A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

3 de outubro de 2013

Maré Cheia

Nas esquinas estão traficando

olhares,

drogas,

sustos.

Estão transitando nas calçadas:

vômito,

fumaça,

dinheiro.

Baixaram esbanjando charme,

poeira.



Lua

e sombra.



Brancos são os faróis do inferno.

Negros são o sono e a paz.

Não enxergo! Não enxergo!

E por quê, então?



Mas não há tempo…

Um presságio cruza o ar…

O clarão repica no céu…

Lágrimas!

Algumas bocas tolas se abrem…

algum mosquito sempre entra,

mas nunca os vejo saírem…

enfim.



Enquanto chove, relâmpago.

É noite de lua cheia,

sexta-feira.



Sob os toldos dos estabelecimentos comerciais onde

[os trabalhadores cansaram

o futuro se esconde

da água que Deus mandou para si mesmo.

Relâmpago.



No escuro casual estão traficando

sorrisos,

filhos,

sexo ilícito! Sexo ilícito!

Passou a polícia…



Relâmpago!



“Estão todos proibidos! Mendigos fascistas!”



(Do lado de fora de um casamento luxuoso

a maré vai subindo…)



Um rugido grave e distante quase não se ouve:

Alguns sentem uma pontada de ansiedade…

O coração vibra,

a chuva passou,

vamos andar.



O pólen das fêmeas

faz coçar o nariz dos machos.

Cachos dourados de nuvens rápidas

e vestido negro.



Sonhos rastejam no ar.



O futuro se espalha pelas ruas.

A lua espia,

faz sombra…

Relâmpago.

A lua sumiu.



Estou animado: o mundo de olhos estalados!

Lindas lágrimas inocentes.



Eu não desisto,

procuro vultos no negro de toda pupila.



De passagem, o poeta fala,

encarnado em sua cobaia:

“Cobaias!”

E o espírito do poeta se dissipa no ar…

sua cobaia cai,

bêbada, esquecida…

Relâmpago!



Na noite vigorosa

o tempo pára…

e um velho amigo me lembra daquele pântano.

Fico excitado.

Respiro fundo.

Desejo a estrada.



Mulheres gargalham como lobas bêbadas para a lua cheia.



“Mãezinha está aqui, mãezinha está aqui!,

toda de azul”,

(Relâmpago!)

fala a criança

e passa.



Espírito?

Passou um…

agora mesmo.

E passa.



Vejam! Realmente…

o mundo está doido.

Os cachorros latem…

a lua está cheia demais!

Insisto.





(…estou de olhos fechados.

Meu bem segura a minha mão.

Estamos na beira do mar.

Relâmpago no Fundo do Mar!)





Dou um trago na fumaça,

abro os olhos, seguro e passo.

Agora vejo seres imortais desmanchando no solo.

Soa a sirene da fábrica, estamos em guerra!:

Vem a tempestade!

Relâmpago.

Vento de sonhos.

Cidades, Esconderijos, Florestas:

Relâmpago.

(O clarão repica no céu)

Saudade…

efêmera.

O futuro aparece e esconde.

Pântano!

Aí vem a tempestade.

Os corações transbordam juntos…

memórias, relâmpago!

(o tempo pára)

(Os gatos se escondem, atentos.

Os cães detentos choram;

os livres se juntam aos gatos)

A cidade está subindo, relâmpago!

O mar está crescendo… tântrico…



Rua, ar fresco, pessoas, bares, música.

Mulheres & Homens.

Bonança, agora.

Risos & Sorrisos.

Noite…

Vozes doces, tilintar de copos de cerveja…

Silêncio…

Risada, vozes doces, brindes, olhares…

olhares & sons…

Silêncio… um presságio cruza o ar.

– o vento…

Acendo um cigarro, contemplo o movimento

e espero…

espero…

(sons)

vozes, brindes, a rua…

o coração palpita: um trago…

Uma lembrança, o futuro, uma angústia…

um tempo, um vulto…

bonito!

Um trago… solto… olho:

estrela, nuvem, lua…

Cheia! Cheia!!

Maré?, a vida?, surpresa!:

Memória?:

Relâmpago!

Quântico?

Relâmpago! Relâmpago!!!

Marejam

os olhos

e entendo!:

Relâmpago!

A vida está sendo!

Meu Deus, Relâmpago!

Os homens estão a sonhar.

Vejo os olhos, negros, no ar…

relâmpagos…

Os homens estão a sonhar.



(pausa…

silêncio…

expectativa…







…)



Em um único, potente e grave estrondo,

exatamente no meio da noite,

sôa o Trovão



(…





…),



enche de ondas o coração…

A vida vibra

como se tivesse acabado de criar.



Todos, disfarçadamente, olham para o céu,

desconfiados…

e, sem pressa, voltam a conversar.

Dou o último trago

e vejo tudo continuar.

O estrondo ecoa pelo meu corpo.

Vozes doces, noite fresca para amar.



A paixão continua no ar

e os copos a dançar.

Me levanto, vou embora.

Agora caminho na rua molhada,

brilhante.



Cachos negros de nuvens lentas

e vestido branco.

A tempestade passou.



Nas esquinas estão rindo,

beijando,

passando…

passando…



Um último, disperso e grave coro

ruge do céu já de estrelas…

sonhos flutuam luar…

E a noite abre suas asas…

porque a noite é infinita.



E a lua dourando me lembra,

como no velho presságio,

que também é infinito o mar.

Gabriel Megracko

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