Piu / O Globo

"Não vai ter Copa!"

"Ei, Cabral, vai tomar no cú!"

Fiquei histérico e arrepiado, porque vi dezenas de milhares de pessoas gritando "hu, hu, hu, hu" - o grito de guerra do Black Bloc.

Estavam provocando, é claro, a polícia. Todos estavam provocando a polícia. Não só os "mascarados infiltrados". A própria manifestação, como um sistema complexo com propriedades emergentes, estava provocando a polícia.

Quando o Choque entrou, e veio a nuvem de gás lacrimogênio, as pessoas começaram a se retirar calmamente. Os que passavam mal eram amparados pela galera. Outros brincavam: "É tempero!". Ou: "Já tamo acostumando!"

"Não adianta me reprimir, esse governo vai cair!"

"Ô, Cabral é ditador!"

Perguntei pra uma senhora, uma merendeira com camisa da Greve, o que ela achava daquilo. Se o Black Bloc ajudava ou atrapalhava. Ela disse: "Ajuda! Claro que ajuda! São anjos que vieram pra salvar o Mundo!"

Os meninos e meninas de preto, máscara, óculos e luvas eram dezenas em junho. Depois eram centenas. Ontem foram milhares.

Já perto da Lapa, a multidão dispersando cantava: "Amanhã vai ser maior! Amanhã vai ser maior!"

Na Glória os bares estavam repletos de jovens fedendo a vinagre, as caras ainda brancas de pimenta, bebendo, rindo e comemorando.

Amanhã vai ser maior!

Gonzo

19 de setembro de 2013

Occupy Second Anniversary Blast!

A manifesto for the year ahead.

Retirado de Adbusters

AFP PHOTO / ANGELOS TZORTZINIS




Hey all you still breathing out there,

On the second anniversary of OWS, here’s a manifesto to fill your lungs:

Look outside your window today and admire how permanent everything is.

Cars faithfully zoom in and out of traffic without end. Financial skyscrapers frame the streets, investing your dollars and cashing your paychecks with ease. People pour out of apartments on their way to the office, to visit friends, to look for work. The social order, all the basic interactions of the day, are predictable, normal, most likely the same as yesterday. The sheer rigidity of the political system is not in question.

Now imagine that it all snaps. That everything you know is turned upside down. The coffee shop is closed. The bank door is shut. People stop following even the most basic prompts.

Looking out the window today, we have that same feeling we had on September 16th, 2011, the day before those first courageous occupiers packed up their tents and made their move on Wall Street. Only this time, as we gaze beyond the glass, there is an assuring upward tilt on our otherwise steady lips. We now have a confidence in this generation that we didn’t have before. There are still curveballs that can shock the financial and psychological order. There is a growing conviction that the things that can happen, will happen. The world is still up for grabs.
Revolution is a Rhizome

What we experienced in 2011 is still reverberating around the globe. Most recently, in Turkey and Brazil, that feeling in the guts, that the future does not compute, is vibrant as ever. And because of that gnawing anxiety in the depths of an increasing mass of people, the new mode of activism, what Spanish journalist Bernardo Gutierrez calls a “new architecture of protest,” is spreading like a frenzy: what starts out as simple demands – don’t cut the trees, don’t raise the transit fair, don’t institute that corrupt judge – erupts into an all-encompassing desire to reboot the entire machine.

In the coming political horizon you can expect that wherever there is a crack, scandal, teacher strike or pipeline deception, you’ll find a hornet’s nest underneath. When you have a connected generation, all of their unique and individual demands are connected, too. Protest becomes a cornucopia, not a straight path. And the desire is not to destroy the system but to hack it, to re-code it, to commandeer it … to see revolution not as pyramid but as a rhizome … to see the system not as an unchanging text but as an ever changing language of computation, an algorithm.

More than ever we are seeing the actuality of the modern day truism, “we are all one.” Now, as we have the technology to organize – who cares if the NSA is listening in, in fact we welcome them to listen in and to be inspired – this first-ever global generation will be able to articulate itself more clearly, more viscerally, more intensely and at a frequency like never before.

Take a look out the window today. It wasn’t always this way. It won’t be this way forever.
A Generation Under Pressure

This generation is under pressure. Leading American pundits like David Brooks and Andrew Sorkin laugh us off as ungrateful kids and milquetoast radicals, people who just aren’t willing to work like the previous generation. But these folks just don’t get it. The engine light of humanity has turned on. But no mechanic of the old paradigm can fix it. We’re experiencing a global system failure like never before. But no programmer of the old language can re-write it. The Earth is getting sick. The culture is in terminal decline. Mental illness is the number one cause of lost workplace hours in America. What other indicator does one need? Rejection is not ungratefulness, it’s a beautiful and sincere longing for a sane and sustainable tomorrow. But as the valves are twisted tighter … well … you can see the result everywhere.

Last July, as hundreds of thousands of protesters were marching in cities throughout Turkey and Brazil, Adbusters creative director Pedro Inoue skipped work to join the magic in the streets. He sent us this testimony from the center of São Paulo, a portrait that became the backbone of one of our most spirited and hopeful publications yet. We’ve long been accused of being too negative … yet here our readers saw a bright light:
It’s something you feel when the lover in your arms is laughing and you feel like your heart is going to break because there couldn’t possibly be any more room for good inside. The high begins to float you away. We were walking to the governor’s house, taking time along the way to talk, look at people waving flags from apartment windows, listen to chants coming and going like waves in this sea of people. I looked into this kid’s eyes. He kept talking but I only remember those eight words.

“Man, what a beautiful world we live in,” he said.


I was mesmerized by the shine in his eyes. Sparks. Flashes. Pulses. Bursts of light. When the global revolution finally arrives … it’s going to shine everywhere like that.
The conditions that spurred on the Greek anarchists, the Arab Spring, the Spanish indignados, #Occupywallstreet, the Chilean student revolt, Pussy riot, the Quebec uprising, #idlenomore, Yo Soy 132 in Mexico, and the insurrections in Istanbul, Lima, Bulgaria and São Paulo have only worsened. Inequality is reaching obscene proportions in America and many other nations. There is an ever-greater concentration of wealth, ever-bigger banks, a steady increase of high frequency trading (HFT), derivative confusion and outbursts of rogue financial algorithms that send markets dipping and waning beyond any human control. $1.3 trillion in speculative financial transactions keep swirling around the planet every day. The stage is now set for a much more catastrophic market crash than 2008. And inside each and every one of us, the desire for real is growing:Real economy. Real democracy. Real possibilities. Real humanity. Realleadership. Real horizons. Real interactions. Real things. Real life.
Three Metamemes for the Future

Here at Adbusters, we see three big tactical breakthrough ideas, three metamemes, that have the power to veer this global trainwreck of ours from its date with disaster. Make no mistake, the crash is a brutal world – a barbarian reality. It’s a happening that none of us should seek out joyfully. Yet we cannot just go with the flow, sing with the speed and trust the inertia of our current economic doomsday machine.

The first thing we can do is call for a radical re-think of our global economic system. Unbridled neocon capitalism has been riding the back of humankind without opposition for nearly two generations now. It has provided no answer yet and it has no answer for the most pressing threat of the future, namely climate change. Economics students and heterodox economists must rise up in universities everywhere and demand a shift in the theoretical foundations of economic science. We have to abandon almost everything we thought we knew about the gods of progress, happiness and growth. We have to re-imagine industry, nutrition, communication, transportation, housing and money and pioneer a new kind of economics, a bionomics, a psychonomics, an ecological economics that is up to the job of managing our planetary household.

The second thing we can do is usher in a new era of radical transparency … to add the right to live in a transparent world as a new human right in the constitution of nations and in the Universal Declaration of Human Rights. Current events in Syria are a perfect example of how secrecy by the major powers of the world leads to confusion and the possibility of catastrophic failure. Assad may get away with a type of murderous appetite not seen since WWII, for no reason other than the fact that America can no longer be trusted to tell the truth. Radical transparency is the only path towards a viable global democracy of the future.

The third thing we can do is take inspiration and learn lessons from a new tactical breakthrough in global activism – the revolution algorithm. The internet has reversed a centuries-old power dynamic. The street now has unprecedented power. Through hacking, rhizomatic organizing, viral memes, it can paralyze cities, bring whole countries to a standstill … protests and uprisings can spook stock markets into plunging 10% in a single day, as happened recently in Turkey, and, if we the people are angry and fired up enough, we can force even the most arrogant presidents and prime ministers to the democratic table.

In the 21st century, democracy could look like this: a dynamic, visceral, never-ending feedback loop between entrenched power structures and the street. In this new model, corporate power will be forever blunted by sustained and clearly articulated demands for new economic, political and environmental policies, for visceral debates and referendums on critical issues, for the revocation of the charters of corporations that break the public trust and for new laws and constitutional amendments on democratic fundamentals like secrecy, corporate personhood and the rules by which nations go to war. Every government department, every minister and the whole political establishment, right down to the think tanks, media pundits and CEOs, will be under the gun, on an almost daily basis, to bend to the ever changing pulse of the people.

As this second anniversary of Occupy passes, perhaps with raging flames, perhaps with only a few sparks, we can take solace in one thing: Our current global system – capitalism – is in terminal decline … and while its corpse is still twitching, our jobs, yours, mine, all of us, are to stay vigilant and to keep working on our own lives … We shy away from the megacorporations, we refuse to buy heavily advertised products, we meticulously seek out toxin-free information, we eat, travel, socialize and live as lightly as we can … we fight for our happiness … we build trust with each other and play the #killcap game at least once every day … and most important, we focus our eyes on the horizon and wait for our next moment to come.

What do Brazil, Turkey, Peru and Bulgaria have in common?


This year's protests have less to do with ideology and specific grievances than a new architecture of protest.

retirado de Aljazeera.
por Bernardo Gutierrez, em 7 de setembro de 2013


The protests in Bulgaria have much in common with protests in other countries [AFP]

Sao Paulo, Brazil - What influence did Istanbul's Gezi Park protest movement have on the uprising in Brazil? Can we explain the sudden emergence of mass demonstrations in Peru as being inspired by neighbouring Brazil? What do the anti-government, anti-establishment protest movements in these three countries - and in Bulgaria - have in common?

Analysts have searched for specific reasons to explain the recent revolts: Istanbul rose to protect Gezi Park from neoliberal enclosure; Brazilian citizens took to the streets to protest against the rising of the price of public transportation; Peruvians were outraged by corruption and a government that tried to impose its will on the country's constitutional court. Bulgaria's protests, which started this January, were spurred by anger at high electricity and water bills.

But does this really explain what has happened in recent months? The reasons listed above would imply that four almost disconnected rebellions took place simultaneously. And cause-and-effect logic cannot fully explain these protests, which fall largely outside the left-right axis.

Rather, what the movements have in common has less to do with ideology and specific grievances, than with a new architecture of protest. In all four countries, established groups such as unions and political parties were almost irrelevant. For instance, the calls for protest in Peru, which filled the capital's streets in July, were born [Es] in social networks, mailing lists and non-ideological groups. When a reporter suggested to human rights activist Rocio Silvia Santisteba that she was leading the Peruvian protests, she replied: "We convene. We do not lead."

18 de setembro de 2013

Movimentos repudiam PL que tipifica crime de terrorismo


Movimentos repudiam PL que tipifica crime de terrorismo


Organizações temem que esse projeto possa enquadrar manifestações de movimentos sociais que se espalharam desde junho pelo Brasil

17/09/2013
da Redação do Brasil de Fato

Entidades de direitos humanos e diversas organizações sociais lançaram um manifesto em repúdio ao polêmico projeto de lei 728/2011, que trata do crime de terrorismo, que poderá enquadrar, inclusive, manifestações de movimentos sociais. Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado poderá ser tipificado como terrorismo no Brasil.

O PL determina que esses crimes sejam imprescritíveis, com pena cumprida em regime fechado, sem benefício de progressão, que deve variar de 24 a 30 anos de prisão. O texto está sendo debatido no Congresso Nacional através de uma comissão mista, com propostas do senador Romero Jucá (PMDB) e do deputado federal Miro Teixeira (PDT).

30 de junho de 2013

Manuel Castells e os protestos no Brasil

Entrevista com Manuel Castells




Sociólogo espanhol diz que a condução da crise no Brasil mostra que há esperanças de se reconectar instituições e cidadãos

por Daniela Mendes


PROTESTOS NA AMÉRICA LATINA
“Há um movimento estudantil forte no Chile, embriões
surgindo na Colômbia, no México e no Uruguai”, diz Castells


O sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos, estava no Brasil participando de uma série de conferências quando os protestos pela redução das tarifas de ônibus começaram, ainda tímidos, em São Paulo. Um dos maiores especialistas da atualidade em movimentos sociais na era da internet, nem ele podia imaginar que o País todo seria tomado por uma onda de passeatas que se transformaria na mais importante manifestação política da sociedade brasileira em 20 anos. “Se querem mudanças, não bastam somente as críticas na internet. É preciso tornar-se visível, desafiar a ordem estabelecida e forçar um diálogo”, afirma o sociólogo. Castells analisou outros movimentos semelhantes, como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos, os Indignados, na Espanha, e agora também acompanha a defesa da Praça Taksim, na Turquia. Com extenso e respeitado trabalho sobre o papel das novas tecnologias de informação e comunicação, o sociólogo diz que a grande força desses movimentos é a ausência de líderes e enxerga um esgotamento do modelo atual de representatividade. Autor de 23 livros, ele lança em breve “Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet” (Zahar Editora). Castells foi professor da Universiade de Berkeley, na Califórnia, por 24 anos. Atualmente, vive em Barcelona, na Espanha, de onde falou à ISTOÉ por e-mail, e é professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos.


“A grande força desses movimentos é que eles
são espontâneos, livres, uma celebração da liberdade.
O Occupy deixou novos valores para os americanos”



ISTOÉ - O sr. estava no Brasil quando ocorreram os primeiros protestos em São Paulo. Podia imaginar que eles tomariam essa proporção?

MANUEL CASTELLS - Ninguém podia. Mas o que eu imaginava, e pesquisei durante vários anos, é que a crise de legitimidade política e a capacidade de se comunicar através da internet e de dispositivos móveis levam à possibilidade de que surjam movimentos sociais espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. Porque razões para indignação existem em todos os lugares.

ISTOÉ - O Brasil reduziu muito a desigualdade social nos últimos anos e tem pleno emprego. Como explicar tamanho descontentamento?

MANUEL CASTELLS - A juventude em São Paulo foi explícita: “Não é só sobre centavos, é sobre os nossos direitos.” É um grito de “basta!” contra a corrupção, arrogância, e às vezes a brutalidade dos políticos e sua polícia.

ISTOÉ - Faz sentido continuar nas ruas se os problemas da saúde e da educação não podem ser resolvidos rapidamente, como o das passagens de ônibus?

MANUEL CASTELLS - Em primeiro lugar, o movimento quer transporte gratuito, pois afirma que o direito à mobilidade é um direito universal. Os problemas de transporte que tornam a vida nas cidades uma desgraça são consequência da especulação imobiliária, que constrói o município irracionalmente, e de planejamento local ruim, por causa da subserviência dos prefeitos e suas equipes aos interesses do mercado imobiliário, não dos cidadãos. Além disso, por causa da mobilização, a presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e educação. Como leva muito tempo para obter resultados, é hora de começar rapidamente.

ISTOÉ - A presidenta Dilma agiu corretamente ao falar na tevê à nação, convocar reuniões com governadores, prefeitos e manifestantes para propor um pacto?

MANUEL CASTELLS - Com certeza, ela é a primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas ela está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais. As declarações de José Serra (o ex-governador tucano criticou as iniciativas anunciadas pela presidenta) são típicas de falta de prestação de contas dos políticos e da incompreensão deles sobre o direito das pessoas de decidir. Os cargos políticos não são de propriedade de políticos. Eles são pagos pelos cidadãos que os elegem. E os cidadãos vão se lembrar de quem disse o quê nesta crise quando a eleição chegar.

ISTOÉ - Como comparar o movimento brasileiro com os que ocorreram no resto do mundo?

MANUEL CASTELLS - Houve milhões de pessoas protestando dessa forma durante semanas e meses em países de todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de mil cidades foram ocupadas entre setembro de 2011 e março de 2012. A diferença no Brasil é que uma presidenta democrática como Dilma Rousseff e um punhado de políticos verdadeiramente democráticos, como Marina Silva, estão aceitando o direito dos cidadãos de se expressar fora dos canais burocráticos controlados. Esse é o verdadeiro significado do movimento brasileiro: ele mostra que ainda há esperança de se reconectar instituições e cidadãos, se houver boa vontade de ambos os lados.

ISTOÉ - O que é determinante para o sucesso desses movimentos convocados pela internet?

MANUEL CASTELLS - Que as demandas ressoem para um grande número de pessoas, que não haja políticos envolvidos e que não haja líderes manipulando. Pessoas que se sentem fortes apoiam umas às outras como redes de indivíduos, não como massas que seguem qualquer bandeira. Cada um é seu próprio movimento. A brutalidade policial também ajuda a espalhar o movimento através de imagens na internet difundidas por telefones celulares.

ISTOÉ - Por que tantos protestos acabam em saques e depredações? Como evitar que marginais se aproveitem do movimento?

MANUEL CASTELLS - Há violência e vandalismo na sociedade. É impossível preveni-los, embora os movimentos em toda parte tentem controlá-los porque eles sabem que a violência é a força mais destrutiva de um movimento social. Às vezes, em alguns países, provocadores apoiados pela polícia criam a violência para deslegitimar o movimento.

ISTOÉ - Como a polícia deve agir?

MANUEL CASTELLS - Intervir de forma seletiva, com cuidado, profissionalmente, apenas contra os provocadores e os grupos violentos. Nunca, nunca disparar armas letais, e se conter para não bater indiscriminadamente em manifestantes pacíficos. A polícia é uma das razões pelas quais as pessoas protestam.

ISTOÉ - A ausência de líderes enfraquece o movimento?

MANUEL CASTELLS - Pelo contrário, este é o vigor do movimento. Todo mundo é o seu próprio líder.

ISTOÉ - Mas isso não inviabiliza a negociação com a elite política?

MANUEL CASTELLS - Não, a prova disso é que a presidenta Dilma Rousseff se reuniu com alguns representantes do movimento.

ISTOÉ - Qual é a grande força e a grande fraqueza desses movimentos?

MANUEL CASTELLS - A grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos, é uma celebração da liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza são a estupidez e a arrogância da classe política que é insensível às demandas autônomas de cidadãos.

ISTOÉ - No Brasil, partidos políticos foram banidos das manifestações e há quem enxergue nisso o perigo de um golpe. Faz sentido essa preocupação?

MANUEL CASTELLS - Não há perigo de um golpe de Estado. Os corruptos e antidemocráticos já estão no poder: eles são a classe política.

ISTOÉ - Como resolver a crise de representatividade da classe política?

MANUEL CASTELLS - Com reforma política, com uma Assembleia Constituinte e um referendo. A presidenta Dilma Rousseff está absolutamente certa, mas, nesse sentido, ela será destruída por sua própria base.

ISTOÉ - Essas manifestações articuladas através das redes sociais demandam uma nova forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado? Qual?

MANUEL CASTELLS - Sim, esta é a nova forma de participação política emergente em toda parte. Analisei este mundo em meu livro mais recente.

ISTOÉ - O que há em comum entre os movimentos sociais contemporâneos?

MANUEL CASTELLS - Redes na internet, presença no espaço urbano, ausência de liderança, autonomia, ausência de temor, além de abrangência de toda a sociedade e não apenas um grupo. Em grande parte os movimentos são liderados pela juventude e estão à procura de uma nova democracia.

ISTOÉ - O movimento Occupy, nos EUA, foi derrotado pela chegada do inverno. Que legado deixou?

MANUEL CASTELLS - Deixou novos valores, uma nova consciência para a maioria dos americanos.

ISTOÉ - Os Indignados espanhóis conseguiram alguma vitória?

MANUEL CASTELLS - Muitas vitórias, especialmente em matéria de direito de hipoteca e despejos de habitação e uma nova compreensão completa da democracia na maioria da população.

ISTOÉ - Que paralelos o sr. vê entre o movimento turco e o brasileiro?

MANUEL CASTELLS - São muito similares. São igualmente poderosos, mas a Turquia tem um primeiro-ministro fundamentalista islâmico semifascista e o Brasil, uma presidenta verdadeiramente democrática. Isso faz toda a diferença.

ISTOÉ - Acredita que essa onda de protestos se espalhará para outros países da América Latina?

MANUEL CASTELLS - Há um movimento estudantil forte no Chile, e embriões surgindo na Colômbia, no México e no Uruguai.

ISTOÉ - Países que controlam a internet, como a China, estão livres dessas manifestações?

MANUEL CASTELLS - Não, isso é um erro da imprensa ocidental. Há muitas manifestações na China, também organizadas na internet, como a da cidade de Guangzhou (no sul do país), em janeiro passado, pela liberdade de imprensa (o editorial de um jornal foi censurado e isso motivou as primeiras manifestações pela liberdade de expressão na China em décadas. Pelo menos 12 pessoas foram detidas, acusadas de subversão).

ISTOÉ - Como o sr. vê o futuro?

MANUEL CASTELLS - Eu não gosto de falar sobre o futuro, mas acredito que ele será mais brilhante agora porque as sociedades estão despertando através desses movimentos sociais em rede.